A Religiosidade Popular, Formadora da Cultura Regional

Desenvolvimento

1. A Religiosidade Popular, Formadora da Cultura Regional.

Para adentrar ao estudo da cultura popular das Rezadeiras, primeiro devemos ter a noção de religiosidade e catolicismo popular, os quais formam a mentalidade das pessoas, desde a sua primeira manifestação até os dias de hoje.

As práticas do catolicismo oficial, e as manifestações de religiosidade popular, ambas se sustentam em um alicerce comum: a noção do sagrado. A diferença entre elas é que uma é doutrinal e a outra é a pratica vivida por cada um. Existem várias definições para religiosidade popular, o que a torna um tema bastante controverso.

Para o presente estudo, a definição mais viável é: a religiosidade popular é dotada de razoável independência em relação à hierarquia eclesiástica, afastando-se do catolicismo oficial e aproximando-se do popular, ou seja, a pratica do sagrado para suprir as necessidades da vida em oposição à doutrina oficial. Em outras palavras a cultura popular, como concepção do mundo e como forma de conhecimento que se contrapõe a cultura hegemônica.

Essa forma de manifestação religiosa cheia de simbologia, superstição e magias, tiveram grande repercussão na Idade Média, e chega ao Brasil, que mesmo colonizado na Idade Moderna, recebe essa herança na forma mística e devocionais de milagres, santos protetores, preces, orações e outros. Nessa época houve uma forte tendência de sacralizar lugares através de aparições de santos. Essa crença no sobrenatural permanece até os dias atuais arraigado em nossa cultura.

2. As Rezadeiras e a Dinâmica do Ofício.

Escolhi o município de Juazeiro do Norte/CE para realizar a pesquisa por ser uma matriz regional de religiosidade popular. As três rezadeiras entrevistadas, Dona Maria Antônia (79 anos), Dona Maria do Socorro e Dona Raimunda Gomes, ambas com 70 anos, moram no bairro limoeiro e realizam o ofício de reza, benzenção e cura há muito tempo.

São mulheres que rezam, benzem, curam. Para executar essa prática, se apóiam nos conhecimentos do catolicismo popular, como “orações”, “preces”, com o intuito de restabelecer o equilíbrio físico, espiritual e material das pessoas que as procuram. Para realizar este ritual utilizam elementos simbólicos como ramos verdes, gestos em cruz e um conjunto de rezas. Essas mulheres “rezam” em pessoas, animais e muitas vezes nos objetos. Quando as pessoas não estão presentes precisam saber o nome e onde moram. Essa cultura é muito abrangente em todo o Nordeste, em especial na Terra do Padre Cícero.

A prática da reza surgiu no Brasil colônia devido o difícil acesso dos médicos, o que fazia as pessoas recorrerem às curas informais para melhorarem de seus males. Este saber galgou a história brasileira e permanece até hoje na cultura popular, especialmente nas classes baixas, onde as rezadeiras têm papel atuante nos cuidados de saúde de sua comunidade. É importante lembrar que a pesquisa foi realizada com mulheres devido à acessibilidade destas, porém os homens são muito importantes no processo de aprendizagem e transmissão do saber.

As rezadeiras ou benzedeiras, ambas significam a mesma coisa, como em Juazeiro o termo mais usado é o primeiro, optei por esse para o presente estudo. Essas mulheres são procuradas frequentemente para resolver problemas cotidianos como: enfermidades, males espirituais e materiais, para tanto estas são tomadas de uma crença inabalável no sobrenatural, no papel protetor e auxiliador dos santos.

2.1 – O Papel dos Santos no Processo de Cura dos Males.

Os santos, cada um com sua especialidade são intercessores perante Deus; São Brás, para curar males de garganta, São Bento, para evitar a mordida de cobra, Santo Acácio, para as dores de cabeça, Santo Antônio, para encontrar objetos perdidos. Esses e muitos outros santos auxiliam as rezadeiras no seu ofício de bênçãos e cura, segundo estas os santos são intermediadores dos pedidos, ou seja, é mais fácil conseguir a graça com a ajuda deles.

Segundo Dona Raimunda Gomes (70 anos), “São Sebastião é o protetor dos jovens”

“Romo costipação, meu doloroso São Sebastião, que vós é o protetor dos jovens, curai (fulano) com o poder...”

Para cada tipo de mal, seja esse, mental, físico, material ou espiritual as rezadeiras tem uma “prece” adequada e o santo especialista. Como se pode ver abaixo a oração feita por Dona Raimunda Gomes para ter um bom dia: “Pé direito na frente, Jesus na minha guia, me acompanha Deus e a Virgem Maria, Deus aposto, meus irmãos, filho carnal, espiritual, que hoje eu to aramada, com as armas de São Jorge, nem surpresa nem tomada com seu sangue derramado, Jesus Cristo, Ave Maria...”.

