NOVA CAPITAL

E assim inaugurou-se Brasília, obra gigantesca do Século XX. Na hora “h” (como diz o mineiro, bonachão), o povo brasileiro, indiferente aos males e atribulações que experimenta, em conseqüência da construção ciclópica da nova capital do país, vibrou frenético, num júbilo indescritível, exaurindo todo o seu entusiasmo pelo acontecimento, porejando uma alegria delirante, quase louca.

A nação em peso ovacionou o presidente JK, homem dinâmico, legítimo idealizador do arrojado empreendimento.

Honras lhe sejam dadas, pela audácia incrível de sua obra. Bravos, ainda, aos humildes e valorosos “candangos”, operários patrícios, verdadeiros construtores de Brasília. Deram eles, uma vez mais, prova incontestável da sua grande capacidade de trabalho, de seu potencial produtivo, em que pesem as precárias condições físicas do sacrificado povo brasileiro. Autênticos “operários do milagre” conforme os cognominou, num dito feliz, a imprensa carioca. Um viva, pois, ao trabalhador brasileiro, esse quase esquecido, infatigável herói da epopéia grandiosa que, entrementes, vive e palpita esta terra benfazeja, ao ensaiar seus primeiros passos rumo à nossa emancipação econômica. Parabéns, “candangos”!

Agora, passado o vendaval emotivo, convém façamos pequena pausa. Meditemos um pouco. Voltemos os olhos para a situação real da nossa gente, para o mísero padrão de vida que levamos. Nossas magras economias, os parcos recursos do nosso Tesouro foram aplicados nessa realização afoita. A fome já nos corroi o estômago seco, debilita-nos o organismo doentio. Endemias ameaçam dizimar as populações rurais, de camadas mais simples. Os gêneros alimentícios subindo assustadoramente, tornando-se cada vez mais pesados à bolsa do pobre, desaparecendo logo de sua mesa, antes também minguada. A inflação campeia, o desespero atinge a muitos.

É a crise, o terrível caos econômico-social oriundo da roubalheira, das chantagens, da corrupção e das fraudes propiciadas pela obra faraônica.

Urge mudar para melhor. Necessário se torna debelar o mal, ainda que tarde. Com um “governo do povo, para o povo e pelo povo”, consoante as palavras do grande Lincoln. Mas, quem mudará? Quem?

O povo, ludibriado, traído e desesperançado dos homens que o governam, volve os olhos para os céus, suplica em prece muda e ardente um milagre. Só nos resta Deus, o Criador. E Ele não nos abandonará. Arrancar-nos-á do vórtice medonho desse furacão diabólico para que, livres e tranqüilos, possamos trilhar nosso caminho de glórias, e vencer, e triunfar pela moralidade, pela correção e pela justiça!

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B.Ht e., 24/08/60

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 28/12/2009
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