MORTE E VIDA SÃO IRMÃS
As tragédias pessoais acontecem todos os dias, todas as horas em vários lugares do planeta, mas nenhuma é tão marcante quanto as que insistem em nos surpreender nas datas festivas; somente em Angra dos Reis, na Ilha Grande, acredita-se que mais de 50 pessoas tenham morrido em decorrência da forte chuva que caiu na noite da virada do ano; em São Paulo falam em outras 45 vítimas; no restante do Rio de Janeiro outras 20 e em Minas Gerais 10 vítimas fatais.
O saldo funesto depois das chuvas em todo Brasil pode ultrapassar 150 vidas e naquela mesma noite, entre fogos de artifício e bombas ceifadoras de vidas; entre acidentes de trânsito, homicídios, chacinas ou mortes decorridas por outras naturezas, centenas, talvez milhares de vidas tenham se esvaído no mundo inteiro somente por causa de tragédias; nesta mesma noite de festas, só no Paquistão, 70 mortos foram contados durante um ataque terrorista dentro de um estádio atlético.
Ao contrário que se pensa sobre a morte ser o contrário da vida, ela é uma conseqüência natural ao processo de vida; tudo que é vivo vai morrer um dia e nada nem ninguém até hoje conseguiu desfazer este processo sinistro e necessário. As pessoas imaginam que temos certa obrigação em nascer, crescer, reproduzir e morrer, mas nem sempre é assim e quando a morte nos chega por meio de tragédias, nasce sempre à mesma pergunta: - porque ele?
Houve famílias em Angra dos Reis que se desfizeram completamente com a morte de várias pessoas; em São Paulo, uma família que alugou um sítio para os festejos de final de ano, para fugir da agitação, foi soterrada e somente uma pessoa permanece viva; foram nove pessoas mortas de uma só vez, sem pena, dó, nem piedade; é nesta hora que se não houver uma crença forte em uma entidade superiora (Deus), aquele membro que restou pode alem de enlouquecer, também se perguntar por que Deus lhe deu aquele fardo pesado?
Uma em cada três pessoas da Terra se diz cristãs; acredita-se que Jesus Cristo é o único salvador e que seu espírito santo os conduzirá a presença de seu pai, o próprio Deus. Estas pessoas acreditam que Jesus é piedoso e misericordioso e que ele amparará cada sofrimento terreno, da mesma forma que o fez na cruz, o que pode ser confortante para o superego daqueles que restaram vivos, mas e o que dizer dos que morreram?
Em algumas crenças, Deus sempre chama os bons para sua volta e neste caso, o que pensam estes crédulos discípulos da religião quando morre um ladrão, assassino ou um estuprador? Será que eles também são rotulados como bons pelo mesmo Deus? Ou será que suas vidas são ceifadas pelo piedoso por sentença? Cada pergunta ainda carece de muita reflexão antes de cada resposta!
Verdadeiro mesmo é que nascemos e temos a obrigação de dar tudo que há de melhor em nós pelo bem da humanidade; temos a obrigação e a necessidade plena de fazer o bem sem mensurar a quem, para que nossa história esteja sempre relacionada com a história dos justos e dos libertários que habitaram e habitam este planeta; somente desta forma é eu acredito que teremos o conforto após nossa partida.
Não importa se você quer ou não ser um líder; cada ser humano precisa muito ser seu próprio Deus; buscar cada fragmento de força que há dentro de si para tentar fazer a receita da multiplicação do bem!
Os mecanismos que prolongam a vida; tais como os dispositivos de segurança, remédios, medos e outras precauções naturais, devem ser aplicados todos os dias; ainda assim, a morte nos surpreende sempre e precisamos estar atentos aos seus sinais, para que não soframos tanto ou não culpemos aquilo que não conhecemos por autoria.
Mário Quintana já dizia que morrer não é o problema; o problema está em deixar de viver, porque viver é tão bom! Muitas pessoas falam alto que sofrem tanto que nem sabem por que estão ainda vivas; se martirizam em palavras e se põe no mais baixo nível da tolerância humana, mas esquecem que milhares de outros iguais sofrem bem mais e sequer reclamam; pessoas que possuem profundo sentimento de perdas e que são obrigadas a recomeçar, às vezes do nada, pior ainda do que nasceram, porque sequer terão a proteção dos pais.