Um fato importante que observei na casa das rezadeiras entrevistadas, foi uma grande variedade de imagens de santos (ver figura 01), arrumados em uma mesa ornamentada com flores, e é nesse local que segundo elas são executadas as curas. Outro fato comum entre as entrevistadas é que todas se dizem católicas e que seus ofícios estavam congruentes com a sua religião.

Segundo os diálogos realizados com as rezadeiras a procura das pessoas por cura sobrenatural continua a mesma e as queixas também são bem parecidas. As três rezadeiras entrevistadas têm especialidades semelhantes e orações parecidas. De acordo com Dona Maria Antônia (79 anos), seu ofício é apenas a reza, não e curandeira. Reza para dor de cabeça, mal olhado... Dona Raimunda Gomes além de rezar é também curandeira, mas identifica a doença e diagnostica. Reza para constipação (preocupação), espinhela caída, o mesmo que peito aberto, inveja, ambição. Podemos ver a especialidade dessas rezadeiras quando alguém procura uma delas para ser curada e essa não sabe a cura, indica outra que seja especialista que no caso.

2.2 – DESCRIÇÃO DAS DOENÇAS DE REZADEIRAS, DIAGNÓSTICO E CURA.

De acordo com a concepção de saúde e doença das rezadeiras, o olhado só é curado através da reza. É proveniente de uma admiração sobre qualquer aspecto do ser humano: beleza, riqueza, inteligência... Também atinge os animais; os sintomas são: falta de ânimo, abrição de boca, sonolência, As rezadeiras se orgulham afirmando que esta e as demais doenças só elas sabem diagnosticar e curar.

Vento caído é uma doença especifica de criança, e que esta associada ao desarranjo intestinal, adquirida através de um susto. A cura se dá pela reza durante três vezes seguidas.

Na maioria dos rituais de cura das doenças executados pelas rezadeiras, utilizam ramos verdes, pião roxo que, para Dona Raimunda Gomes “afasta tudo que é ruim”. As orações usadas pelas rezadeiras para enfermidades são as mesmas, variando às vezes em palavras e gestos.

“Jesus quando andava pelo mundo tudo que achou levantou. Levante o vento de (fulano) com o vosso amor”. As rezadeiras rezam essa oração três vezes seguida até conseguir a cura.

As rezadeiras entrevistadas afirmam que a procura pelas suas rezas e bênçãos são feitas por pessoas de todas as classes, porém, a maioria são pessoas de classe pobre. Muitas pessoas preferem as rezas e bênçãos do que a medicina tradicional. As três entrevistadas afirmam não cobrar nada pela cura, são unânimes com o discurso: “quando Jesus andava no mundo, curava as pessoas sem cobrar nada por tais serviços”. Segundo Dona Raimunda a bíblia ensina que devemos fazer caridade sem olhar a quem. No entanto, quando as pessoas lhe trazem, um agrado elas aceitam de bom grado. A cura é garantida somente se a pessoa que as procurou tiver fé na reza.

2.3 – Aprendizagem e Transmissão do Saber.

O discurso de aprendizagem do ofício da cura, pelas rezadeiras varia. Segundo Dona Maria Antônia, que é viúva, aprendeu a rezar com o marido, também afirma ter recebido esse dom de Deus, que a tocou através de uma visão, dizendo ser esta a sua missão. Dona Maria do Socorro, também aprendeu com familiares, suas tias. Dona Raimunda Gomes, relata ter recebido o dom de rezar e curar as pessoas em um momento muito difícil, em que estava debilitada com uma doença, que a deixava de cama, nesse momento se valeu de Deus e esse lhe eu a cura e a missão de curar as pessoas. A existência de um estado de doença é recorrente no discurso delas. É importante ressaltar que ao afirmarem ter recebido um dom do sobrenatural, conseguem mais credibilidade e reconhecimento por parte da comunidade.

Durante o meu estudo tive dificuldade de obter as respostas esperadas, pois as rezadeiras afirmam ser proibido transmitir o saber para pessoas de mesmo sexo, ou seja, mulher para mulher, ou homem para homem. Segundo elas a transmissão deve ser feita pelo sexo oposto, homem para mulher e vice-versa, caso contrário a reza de quem transmitiu o conhecimento perde o poder de cura. Pode-se perceber nesse momento a grande superstição que rodeia a crença presente no ritual dessas mulheres. Concluí que esse saber é controlado, segundo as rezadeiras não estão repassando este saber, pois seus familiares não se interessam e, além do mais esse saber é proveniente de Deus e só pessoas escolhidas por ele podem realizar a reza e a cura.

