O SISTEMA IMUNOLÓGICO - ANJOS DA SALVAÇÃO
Sistema imunológico
O sistema imunológico é para o corpo como o anjo da guarda é para a alma, ou melhor, é o exército do corpo que a todo o momento pode ser convocado para entrar em ação. E como todo bom exército tem suas especialidades, funções e modulações quanto à forma de atuação. Assim se podem individualizar no sistema imunológico os subsistemas de engenharia, artilharia, enfrentariam, comunicação e por ai vai. Dentro dessa analogia, fica fácil de ver que quanto mais preparado é o exército melhor é a sua eficiência para entrar em combate. Todavia, o sistema imunológico é revestido de uma grande e intrincada complexidade, de sorte que estudá-lo na totalidade de seu conjunto transforma a tarefa em algo quase interminável, sendo, inexoravelmente, necessário o estabelecimento de limites quanto ao aspecto da visualização da peculiaridade do sistema a ser estudado.
É bem verdade, que todo este exército surge a partir de um único grupo celular: as células-tronco hemotopóeticas pluripotenciais da medula óssea, que através de sucessivas divisões celulares acabam originando as unidades individuais especializadas, cuja função depende, basicamente, das características específicas de cada agente estranho agressor no interior do organismo.
As células-tronco estão continuamente em processos de reprodução e subdivisões, que se estendem até o final da vida. Porém, uma boa parte delas se mantém idênticas às células-tronco originárias, que servem como reserva de estoque dentro da medula óssea. As primeiras descendentes que decorrem das divisões das células-tronco originárias, não podem ser reconhecidas como diferente das células-tronco pluripotenciais, muito embora já estejam comprometidas com diferentes linhagens de células que darão origens, sendo chamadas de células primordiais comprometidas.
No nosso corpo tem capacidade de resistir a quase todo tipo de organismo ou toxina que de alguma forma pode se tornar lesivo aos tecidos e órgãos. É essa capacidade que chamamos de imunidade. Porém, boa parte dessa capacidade é adquirida só após o corpo ter sofrido a primeira agressão – imunidade adquirida, entretanto, outra parte da imunidade decorre de processos gerais que não são dirigidos em função da atuação de agentes patogênicos. Essa é chamada imunidade inata a qual é transmitida normalmente pela hereditariedade e quando da primeira mamada, o chamado colostro.
Na verdade, é difícil olhar para estrutura interna do corpo humano e não se emocionar. Tudo ocorre de uma forma tão inexoravelmente perfeita. Basta considerar o grau de complexidade de como se sucedem as várias reações químicas, que numa reação em cadeia deflagram-se em ressonâncias por todo organismo, conclamando-o a interagir de forma harmônica, em sua totalidade, com vista a alcançar um determinado fim. E para termos uma pequena ideia da complexidade da formação e especialização de cada célula que compõe o sistema imunológico, basta olhar o timo - órgão formado por dois lobos, de situação retroesternal, que recobre parte do pericárdio e dos grandes vasos da base do coração - que funciona como uma espécie de universidade na formação da especialidade de cada célula do sistema imunológico. Nos seus vários compartimentos: que para efeito de analogia, funcionam como salas de aulas de uma determinada faculdade dentro uma universidade. As células, no processo de aprendizagem, são apresentadas virtualmente a todos os diferentes tipos de antígenos e agentes endógenos existentes no organismo, estudando minuciosamente cada peculiaridade das características particular de cada um deles. Assim, ao final do processo terá que saber reconhecer não apenas fisicamente, mas, sobretudo, estruturalmente a composição química de cada antígeno e agente existente no corpo com vista a não reagir contra eles. Observe-se que o processo de formação por que passa cada célula do sistema é bastante rigoroso, daí advém o alto índice de reprovação, pois do grande número de células que entram no timo, apenas 10% delas serão aprovadas e aproveitadas para ocuparem funções dentro do sistema imunológico, as demais que não forem aproveitas, sejam porque reagiram de alguma forma com algum antígeno ou por má formação congênita, a elas estão destinadas um triste fim, serão fagocitadas (canibalismo celular) sem exceções ao final do processo seletivo dentro do timo.
