INFÂNCIA BANDIDA – UM BREVE RELATO SOBRE OS MENORES DO TRÁFICO
RESUMO
Este trabalho tem, por finalidade, uma abordagem mais humana sobre a problemática das crianças e adolescentes, de periferias, que ingressam no narcotráfico.
Aponta, ainda, alguns motivos que levam esses menores a ingressarem e a permanecerem no comércio de entorpecentes. Igualmente, esclarece, sobre a necessidade de políticas de inclusão social, da obrigatoriedade de união entre Poder Público, iniciativa privada e toda a sociedade – como no Projeto Olímpico do Morro da Mangueira – RJ.
INTRODUÇÃO
Com certa frequência, nossas autoridades tratam o tema da violência urbana como caso de polícia. “Olho por olho e dente por dente” – combate armado – repressão. Esquecem que onde há ausência do Estado, sobra presença do crime organizado; e pior, colocam toda a sociedade na mira desse fogo cruzado, apostando “todas as fichas”, no que talvez, seja a solução mais rápida, porém, menos eficaz para o problema.
“RIO 40° - cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos” (Fernanda Abreu). Lugar em que riquezas naturais se misturam a maravilhas arquitetônicas, condomínios de luxo confrontam-se com comunidades super carentes, carros importados circulam ao lado de carroças.
É nesse cenário, de total desigualdade social, em que o paradoxo se confunde com o comum, que farei um breve relato sobre a situação dos “soldados do tráfico”, crianças e adolescentes que trocam seus brinquedos e cadernos por fuzis automáticos – os filhos que o Brasil não assumiu. Sangue nos olhos. A inocência também mata.
Atualmente, no Rio de Janeiro, existem cerca de 968 favelas (Fonte: Informativo Rio 2008). A falta de saneamento básico e de perspectivas no futuro, a marginalidade, insegurança e pobreza são problemas comuns aos moradores dessas áreas.
Por muito tempo, o Poder Público ignorou os habitantes dessas comunidades, visto que, por longos anos, o único braço do governo que adentrava, e ainda adentra, em uma favela, de forma truculenta e despótica, é a polícia.
Arbitrariedades e injustiças eram constantes na vida desses moradores. Devido ao despreparo dos agentes policiais, os habitantes dessas comunidades carentes eram constantemente confundidos com marginais e submetidos a diversas humilhações ou até mesmo a execuções sumárias, haja vista o grande número de inocentes, sem antecedentes criminais, assassinados pela polícia.
Nessas comunidades, é muito comum o perigoso vínculo entre pobreza e marginalidade. Traficantes tiram proveito da falta de preparo de alguns agentes policiais, da antipatia causada por uma parcela da polícia e tentam agradar aos moradores. É comum a doação de remédios, roupas e alimentos por parte dos criminosos, numa dinâmica assistencialista, atuando onde o Poder Público é ausente.
Mas, essa está longe de ser uma atitude completamente desinteressada, constantemente, jovens são recrutados para atuarem como soldados no narcotráfico. O excerto de reportagem abaixo pode demonstrar tudo que foi relatado:
“RIO DE JANEIRO - De cada cinco jovens que são detidos no Rio nos últimos 18 meses, um trabalha para o tráfico de drogas segundo reportagem do jornal "o Globo" deste domingo. Os meninos são treinados e armados pelo tráfico. De acordo com o jornal, nesse período, 5.337 menores foram detidos, 37% deles por envolvimento e, roubos, tráfico de drogas e porte de armas.
Para traçar um panorama do número de crianças e de adolescentes utilizados pelo tráfico, o jornal analisou dados da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). O resultado é que, a cada duas horas, um adolescente é detido no Rio por roubo, tráfico de drogas e porte de armas. Os casos geralmente estão relacionados com o uso de drogas.
O emprego de mão-de-obra infantil pelo tráfico começou nos anos 80. Um dos primeiros casos foi do menor conhecido como Brasileirinho, de 14 anos. Ele entrou para a criminalidade com a morte do pai, em 1988. No início, eram casos esporádicos, mas com o passar do tempo, a adoção de menores pelo tráfico aumentou. Os menores circulam agora nas comunidades com pistolas, fuzis e granadas”. (Jornal O Globo).
Buscando uma ascensão social, que talvez o Estado nunca lhes ofertasse e, também, pela total inconformidade com os padrões sociais de seus familiares, eles encontram, no comércio de entorpecentes, uma solução rápida para seus anseios consumistas.
Isso sem falar no glamour (usam jóias, roupas de grife e armas automáticas), característico dessa atividade e na busca da “adrenalina” – serem temidos pelos homens e amados pelas mulheres, que também são fatores de suma importância para o envolvimento dessas crianças na criminalidade.
Geralmente, iniciam suas atividades criminosas com cerca de oito anos de idade, a maior parte delas são usuárias de drogas e têm baixíssimo nível de escolaridade.
