CHUVA MILENAR
 
 
                Hoje, assistindo ao jornal regional pela TV, me deparei com esta estranha, pelo menos pra mim, definição de qual teria sido a provável causa da tragédia que desabou sobre s. luís: "foi uma chuva milenar". Assim a senhorita, funcionária pública do Estado de São Paulo, tentava explicar que o que ocorreu em nossa cidade querida - não porque vivamos nela, mas porque a adotamos como nossa cidade do coração (nós, vale-paraibanos) -, berço dos músicos mais criativos da região e importante polo de produção e divulgação da cultura de nossa terra, a madame, anteriormente citada, dizia que não seria possível ter previsto tal tragédia e que isso, muito dificilmente, ocorreria novamente, afinal, se tratava de "uma chuva milenar" e, assim sendo, deveríamos esperar por outra apenas daqui a mil anos. Ora, minha senhora, será que não atentastes para o que vem acontecendo no Brasil e no mundo já há algum tempo? Quando é que seus pais já tinham ouvido falar em furacões em nosso País Tropical? - minhas avós morreram sem ver isso acontecer, e isso não tem sequer quinze anos - E terremotos? Será que seus pais iam dormir com medo que suas casas tremessem durante a noite? Pois é! Não estou dizendo que o Estado de São Paulo, ou qualquer seguimento público, tenha culpa de tal calamidade. Também não estou dizendo que, efetivamente, isso poderia ter sido previsto e remediado, mas a ordem pública, na qual nos incluímos também, cidadãos comuns, tem o dever de fazer o possível para ajudar a população luísense a concertar o pouco que ainda restou em pé e reconstruir o que já não mais existe, inclusive o moral do povo do lugar.
                Trata-se apenas de termos consciência de que aquela gente não dava a menor importância para nosso modo de vida, com nossa correria diária, atrás do que nem sabemos, só sabemos que temos que correr; para nosso capitalismo feroz e invencível, a não ser que também optássemos por fugir pra s. luís; para esse nosso costume de nos vermos somente em ocasiões especiais, inclusive quando se trata de parentes e amigos próximos. Aquela gente preferia ter pouco e amar muito; preferia correr menos e viver mais; preferia saber tudo a conhecer o mundo. No entanto, a globalização do consumo, da exploração (humana e natural), do fast food, da superficialidade, caiu sobre eles em forma de "chuva milenar". Ou alguém descorda que essa chuva e outros “desastres” climáticos deve muito ao efeito causado pelo desequilíbrio consequente do desrespeito mercadológico pela natureza. Não sei não, mas tenho a impressão que essa tal chuva voltará ano que vem, e nos próximos também. Acho que seria até melhor perguntar a um dos sábios de s. luís, afinal, eles têm mais condições de analisar essa vida sem freio que atropelou sua cidade.
                O luísense nos presenteava todos os anos com belas canções, animadas marchinhas, naifs de primeira qualidade e com sua gentil cordialidade, não queria participar de nossa corrida maluca e, mesmo assim, saiu perdendo. Temos mais do que obrigação de ajudá-los a se reerguer. E, sinceramente, tenho ainda esperança de que este ano o carnaval de s. luís continue sendo o melhor da região, por que é o único que não imita o que vem do Rio através da Rede Globo, aliás, a Globo não mostra nem vai mostrar o novo carnaval de rua do Rio, que, entre outras coisas, trás marchinhas como principal atração. Será que os cariocas também nos devem essa generosidade criativa?