Porém, para efeito de análise, quando anatomia visualiza o sistema imunológico, há uma necessidade, para compreensão dos elementos que constituem uma dada função do mesmo, de se provocar um congelamento das variáveis em atuação num dado momento, tendo em vista o espaço caótico no qual este está inserido. A forma e a velocidade com que aparecem os agentes e os reagentes são muito rápidas, quase que instantânea, e da mesma maneira como se apresentam, também, de mesma forma, desaparecem no momento seguinte. Assim sendo, a anatomia tem que focar e provocar uma desaceleração dessa instantaneidade, por intermédio de técnica científica, dos elementos que exercem função dentro do sistema imunológico. É como uma fotografia longe, porém, de ser estática, os elementos constituintes da mesma ainda assim continuam em movimentação, só que desta feita é como num filme em câmara lenta, ou mesmo, numa visão mais onírica, como num bolero cantado e dançado, de forma apaixonada, num fundo de um bar cubano à penumbra do luar. Os movimentos tornam-se suaves e mais fáceis de serem compreendidos.
De outra maneira, poderíamos dizer que a todo o momento no interior do organismo são travadas fantásticas batalhas, entre os agentes patogênicos e os agentes endógenos do sistema imunológico, onde o arsenal de armas utilizado é o mais variado possível. Verdadeiro prodígio desenvolvido ao longo do processo evolucionista: como metralhadoras químicas dos anticorpos, os tanques macrófagos de enfrentaria, os mísseis teleguiados linfócitos T e por aí vai...
Assim, neste exato momento, dentro do nosso corpo, está sendo, agora mesmo, travada a mais espetacular de todas as batalhas já vivenciada, pois cada uma é única, apesar do caráter permanente do estado de guerra, onde vencer ou perder vai depender do tipo específico de arma que está sendo utilizada e da oportunidade do ataque.
Olhemos mais de perto o campo de batalha: quando um antígeno estranho é capturado logo ele é fagocitados pelos macrófagos – sentinelas do sistema -, após os macrófagos decodificam a estrutura genética do inimigo e apresentarem o antígeno aos linfócitos B. Além disso, o antígeno é simultaneamente apresentado às células T, que, desta forma, são ativadas e passam também a contribuir para ativação dos linfócitos B específicos. Os linfócitos B específicos, ativado com o antígeno, aumentam imediatamente de tamanho e assumem aparência linfoblastos. Alguns destes se diferenciam ainda mais, dando origem aos plasmócitos. Essas células dividem-se, então, com muita velocidade e em aproximadamente quatro dias forma uma população total de cerca de 500 plasmócitos. O plasmócito maduro, então, anticorpo gamaglobulínicos, com velocidade extremamente rápida, logo forma cerca de 2.000 moléculas por segundo para cada plasmócito. Os anticorpos são então secretados na linfa e levados pelo sangue circulante até o campo de batalha. Esse processo continua por vários dias ou semanas, até a exaustão final e morte do plasmócitos ou debelação completa do exército invasor.
Agora mudando um pouco de assunto, porém ainda relacionado de certa forma com o que já foi falado até agora. Lembro-me, certa vez, de estar treinando com um grupo de amigos para “ironman” de “floripa” de 2000. Sendo assim, estávamos descansando um pouco entre uma modalidade e outra do triathlon – do ciclismo para corrida – quando se aproximou um senhor e começou a conversar com nosso grupo. Devia ter uns 52 anos, aproximadamente, e após algumas e outras perguntas, indagou se podia correr conosco. Olhamos uns para o outro e com certo ar de espanto balançamos a cabeça com gesto de que não haveria problema. Afinal, éramos triatletas, será que aquele senhor teria condição de nos acompanhar durante a nossa “pena” de corrida de fundo?
Bom, para nossa surpresa não só conseguiu nos acompanhar, como também ficou bastante à vontade dentro do nosso ritmo de treino. E a partir daí passou a se tornar figura muito constante nos dias em que nos reuníamos para treinar, e ao final de cada treinamento ele, o tal carinha, era sempre motivo de boas conversas.
Na verdade, estamos falando de Sergio Cordeiro, que, particularmente, considero um fenômeno em matéria de resistência humana. Assim também os fisiologistas o devam considerá-lo. Pois a todo o momento devem lhes perguntar, a si próprios, onde se encontra o limite da resistência humana. Porém, em se tratando de Sergio Cordeiro, essa pergunta vai ficar ainda um bom tempo sem resposta.