Ninguém pode imaginar a dor de quem perdeu pai, mãe, irmãos e filhos num único episódio de desgraça, ficando sozinha no mundo para enterrar e administrar a vida de agora por diante! Se não houver fé e muito equilíbrio emocional esta pessoa pode mergulhar no abismo do desprezo e na estrada da total falta de interesse; podem enlouquecer, morrer ou até recomeçar e construir uma vida menos incômoda; tudo dependerá das faculdades mentais e dos amigos...
Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo; palavras de Rubens Alves em sua carta a Folha de São Paulo em 2003.
Ariano Suassuna também escreveu sobre a morte e a citou várias vezes que ela é o único mal irremediável na obra O auto da compadecida; descreveu Jesus como um As, o diabo como tentador e Nossa Senhora como intercessora; ricos e pobres, brancos e pretos, agnósticos e religiosos, por melhores que tentem se mostrar em vida, sempre se encontra com a morte e nesta hora é que todos notam o quanto somos iguais; todos sofrem e poucos conseguem o conforto!
Há também a famosa simbologia funesta; o túnel, a cor negra e lilás, o anjo da morte, enfim, diversos símbolos nos fazem lembrar que ela, a morte, está mais pertinho de nós do que qualquer outra coisa; tudo isso associado ao medo de morrer faz com que a extenuação da vida seja o fenômeno natural mais discutido tanto em religião, ciência, quanto nas opiniões populares.
Muito mais forte psicologicamente do que ter que viver a presença da morte total é conviver anos, às vezes décadas, com a morte parcial; pessoas que tiveram falência múltipla de vários órgãos e que são mantidas quase que eternamente em Unidades de Terapias Intensivas sem nenhuma reação formal; algumas são levadas para casa e seus parentes são praticamente obrigados a conviver com seus corpos, aprisionados de animação, mas vivos por mera fluência sanguínea; somente quem conhece de perto um caso como este pode mensurar o martírio. O sofrimento é tão enorme que quando alguns destes mortos vivos de fato morrem, seus parentes chegam a dizer que “foi um alívio para todos”! Esta é a morte compreensiva!
Dentro da medicina legal há um ramo que chamamos de “tanatologia”; a tanatologia cuida especificamente do estudo pós-morte do indivíduo e os problemas legais que a ocasionaram. A palavra vem de Tanathos, Deus da Morte na Grécia antiga. Os médicos legistas precisam explicar claramente os aspectos legais e jurídicos de cada morte, para que o Estado entenda que ela foi ou não provocada por alguém.
Estes mais de 150 casos ocorridos neste final do ano velho e início de 2010, para os materialistas é uma ocorrência natural e extingue um ciclo de vida; para os crentes em Deus, bifurca-se entre os que serão salvos e os que serão encaminhados ao inferno; já para os espiritualistas, os que se foram, se conseguiram a perfeição espiritual, renascem e os que não conseguiram uma espécie de bálsamo celestial, estes estarão condenados a uma reencarnação por caminhos tortuosos.
Alguns acreditam que todos, possuímos o dia certo de morrer e outros acham que isso é mero acaso; eu não acredito em agenda de morte e creio que a morte jamais poderia ser aplicada como pena; sou seguidor de Martins Fontes; em sua obra, A Lei dos juízes, editora IMFE, o notável jurista aponta como a morte pode ser condenatória ou até necessária; elas podem ser interpretadas de formas tão diferentes.
Uma mãe belga, com a ajuda de um médico, provocou a morte de seu filho que havia nascido monstruoso; denunciada a corte, a mãe foi inocentada pelo júri. Um estadunidense médico conduziu a morte cerca de 130 pacientes em estado terminal irreversível, inclusive com a ajuda de um destes pacientes; este médico causou uma polêmica internacional e não foi preso, mas em Michigan, outro médico que ajudou um suicida a terminar com a própria vida, mesmo não sendo o suicídio amparado como delito naquele Estado, o médico foi condenado a 25 anos de prisão e o Estado alegou que foi ele a principal causa da morte.
Nesta vida, por mais cruel que seja, eu aprendi que devemos nos preparar como se fossemos a uma guerra, onde matar ou morrer é tão natural que podemos até lamentar, mas jamais eternizar uma dor, porque estas não foram as primeiras e não serão as últimas. Apenas por ilustração, enquanto você leu este texto, segundo a ONU, mais de 100 pessoas morreram pelo mundo a fora; e para não ser tão abjeto no apontamento, outras 150 crianças chegaram ao mundo; é prova que morte e vida andam lado a lado!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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