Riobaldo e Diadorim: Uma história de amor ou um conflito de poder?
Riobaldo e Diadorim: Uma história de amor ou um conflito de poder?
Na obra Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa , se torna bem claro a intenção de Diadorim de usar Riobaldo para alcançar seus objetivos, primeiro como mulher e a seguir como filha de um fazendeiro assassinado. Contudo o que acaba acontecendo é exatamente o inverso, pois Riobaldo é que atinge seu destino e o poder através de Diadorim.
A característica essencial do personagem Diadorim nasce de um “erro” primordial: não deveria ter nascido mulher e nem ser filha única. Destinada ou condenada a exercer um papel social reservado, no contexto de seu mundo, apenas aos homens. Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, exatamente por ser filha única, “nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor...”
A diversidade de papéis desempenhados por Diadorim em relação a Riobaldo é conseqüência de um quebra-cabeças que este, por não possuir o conhecimento de todas as partes, consegue montar apenas no final, quando isto já não servia para nada. Assim, ao longo da travessia, ora Diadorim tenta, como mulher conquistar Riobaldo, por ver nele alguém em condições de solucionar seu problema, biológica e socialmente, e se torna, assim, um objeto de uma paixão incompreensível para o eleito e causa de sucessivas crises deste; ora como filha de fazendeiro habituada ao mando, tenta exercer o poder sobre Riobaldo; depois, por não lhe restar outra solução, apresenta-se como igual e como amigo. E acaba colaborando involuntariamente para conduzi-lo à glória, ao poder e à paz interior na Ítaca sertaneja em que o doutor vai encontrá-lo.
Diadorim é vítima do “erro” de ser mulher numa sociedade masculina e busca a morte como que por terrível e lógica decisão. Primeiro tendo perdido a mãe, que nem chegara a conhecer; depois, o tio mais jovem Leopoldo, no campo de batalha; e finalmente, o pai, assassinado à traição, nada mais lhe restava senão morrer, pois se revelar em vida como mulher tornava-se inviável como inútil já que não possuía mais identidade e não estava mais em condições de solucionar o drama do conflito entre sua função biológica, que exigia um complemento masculino, e sua função social desviada, que a impedira de encontrá-lo. Riobaldo, sua única e última esperança conseguira o poder e seguia, sem intermediários, rumo ao seu destino, que, como ela há muito tempo vinha percebendo, acabaria necessariamente na Fazenda Santa Catarina, no casamento com Otacília.
Diadorim forçada a ser “diferente” pelo pai e pelo tio, se convence de que o que começara errado não poderia acabar bem.O desfecho fatal, é por ela previsto com grande antecipação, na longa conversa que tivera com a mulher de Hermógenes, a pedido desta, na Fazenda Carimã, de uma ou de outra forma contara a mulher sobre a sua identidade e segura unicamente de que havia outra mulher disposta a prepará-la para o ritual fúnebre. E que em sua trágica e absoluta solidão, a solidariedade da mulher do assassino do pai era a única coisa que lhe restava.
Otacília, funciona para Riobaldo como via de acesso à classe dominante em termos sociais. Contudo, o pacto nupcial não muda sua função no contexto de uma estrutura patriarcal, a beneficia, pois através dele sua família, além de ter continuidade, agrega mais duas fazendas às posses anteriores, pois Selorico Mendes ao falecer deixara a Riobaldo duas fazendas como herança.
O traço fundamental de Riobaldo é a sua trajetória intelectual/cultural, que o leva da insciência do mundo como um todo ao controle possível da realidade em todos os planos, inclusive o do poder. Esta é a travessia, com o detalhe de que apenas a sua foi bem sucedida.Talvez por acaso, este é o tema do destino que perpassa, em contraponto, toda a obra, pois não raro, como na batalha do Paredão, Riobaldo surge mais como espectador dos acontecimentos do que um ator propriamente dito.
A figura de Diadorim é dúbia, embora visualmente masculina, apresenta características femininas como: curiosidade, sentimentalismo e ciúme. “Diadorim é percebido em uma estreita analogia com as imagens da mãe Bigrí pelo seu cheiro, do carinho das suas mãos e da ternura dos seus olhos. Mas este retorno da presença materna acontece agora sob o signo de um pai venerado e forte, o que provoca em Riobaldo um questionamento insistente das qualidades éticas de Joca Ramiro”.(p.28). “Diadorim não pode ser visto apenas como pessoa amada, mas como a figura que introduz Riobaldo no caminho do conhecimento tanto intelectual como sensual de si e da condição humana.”(p.29). “Se Riobaldo viveu a ternura e o carinho femininos, Diadorim o impressiona sobretudo pela firmeza e pela segurança unívocas com que se refere ao pai como princípio e representante de uma lei que rege os sentimentos mais imediatos, como o “medo imediato” que subjuga Riobaldo na primeira travessia do São Francisco. “Meu pai disse que eu careço de ser diferente”, responde o Menino às perguntas sobre sua surpreendente e estranha valentia, como se a palavra de um pai tivesse efeitos imediatos sobre a realidade dos sentimentos. É o regramento das emoções mais fundamentais,a ordenação dos sentimentos que vinculam o filho ao pai e à mãe em um laço propriamente familial, que desempenha um papel capital no amor que Riobaldo sente por Diadorim:” (p.27) “O que entendi em mim: direito como se, no reencontrando aquela hora aquele Menino-Moço, eu tivesse acertado de encontrar, para o todo sempre , as regências de uma alguma a minha família” . (GSV, p.109).