Senão vejamos: o homem começa com uma inocente corrida 5000 m, depois 10000 m, daí meia maratona, maratona, “ironman”, hipermaratona, “ultraman”, corrida de 24hs, 48hs, 72hs, corrida pelo vale da morte (deserto do Nevada) e, finalmente, as corridas de aventuras. Onde é o limite...? Veja que esse cara correu o “Deca Ironman”, o qual conta com as incríveis distâncias de 10x um Ironman, sendo: 38km de natação, 1.800km de ciclismo e 422km de corrida, sendo um Ironman por dia. Dentre seus feitos, além da terceira vez participando desta prova (já foi medalha de ouro em 2007 e bronze em 2010), estão a maratona do Everest (- 40C), a ultramaratona Bad Water (+60C), além de diversas participações no Ultraman.
Por outro lado, imaginemos como funciona o sistema imunológico, durante uma corrida de aventuras quando submetido a essas condições extremas do limite da resistência humana. O corpo é obrigado a reagir instantaneamente a toda sorte de agressão a que é exposto. A todo instante aparecem micros fraturas ósseas, micros lesões na estrutura das fibras musculares, rompimentos das hemácias por hemólises, agentes patogênicos decorrentes de pequenas inflamações, por toda parte do organismo surgem sinalização de quimiotaxia - ação atrativa ou repulsiva demonstrada por certas células vivas em relação a outras células ou substâncias que exercem sobre aquelas uma influência química; quimiotactismo –, dizendo ao sistema imunológico que algo não está ok, e que terá, como consequência, que agir e reagir ao caos instalado de pronto atendimento, tendo que realizar um esforço titânico para dá vencimento a demanda da exigência. Consequentemente, o stress cujo organismo é submetido se torna gigantesco, e é essa maravilhosa forma de adaptação às condições extremas que levam os fisiologistas a ficarem estonteados. Tendo que a todo o momento reformular novos paradigmas para sustentação de suas teses.
Talvez fosse conveniente uma pergunta. O que leva o ser humano ultrapassar essa zona limite da resistência humana? Essa pergunta não é fácil de responder. Mas, por outro lado, quando estamos no auge do sofrimento. O que mais desejamos? Não é parar de sofrer? Então, fica fácil de presumir que, quanto maior é sofrimento tanto maior é o alívio quando se para de sofrer, ou seja, é uma ida ao paraíso sem escala e sem pagar pedágio. Em um instante lá estamos desfrutando das vinhas de “Baco” embalados pela a música sublime de “Afrodite”.
Claro que o sistema imunológico não é nenhum “superman”, ele sofre e sofre muito com todo este stress quando submetido a essas condições extremas. Lembremos de Vitor Negrete, 38, que morreu, horas depois de se tornar o primeiro brasileiro a escalar o monte Everest, no Nepal, pela face norte sem o auxílio de tubo de oxigênio suplementar, a 8.850 metros. No início da descida, ele passou mal e pediu via rádio a ajuda do profissional nativo que o auxiliava na escalada. Foi levado ainda com vida para o acampamento três -o mais próximo do cume mais alto do planeta-, mas não resistiu. Morreu possivelmente por exaustão, pois o extremo e o stress o qual o seu corpo foi levado, deve ter proporcionado sinais de quimiotaxia por todo seu organismo, provocando uma reação muito violenta do sistema imunológico, o qual passa a deflagrar de um só vez todo seu arsenal bélico. É como soltar uma bomba atômica, a guerra acaba, porém o campo de batalha fica de vastado e morto. É o que os especialistas chamam de “choque anafilático”, ou seja, é o próprio organismo que se mata a si próprio, “haraquiri orgânico. Tudo isso, no caso em tela, agravado pelo intenso frio na montanha. A temperatura lá chega a -40C ou até -50C, sem considerar o vento.
Daí a necessidade de quem faz longos períodos de treinamentos de estar sempre se monitorando em relação à sua saúde. Fazer uma boa aclimatação, alimentação, ter um período adequado de repouso e, sobretudo, nunca descuidar da hidratação, são condições “sene qua non” para uma completa adaptação a essa condições extrema no limite da resistência humana.
Todavia, não devemos esquecer-nos do corpo emocional, todo o bom funcionamento do sistema imunológico depende do padrão de pensamento. Pois a energia do emocional preludia a energia material química das reações metabólicas do organismo. Uma carga emocional muito forte pode perfeitamente alterar a programação da especialização das células do sistema imunológico, em função de algum desarranjo do timo, pode acontecer de uma ou outra célula sair sem a devida especificidade, podendo até mesmo atacar órgãos e antígenos do próprio corpo.
Então, de outra sorte, alegria e o prazer de fazer determinadas coisas é uma receita fundamental de todo esse processo. Mens sana in corpore sano.
Fabio Omena.