COMISSÕES DA VERDADE
Neste início de 2010 continua na ordem do dia, aqui no Brasil, a divergência entre o Secretário Especial dos Direitos Humanos, ministro Paulo Vannuchi, e o Ministro da Defesa Nelson Jobim sobre a criação da Comissão da Verdade.
De 1971-1996, ao menos vinte países instituiram "Comissões da Verdade" ou "Tribunais de Guerra". O Brasil, na época, preferiu decretar uma anistia, tentando virar a página e fechar o livro da história de um período de torturas. É verdade, todas as "Comissões da Verdade" buscam virar uma página, mas sem fechar simplesmente um livro de injustiças e mentiras.
Nelson Mandela, no primeiro dia da "Comissão da Verdade" na África do Sul, afirmou que "para perdoar e para esquecer é preciso saber o que de fato aconteceu". É a velha verdade de que não adianta varrer a sujeira para debaixo do tapete. Trazer à tona questões de verdade, justiça e reconciliação não pode restringir-se a debates acadêmicos. Reprimir para o porão do subconsciente histórico a criueldade e as injustiças não cura os traumas de períodos escabrosos da vida de um povo. A psicanálise nos ensina que as causas dos traumas devem ser trazidas ao consciente. Do contrário continuarão perturbando a vida real. Isto vale tanto para o indivíduo como para a sociedade. A reconciliação exige uma espécie de histoterapia (uma terapia histórica) para se conhecer e afastar os causadores das desumanidades dos tempos de guerras e de tiranias. Somente conhecendo estas situações traumáticas, dando nomes aos responsáveis, e aplicando os remédios adequados, pode-se ter a esperança numa pacificação duradoura pelo perdão. E isto não é revanchismo, mas a verdade necessária, a única capaz de libertar.
A passagem de governos totalitários para a democracia, da guerra para a paz, do apartheid para a igualdade, da escravidão para a liberdade faz surgir, em qualquer povo, dilemas práticos, morais e políticos. Tribunais de guerra condenam e apontam os responsáveis por crimes contra a humanidade. Mas será suficiente condenar uns poucos, quando milhares se envolveram em horríveis abusos dos Direitos Humanos? As "Comissões da Verdade" tentam criar condições para o perdão através da averiguação, da anistia, e da reparação. Em todo este trabalho coloca-se o problema da memória dos fatos, para que não se reabram apenas, novamente, as feridas, mas que isto contribua efetivamente para a reconciliação. O certo é que sem justiça não há verdadeira reconciliação; para haver perdão exige-se que, primeiramente, se conte a verdade. Muitos acontecimentos humanos remexem ainda a consciência dos homens, porque nunca houve uma verdadeira reconciliação. Ainda mais de 50 anos após o processo de Nürenberg criminosos do nazismo são levados aos tribunais internacionais. Mesmo assim, muitos ainda continuam soltos, mas procurados para serem levados aos bancos dos réus. Crimes de tortura, ou contra a humanidade não podem ser anistiados. Uma anistia geral, uma reconciliação genérica e formal não são suficientes. Pois, o que significaria uma reparação puramente genérica e formal para inúmeras pessoas cujas vidas foram destruídas por indescritíveis sofrimentos? Que dizer para a criança que perdeu sua sanidade, vendo explodir as cabeças de seus familiares? E ao homem que teve seus ossos sistematicamente quebrados pelos torturadores? E à mulher, cujo esposo e filho simplesmente desapareceram? E às adolescentes e mulheres estrupradas?
Com certeza, o melhor é olhar os monstros e as feras diretamente nos olhos, confrontando-nos verdadeiramente com as trevas do passado. Assim, talvez, se acenda uma luz, dando sinais de verdade e justiça, para que no futuro não se repitam as atrocidades do passado. É justamente a verdade e a justiça que as "Comissões da Verdade" pretendem trazer ao nível da consciência nos países traumatizados por guerras, tiranias, racismos, regimes de escravidão e ditaduras, mesmo que disfarçadas.
Desmond Tutu e Nelson Mandela, na África do Sul, são exemplos de como se pode presidir uma "Comissão da Verdade" para que um país, dividido por décadas por um racismo cruel e vergonhoso, se reconciliasse. O debate que hoje acontece no Brasil, sobre criar ou não "Comissão da Verdade", não é apenas uma questão de política brasileira, pois há uma exigência internacional escandalizada com o Brasil. Como um país civilizado pode simplesmente perdoar crimes contra os Direitos Humanos, varrendo torturas e outros crimes por debaixo do tapete da história? Por isto, seria muito útil ao Brasil criar sua Comissão da Verdade, para se redimir perante a Comunidade Internacional, mostrando que também aqui não se toleram ofensas à dignidade humana. Isto, com certeza, contribuiria para que aumentasse nossa esperança de maior justiça e verdade nas relações sociais em nosso país.
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