O contato que tive com o menor “L”, de dezessete anos, no Complexo do Alemão – RJ, revela muito bem tudo que foi abordado:
- O que o levou a abandonar o trabalho e os estudos e ingressar na vida do crime?
“L” responde:
- “Estudar pra quê? Ganhar um salário mínimo igual a meu pai? Ganho R$ 800,00 por semana na ‘boca’ e, um dia, quem sabe, chego à gerente da favela!”.
- Você não tem medo de morrer?
- “Morrer? Nós já estamos mortos! Somos excluídos da sociedade. Quando, se não pelo tráfico, eu compraria meu ‘Nike’?! Igual ao do Ronaldinho - Custou R$ 600,00!”.
Outro fator de extrema importância para incursão desses jovens no crime organizado é o arcabouço familiar em que vivem. Totalmente desestruturado em sua maior parte. Pais, geralmente alcoólatras e/ou agressores, mães ausentes e/ou castradoras se omitem da função de educadores, de mostrar o verdadeiro caminho do bem, permitindo, com isso, que sejam adotados pelo tráfico.
Existe um número elevado de adolescentes, entre 13 e 17 anos de idade, envolvidos no narcotráfico. Entretanto, é importante salientar, conforme vários pesquisadores atestam, que a idade, desses jovens empregados nessas facções criminosas, vem diminuindo.
Até a primeira metade dos anos 90, temendo uma reprovação por parte da comunidade, os gerentes dessas facções criminosas não permitiam o ingresso de crianças e/ou adolescentes no tráfico de drogas. A falta de experiência em confrontos com a polícia e grupos rivais (devido a pouca idade e estrutura física, tinham baixíssima habilidade com os armamentos) e a falta de responsabilidade profissional, também eram fatores que contribuíam para essa postura por parte das lideranças criminosas.
Após a segunda metade dos anos 90, intensificou-se o envolvimento de menores com o comércio de entorpecentes. Isso devido ao baixo custo de mão-de-obra e à facilidade de negociação com a polícia. Por serem inimputáveis, torna-se muito mais fácil o “acordo” com os agentes policiais, quando os menores são detidos, gerando, com isso, uma enorme economia à “multinacional do pó”.
Os menores, em via de regra, são colocados na linha de frente dos confrontos. Traficantes mais experientes usam esses jovens como verdadeiros escudos humanos. Os jovens demonstram mais disposição e destemor para o combate armado do que os bandidos mais velhos. Enquanto a polícia ou grupos rivais trocam tiros com os adolescentes suicidas, os chefões do tráfico ganham tempo, para fugir ou pensar em alguma estratégia mais eficiente de combate.
É impressionante o número de menores vitimados pela guerra do tráfico: “Menino está em estado grave na UTI do hospital infantil...”; “Garoto morto por morar em bairro rival...”; “Adolescente ferida com tiro na nuca”; “Inocentes são alvo do tráfico...” ( Jornal Notícia Agora – 11 de julho de 2009 – p.09).
A partir desse cenário, o que a sociedade tem feito para tentar mudar esse quadro? Mandam blindar seus carros, constroem muros mais altos, contratam seguranças particulares? Problema resolvido. Botem a culpa no governo. Não, esse problema é de todos nós. Somos vítimas de nossa própria incompetência. Precisamos entender que a sociedade constrói seus delitos ao longo do tempo e a cultura reforça determinadas predisposições individuais. Os menores infratores são parte e fruto do meio em que vivem.
Segundo pesquisa desenvolvida pelo IETS (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), sob encomenda da OIT (Organização Internacional do Trabalho), os menores, abaixo de doze anos, quando perguntados sobre quais fatores os levariam a deixar o tráfico de drogas, apontaram o fato de “guardar muito dinheiro” como fator principal, seguido pelo fato de “apaixonar-se por uma pessoa honesta”. Os menores infratores, com mais de doze anos, também apontaram “guardar muito dinheiro” em primeiro lugar seguido pelo fato de “arrumar um bom emprego”.
“Segundo Pedro Américo Furtado de Oliveira, coordenador do Programa para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, entre as sugestões que poderiam ser apontadas para eliminar o trabalho infantil no narcotráfico estão à criação de redes de proteção social (auxílio familiar, renda mínima e geração de emprego) e o desenvolvimento de atividades que possam atrair as crianças e jovens, como esportes, cultura e lazer”. (Folha de São Paulo – 1º de março de 2002).
UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL
Com o propósito de afastar crianças e adolescentes do envolvimento com as drogas e com o mundo do crime organizado, surgiu, em 1987, na comunidade do Morro da Mangueira – subúrbio do RJ – o Projeto Olímpico. Idealizado pelo Prof. Francisco de Carvalho, utiliza-se dos atrativos que o esporte exerce sobre os jovens, servindo como ferramenta de integração social e desenvolvimento físico e psíquico, significando uma mudança no cenário de vida desses adolescentes e lhes oferecendo oportunidades de crescimento pessoal e profissional.
