LÍBANO & ISRAEL

® Lílian Maial

Tenho recebido inúmeras mensagens pela Internet, entre PPS, doc, exe, com textos alarmantes, contando as barbáries de todos os lados, sobre o bombardeio de Beirute, atingindo civis, em represália a seqüestros de soldados israelenses.

Difícil não se comover com a dor e o sangue de irmãos, com fotos de criancinhas esfoladas, amputadas, órfãs. Difícil não sentir uma náusea profunda, ao nos depararmos com a frieza e indiferença dos governantes mundo afora. E bem mais fácil tentar achar culpados, verdadeiros bodes expiatórios, para aplacar o que intimamente clama nossa consciência. Fácil, muito mais fácil encontrar lá longe a origem de tudo, na banal explicação de que eles lá que se entendam, do que encarar a realidade que mora conosco.

Por que tanta violência? Por que a vida humana, de um único ser humano, passou a ser tão irrisória? Por que a tecnologia, a ciência, a globalização não resolveram as pendengas, não uniram os povos?

Está certo que a implantação de um Estado novo numa terra de outros costumes e religiões acaba em conflito. Concordo que as Guerras Mundiais alteraram o mapa mundi, de maneira aleatória e autoritária. Concordo que palestinos, curdos, judeus, árabes não pediram a vizinhança imposta, porém para onde foram a tão propalada fé, divindades, honra, ancestrais, ensinamentos milenares, mandamentos de Deus?

Será que em nenhum desses povos há uma única religião, onde um único mandamento diga que a vida humana é o maior de todos os bens? Será que “amar a Deus sobre todas as coisas” supera o “amar ao próximo como a ti mesmo”? Será que esse “amar a Deus” obriga a odiar o irmão se ele não amar ao seu Deus? Onde está o amor? Onde está a liberdade? Onde está Deus?

Não sou religiosa, muito menos bairrista ou fanática, nem nunca tentei impor superioridade de nada que é meu (só no que se refere ao Fluminense...), porque sempre respeitei a liberdade. Não preciso comungar, confessar, entrar em templos, fazer oferendas e sacrifícios, para alcançar o paraíso, para ter minha vaguinha no céu.

Não sinto necessidade de ostentar uma fé em algo que sou eu mesma. Mas fico realmente surpresa com a quantidade de religiosos que matam pela fé. Então, em que eles têm fé? Como pode alguém matar em nome de Deus, se Deus – segundo eles – fez o homem à sua imagem e semelhança? Não vêem que matando o outro estão matando Deus? Não enxergam que Deus é o outro?

Que raio de ensinamento de fé é esse que permite matar, trair, falsificar, bastando entrar depois num templo qualquer, deixar uma contribuiçãozinha e limpar a alma?

Líbano e Israel são feitos de pessoas. Assim como nossas casas. Aqui não é Beirute, mas temos nossas guerras, nossos ônibus incendiados, nossos filhos matando os pais, nossos meninos cheirando cola, nossos políticos assassinando milhões ao prevaricarem, ao serem acusados de improbidade administrativa, candidatos novamente à mamata institucionalizada.

Onde será a pior guerra? Onde está o autêntico terrorismo, se não nos olhos sem esperança das crianças sem pão, sugadas por vermes, afogadas no esgoto do descaso de quem passa pela rua, pela estrada, pelo seu caminho, e prefere desviar o olhar, ver a paisagem do outro lado, rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria, quem sabe deixar uns trocados ao lado do corpo, na calçada, coberto de chagas?

Onde estão as bombas, se não no roubo escandaloso do dinheiro público, que seria empregado para salvar vidas, para educar, para dar oportunidades à população?

Onde está o desmando, se não no interesse de poucos, de se manter no poder? Poder de arrasar, de dizimar, de molestar, de usufruir, de manipular, de simular, de dissimular, de falsear idéias, promessas, promissórias. Poder de arrastar milhões de pessoas pelo mundo através da mídia, maquiavelicamente mexendo pauzinhos.

Onde está o silêncio dos povos, que assistem em pseudo-união a uma Copa do Mundo, enquanto o resto do planeta se esvai em sangue, em arbitrariedade, em tortura, em ódio?

Onde a sua, sim, a sua complacência com tudo isso, que passa a mão na cabeça de seu filho que comete uma maldade – pequena, por certo, mas maldade – ao invés de orientá-lo ao respeito pelo próximo?

Otária? Será?

Um dia chega a hora de olhar para dentro, de mergulhar nas entranhas, e enxergar a pessoa que habita esse corpo, essa mente, esses atos. Nesse dia, muito melhor estar em paz com seu irmão, com sua identidade, com sua fé. E é bom que tenha fé mesmo, mas uma fé que ultrapasse todas as barreiras religiosas, todos os ensinamentos, todas as cartilhas. Uma fé que não tenha a ver com deuses e entidades, mas com o eu que mora lá no fundo de você.

Esse “eu” precisa crer, precisa estar bem certo, bem convicto, mas não é em terceiros, nem em espíritos ou eras, dimensões... não! Esse “eu” precisa crer nele mesmo, no que fez, no que foi, no que creu.

De nada adianta uma vida de clausura, de retidão, de terços e promessas, orações e conversas, se não se soube estender a mão ao irmão, se não se foi capaz de alimentar o que tinha fome, se não foi suficiente a quantidade de hóstias ou similares que se engoliu em nome da fé, se se matou a única coisa que não se pode matar, que é a esperança de vida.

Não creio em Deus. Não nesse Deus que mata ou que permite que se mate em Seu nome, por prazer, por poder. Melhor crer na Natureza – a Deusa Mãe – porque essa está aí para qualquer um ver, pegar, cheirar, provar, sentir. Essa não exige templos ou dízimos, porque ela, por si, já é templo, já é semente e colheita. Ela ensina pelo calor do sol, pelo frio da neve, pela música dos pássaros, pela visão do paraíso de sua gloriosa existência em beleza, em vida, em luz. Nessa Deusa eu creio, porque ela não exige nada em Seu nome, não promete, não posterga, não pede. Ela dá. E tolo daquele que não percebe.

Então, não quero ouvir ninguém reclamando de Líbano e Israel, enquanto em nossa casa ainda acobertarmos a traição dos filhos, a violência doméstica, a depredação do patrimônio público, quer por vândalos pichadores, quer por políticos prevaricadores, quer pelo vilipêndio de nossos valores.

Não quero receber mensagens com imagens da destruição de Beirute, enquanto presenciamos placidamente, ao longo de longos anos, a destruição das matas, o roubo do ouro, o acinzentamento do anil, e o sangue derramado no branco, e não fizemos nada.

Líbano e Israel são como o Brasil, apenas com táticas de destruição um pouco diferentes. Mas, não vai demorar muito, talvez consigamos chegar lá.

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