Falta de leitores críticos (Parte I - Império da subjetividade)
O indivíduo que se preza a fazer uma leitura analítica de determinado texto, seja ele qual for, tem um árduo ofício pela frente. Ler um texto e sentir agradável sensação ou repulsa pelo tema abordado, são aspectos subjetivos que podem influenciar a opinião daquele cuja função é transmitir aos demais um esboço descritivo do texto em sua totalidade. Por esse motivo o leitor crítico deve elevar-se além do seu critério pessoal para poder penetrar os umbrais de qualquer criação.
Ao deparar-se com um texto, seus conceitos pré-definidos em relação ao assunto devem ser esquecidos – em alguns casos pelo menos –; ele deve ver se o texto conseguiu transmitir a proposta. É certo que o contato imediato, sem pretensão de decompor os períodos, parágrafos, posteriormente há de dar menor credibilidade ao julgamento do texto, pois esse contato será o causador da consideração primeira, ou seja, a primeira impressão é a que fica e essa impressão foi motivada pela própria idiossincrasia do leitor. Mas ler e reler, procurar falhas e exageros são aspectos a serem utilizados. Não importa (na verdade é o que mais importa) se o texto foi compreendido e suscitou questões, emoções, é necessário perceber o quanto ele é válido para a sociedade, já que tudo o que envolve a razão e a linguagem não é dissociável da cultura.
Aqui está a grande dificuldade do leitor crítico: a leitura é relevante pelo fato de ter sido bem difundida nos meios de propagação, por ter sido aceita pelas pessoas ou porque traz em si um ar culto e original que transcende a subjetividade?
Primeiro, falarei do âmbito geral que se refere ao gosto individual. Existem diversos grupos guiados por diversos preceitos e dogmas que os definem. A expectativa deles deve ser suprimida de alguma forma, já que nem todos possuem o mesmo gosto. Isso explica porque livrarias, bancas de revistas trazem assuntos tão diferentes reunidos em seus espaços. As donas de casa – se é que possam ser chamadas assim as mulheres guerreiras que se importam e cuidam seus lares – querem ler o que se refere ao lar, à cozinha, às vezes lê escondida até algumas novelas picantes; os jovens procuram escritos sobre games, revista de mulher nua, de esporte ou animes etc. Agora observe o seguinte: um médico cardiologista depara-se comum livro cujo tema não gosta e nem entende (magia, por exemplo) e considera-o um lixo. Isso é verdade? De forma alguma! Esse é o ponto que divide os críticos.
O subjetivismo conduz o gosto e as escolhas de leitura da população e muito do que hoje está no ápice, é explicado por esse motivo. Sabemos que a subjetividade não é algo imutável e que se mantém da mesma maneira a vida inteira; tudo depende da circunstância atual. O meio impulsiona a mudança de perspectiva foi é ele quem definiu o caráter da pessoa, que de alguma forma obstinada teima em permanecer impassível em situações diversas. Como disse Voltaire: “Religião, moral são freios retentores do caráter. Não podem, porém, matá-lo. Enclausurado, reduzido a dois dedos de sidra às refeições, pode o bêbedo deixar de embriagar-se, mas ansiará sempre pelo vinho. A idade amolenta o caráter. Transforma-o em uma árvore que não dá senão um ou outro fruto abastardado, mas sempre da mesma natureza”.
Atualmente temos conhecimento de que é a cultura e as experiências do indivíduo quem fabrica os cidadãos e estes não possuem uma personalidade única, estão suscetíveis de modificação da própria personalidade caso ocorra um acontecimento qualquer capaz de tal absurdo real; aqui o que importa é saber que a pessoa pode vir a mudar de gosto e que no fundo não terá a mesma opinião durante o percurso da sua vida (embora muitos vivem por seus ideais, mas isso é outra história). Imaginem uma pessoa que viveu 100 anos sempre com os mesmos pensamentos; que evolução! Voltando, é óbvio que a emoção (ou aspecto individual) é o fator primeiro quando alguém expõe sua visão sobre uma leitura feita. Muitas interpretações podem ser feitas a partir de um único texto, mas o que o autor deixou claro em relação ao seu texto não pode ser questionado. Agora sejamos francos, o sujeito comum cujo repertório se limita à literatura atual, não possui o menor senso analítico e reflexivo e é guiado por seu gosto pessoal, não tem aptidão para opinar a respeito de um texto.
Nietzsche afirmara – e reconheço – que maus escritores, redatores, são necessários para produzir obras, resenhas de fácil entendimento ao público imaturo, com baixo desenvolvimento intelectual; público incapaz de criar argumentos sólidos que sustentem aquilo que defendem. Se esse público (leitores) passasse a ler mais, estudasse mais a gramática ou as obras clássicas de autores consagrados na filosofia e literatura tais como o próprio Nietzsche, Diderot, Sartre, Camus, Wittgenstein, Victor Hugo, Baudelaire, Allan Poe, Machado de Assis e centenas de outros, certamente mudariam de conduta perante livros e revistas supérfluas e descartáveis. Na verdade, o mercado do consumo e os pseudos produtores se aproveitam das pessoas, sabem o que elas querem e lançam incessantemente esses textos superficiais nas prateleiras mais visíveis, visando sempre recompensas monetárias e prestígio.
Hoje a literatura virou alvo dos aproveitadores; até coisas banais e simplórias exposta num livro ou matéria de cartaz, revista consegue atingir o âmago do povo. Porém não se deve confundir o permanente como passageiro. Se um texto afetou um maior número de pessoas não quer dizer que seja significante; só o é se o seu conteúdo for universal e atemporal e estiver diretamente ligado a humanidade tais como morte, existência, sexo, amor, sobrevivência e muitos outros referentes a realidade.
O caráter ético, existencial, cultural, psicológico, filosófico é necessário para definir se uma leitura é importante e precisa ser feita. Aí sim, se um texto abordar tais tendências será de valor verdadeiro. Mas se ele tratar de romances vampíricos adolescentes, sucesso no trabalho, logo será superado e deixado de lado, já que agrada apenas um grupo específico de leitores e tais temas não são importantes para a sociedade emergente. E os que falam de emprego e mercado de trabalho? São relevantes apenas no momento em que as exigências capitalistas atuais estiverem vigentes, quando elas mudarem esses livros não mais corresponderão ao mercado.
Concluo então que, o subjetivismo é um fator pequeno no julgamento de qualquer atividade observada; embora o temperamento de uma pessoa seja o responsável para que ela assuma uma postura até mesmo “crítica” em relação a um texto, ou outra forma de expressão – pintura, música – não significa que tenha razão naquilo que diz (razão aqui entendida como: conceito verdadeiro independente da subjetividade). O leitor crítico reconhece seu gosto, entretanto consegue enxergar além dele; sabe reconhecer a importância daquilo que está diante de si, mesmo não correspondendo ao seu gosto.