Indaguei as rezadeiras sobre qual o interesse que elas tiveram em querer aprender a rezar nas pessoas, responderam que foi uma missão, que é bom fazer caridade, encaram isso como uma obrigação, além disso, poderiam rezar em seus familiares e vizinhos. Muitas vezes as rezadeiras realizam sua primeira cura em pessoas da família.

3. Lugares de Cura e Devoções.

Nas casas das rezadeiras entrevistadas percebi grande variedade de imagens de santos fixadas na parede, em todas elas a imagem comum do Coração de Jesus e do Pe. Cícer, Fei Damião, Nossa Senhora Aparecida, entre outros (ver figura 1), também são encontrados rosários, bíblia sagrada e mesas do santo enfeitadas com panos brancos ou azuis e flores. Ao lado desses acessórios simbólicos da reza, objetos comuns nas casas de todas as pessoas, incluindo as não rezadeiras como: televisão, aparelho de som, DVD etc., bem diferente da cultura das rezadeiras de antigamente, onde a sala era reservada exclusivamente para os santos.

O poder da cura através das rezas é executado com a utilização de material simbólico, ramos verdes, gestos em cruz (ver figura 2), que ajuda no processo de cura. Todo esse ritual é realizado na sala do santo e ao redor da todos os apetrechos da modernidade citados anteriormente. Ressaltando que os ramos de pião roxo é a planta favorita das rezadeiras. Outro fator importante no ritual das rezas é que algumas rezadeiras rezam em voz alta e outras com voz baixa, essa parte as entrevistadas não deixaram bem explicita.

Conclusão

Não podemos pensar a prática da reza como um “ofício”, sem antes entendermos o contexto social e cultural na qual as rezadeiras estão inseridas. Construir o conhecimento sobre religiosidade e catolicismo popular como ponto de partida, para tal estudo, desvendando as simbologias e misticismo, que envolvem essa pratica e a importância na formação do contexto cultural regional brasileiro.

Podemos perceber a importância da rezadeira no processo de aprendizagem e transferência do saber, a simbologia, o mistério das preces e orações, a especialidade das rezadeiras para determinados males que perturbam o ser humano em sua totalidade e que o objetivo dessas está em equilibrar o corpo e o espírito das pessoas que procuram a sua ajuda.

Ao longo da pesquisa conhecemos pontos importantes da história de vida dessas mulheres, suas peculiaridades, o ambiente de suas casas, um pouco da relação com a sociedade, enfim, a experiência adquirida, que as tronaram respeitadas e procuradas pelas pessoas.

As rezadeiras são unanimes em dizer que para se ter o “dom da cura”, é preciso ser uma alma caridosa e ter fé em Deus; deve-se ter qualidades que O agrade, como conduta moral e ser religiosa, isso inclui ser boa esposa e mãe, ter devoção aos santos, ser discreta e não cobrar pela reza. A obtenção da cura segundo as rezadeiras é um dom de Deus, o que dá a estas a credibilidade necessária de atuar e ser reconhecidas em pela sociedade. Quando indagadas sobre o que promove a cura dos doentes, elas enfatizam o fenômeno da fé como garantia para cura.

Em síntese, o ofício de rezar e curar as pessoas, apesar de ter formas semelhantes em relação aos rituais e orações, é um fenômeno particular de cada rezadeira, não existe uma receita pronta e unanime usada por todas, cada uma tem a sua singularidade e especialidade, o que as torna comuns é a caridade, a religiosidade, a solidariedade, além de todas as outras funções exercidas por estas citadas acima. “É o fazer o bem, sem olhar a quem”.

Referências Bibliográficas

• SANTOS, Francimário Vito doa. O Ofício das Rezadeiras como Patrimônio Cultural: Religiosidade e Saberes de Cura em Cruzeta na Região do Seridó Potiguar.

• ALBUQUERQUE CÂMERA NETO, Issard de. Diálogos sobre Religiosidade Popular.

• SILVA, Luiz Custódio da. A Participação das Rezadeiras nos Projetos de Saúde Comunitária no Estado da Paraíba.

• FERRETTI, Sérgio. Religião e Cultura Popular, Estudo de Festas Populares e do Sincretismo Religioso.

Pessoas Entrevistadas

• Dona Raimunda Gomes da Silva, 70 anos, residente na Rua Capitão Domingos, nº 79, bairro Limoeiro, Juazeiro do Norte/CE.

• Dona Maria Antônia Cordeiro, 79 anos, residente na Rua 22 de Julho, bairro Limoeiro, nº 1051, Juazeiro do Norte/CE.

• Dona Maria do Socorro Santos, residente na Rua Francisca Paula Bezerra, nº 92, bairro Limoeiro, Juazeiro do Norte/CE.

Emiliane
Enviado por Emiliane em 22/12/2009
Código do texto: T1991012