“Riobaldo ama simultaneamente, Otacília e Diadorim e o texto revela o ódio de Diadorim frente ao namoro entre Otacília e Riobaldo, ódio este que poderia se compreender como efeito do ciúme. (p.34) “E Diadorim? Me fez medo. Ele estava com meia raiva. O que é dose de ódio-que vai buscar outros ódios.Diadorim era mais do ódio do que do amor? Me lembro, lembro dele nessa hora,nesse dia tão remarcado”.(GSV p. 147)
O nome do amigo de Riobaldo – Diadorim, surge neste trecho em três associações:
“Saí, vim, deste meus Gerais: voltei com Diadorim.Não voltei?Travessias...Diadorim,os rios verdes.(GSV p.235). “Um dos “ rios verdes” é o Urucúia,com sua dupla face de bravo e manso,que remete à dupla face do próprio Diadorim,valente e meigo,masculino e feminino”.(p.52)
A segunda associação liga o elemento Diadorim à cegueira do narrador:
“Diadorim me veio,de meu não saber e querer.Diadorim - eu adivinhava.Sonhei mal?”.(GSV p.236)
“Diadorim “me veio”, isto é, surgiu, invadiu a existência de Riobaldo, como a manifestação concreta da impossibilidade de saber. Ao saber impossível do princípio, das regras e da ordem, substitui-se o “adivinhar” e o “sonhar” ,ou seja, a intuição fantasmática.”(p.53)
A terceira associação, caminha no mesmo sentido:
“O Reinaldo era Diadorim - mas Diadorim era um sentimento meu. Diadorim e Otacília” .(GSV p.236).
“Diadorim enquanto “sentimento” do narrador e do personagem Riobaldo aparece assim como figura-construção da alma sensível, daquilo que os antigos concebem como a “paixão”.Mas as aflições do corpo,a dor que medeia Diadorim, levará do sentir e do não-saber à errança e à exploração cognitiva da travessia literária.(p.53).
“A primeira batalha , na qual Urutú Branco é,de fato, o chefe que domina o tempo e o espaço.Totalmente fechado sobre si mesmo,ele é capaz de retardar o ataque de maneira quase insuportável,surpreendendo e derrotando facilmente o inimigo.Sente-se crescer além de si mesmo e na exaltação do próprio eu,da sua vontade e do seu querer,o mundo parece pequeno e insignificante.A separação orgulhosa e o desdém expressam-se na atitude soberba com que o chefe vitorioso se expõe,totalmente sem medo, aos tiros inimigos.Tudo parece esvanecer-se,o amigo Diadorim e as mulheres amadas não ocupam mais espaço nenhum,de forma que o próprio eu torna-se o único objeto amado:” (p.86)
“Urutú-Branco...-eu só relembrei ,sussurrando ditoso, como quando com mocinha meiga se namora.Cachaças que em minha alegria.Em vento”.(GSV p.420).
Na embriaguez do “querer”,da vontade triunfante,Urutu-Branco sente-se forte e alto:
“O que eu pensei forte,as mil vezes:que eu queria que se vencesse;e queria quieto:feito uma árvore de toda altura!”.(GSV p.420).
É do alto do sobrado que Riobaldo verá a batalha final entre Diadorim e Hermógenes e vê o amigo e o inimigo esfaqueados e desmaia.Após a morte de Reinaldo/ Diadorim , Riobaldo entra em conflito psicológico,ao descobrir que Reinaldo/Diadorim era uma mulher disfarçada de jagunço e fica muito triste,percebendo que não havia mais jeito,pois ele todo o tempo havia negado intimamente aquele amor,e Diadorim também havia lhe negado de revelar que era uma mulher.
A obra representa vários sentimentos existentes dentro do ser humano, por isso Riobaldo aprofundou-se num vazio, sentindo: tristeza, amor, ódio porque um destes sentimentos mais profundos que atinge a essência do Amor e que Riobaldo não soube interpretar e nem tampouco revelar, pois já estava corrompido com o pacto com o diabo, mas não tinha certeza se havia realmente feito ou não, prevalecendo o desejo do poder e as lembranças de sua vida enquanto jagunço. Riobaldo almejava o poder e não o amor, pois sendo poderoso dominaria tudo. Portanto, na obra fica bem explícito o conflito de poder.