PERSEVERANÇA NO BEM
Convivendo com os bilhões de seres humanos que habitam nosso planeta terra, gostaríamos que todos espelhassem a imagem gloriosa do seu criador. No entanto, as notícias diárias nos informam que estes mesmos homens , muitas vezes, desfiguram os seus semelhantes com violências, crimes e atrocidades de toda ordem. Mas, donde vem que sejam praticados tantos males aos humanos pelos mesmos humanos? Em relação a isto já os antigos tentavam encontrar uma resposta. O filósofo Platão, em seus diálogos, nos sugere uma sábia explicação. Diz Platão, em sua República e no Livro das Leis, que existem certas pré-condições para que o ser humano se conserve no bem. Entre as principais exigências para que isto aconteça estão: que o ser humano possua um nome, que possua um endereço, que tenha uma relação comunitária na qual participe, que possua um bem estimável e pelo qual zele afetivamente, que tenha uma ocupação (profissional), que tenha educação para respeitar as leis, os costumes e os princípios religiosos, depurados das fantasias míticas; que haja uma certa igualdade social. Além disto, exige-se que os cidadãos tenham acesso à alimentação, e haja cuidados com a saúde. Para isto, Platão propõe restaurantes populares coletivos e a prática de exercícios físicos em ginásios. Como se vê, as exigências da sabedoria antiga, para que o homem se conserve no bem, não são poucas. Mas ninguém há de negar que é isto mesmo. Se nos queixamos de tantos crimes e violências, vejamos até que ponto as condições para que o homem se conserve no bem estão satisfeitas. Especialmente na realidade que nos cerca de perto.
As estatísticas nos dão conta que, em certas regiões do Brasil, perto de 30% das crianças não estão registradas em cartório. Isto significa que não existem como cidadãos, não têm nome legal; estes, e outros milhões de brasileiros, não possuem relação comunitária. O grande problema dos moradores das favelas é, justamente, a sua desagregação social. São adventícios que se desagregaram de suas raízes culturais, e nas favelas vivem uma desagregação exterior e interior. O ambiente, de certa forma, é esquizofrênico, personalisticamente desestruturador, sem uma consciência participativa. Mas esta falta de integração comunitária não acontece apenas nos ambientes das populações menos favorecidos. Também nas elites e na classe média, em grande parte, predomina um exacerbado individualismo e egoísmo, o que leva a grandes neuroses de isolamento e fragmentação das personalidades. A participação social é apenas a obrigatória das eleições e do pagamento de impostos. Que o restante se dane. E o endereço? Nas centenas de favelas de nossos centros urbanos o correio não consegue encontrar as pessoas. As ruas não possuem nome, ou nem existem. E o que estimar emocionalmente, quando se mora em barracos, ou em palafitas em que as catitas, os ratos e as baratas passeiam livremente? quando não se tem uma educação de qualidade, ou as escolas são precárias? quando não se tem emprego e acesso a uma alimentação saudável, que, por sua vez, repercutirá na saúde da população?
Enquanto não se cuidar prioritariamente para proporcionar aos cidadãos as condições básicas exigidas para se conservarem no bem, podemos invocar uma analogia à sentença de Dante Alleghieri: “vós que em tal sociedade viveis, renunciai a toda esperança”. Somente, na medida em que construirmos uma sociedade em que estas exigências básicas para o ser humano se conservar no bem sejam instituídas, podemos ter esperança que os índices dos crimes, das violências e da corrupção diminuirão. A simples repressão é puro paliativo. O mal somente recuará, quando for instituído o bem. O mal perante o bem é como as trevas perante a luz. Recuará na medida em que aparecer o bem, assim como as trevas recuam perante a luz.