O único requisito para esses jovens participarem do projeto é estarem devidamente matriculados na rede escolar de ensino e apresentarem, periodicamente, o boletim de notas e freqüência.
Atualmente, a Vila Olímpica conta com uma área de 35 mil metros quadrados e possui campo de futebol, pista de atletismo, um ginásio, piscina semi-olímpica e outras instalações.
As modalidades de esportes que são oferecidas na Vila são: atletismo, ginástica rítmica e olímpica, futebol de campo, futsal, voleibol, basquetebol, handeball e natação.
O empreendimento ainda conta com projetos voltados à educação (oferecendo ensino fundamental, médio, cursos de informática, além de inúmeras oficinas culturais e para construção de instrumentos musicais), saúde pública e regate da cidadania.
PARTICIPAÇÃO DO PODER PÚBLICO
O Poder Púbico participa em diversos projetos do Programa Social da Mangueira. Com recursos municipais, estaduais e federais foram construídas as primeiras instalações do Complexo. O Ministério dos Esportes viabilizou a instalação do gramado sintético do campo de futebol e dos pisos sintéticos da quadra e da pista de atletismo.
A Secretaria Municipal de Educação mantém o Clube Escolar.
O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, a Secretaria Estadual do Trabalho e Ação Social e o Ministério da Previdência financiam o Projeto Orquestra Afro-Brasileira.
O Governo do Estado do Rio de Janeiro participa na gestão do CIEP. Um convênio com a UERJ promove a reciclagem constante dos professores na oficina de Psicologia Institucional.
O Projeto Barracão e o Projeto para a Terceira Idade foram criados e contam com o apoio da Prefeitura.
A Secretaria Municipal de Saúde administra o Posto de Saúde do Complexo, além de fornecer medicamentos.
RESULTADOS
Um dos resultados mais significativos do Programa Social da Mangueira é ter conseguido reduzir o envolvimento de seus jovens com as drogas e a marginalidade.
Utiliza-se do esporte e atividades culturais para atrair os jovens, afastando-os da situação de risco que se encontravam, ocupando-lhes o dia com atividades benéficas e, por consequência disso, retirando-os do caminho da marginalidade.
Em relação à educação, o índice de escolaridade no Morro subiu, em dez anos de 40% para 95%.
Atualmente, as crianças do morro recebem atendimento médico e odontológico de excelente qualidade, praticam esportes, inclusive para formação de atletas de nível Olímpico.
As ações do Programa têm favorecido uma reaproximação da comunidade com o Poder Público. Hoje em dia, não é só a polícia de maneira truculenta e despótica, que adentra à comunidade. Agora, o Poder Público também atua no morro com programas de prevenção e assistência social.
É com orgulho que os responsáveis pelo projeto divulgam que o juiz titular da 1ª Vara da Infância e da Juventude, Dr. Siro Darlan, tem declarado que, há seis anos consecutivos, a comunidade da Mangueira tem o menor índice de adolescentes infratores. São jovens que mudaram o destino cruel que, com certeza, os aguardava. Deram uma guinada em suas vidas por terem recebido condições favoráveis para tal.
Uma boa educação, cultura, lazer, tudo isso dentro da própria comunidade. Com isso, os traficantes do morro estão tendo de recrutar jovens de comunidades vizinhas, para trabalhar no narcotráfico, pois, já não encontram mão-de-obra suficiente no morro da Mangueira.
CONCLUSÃO
Isso posto, revela-se que o Projeto Olímpico, na comunidade da Mangueira, tem alcançado seus objetivos. Vencendo todas as limitações inerentes à instituição do novo, envolvendo mudanças profundas por parte de todos os segmentos da sociedade e oportunizando, aos adolescentes, um novo projeto de vida. Mantém toda a sociedade mobilizada, entendendo que, somente unindo forças, obtém-se algum êxito. Com parcerias - afinal de contas - somos todos responsáveis.
Em suma, o conjunto de ações explicitadas neste trabalho prova que, com dignidade, respeito, amor e, principalmente, muita vontade é possível fazer desses adolescentes - antes em situação de altíssimo risco social - futuros cidadãos.
REFERÊNCIAS
COSTA; Antônio José Faria da e MATTOS; Janaína Valéria de - Programa social da Mangueira em 19/05/2006
SILVA; Jailson de Sousa e URANI; André - Crianças no Narcotráfico. Um diagnóstico rápido - Ministério do trabalho e do emprego
VELHO; Gilberto - Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica
BILL; MV e ATHAYDE; Celso – Falcão – Meninos do tráfico – Objetiva e CUFA
IWEALA; Uzodinma – Feras de lugar nenhum – Ed. Nova Fronteira
Jornais: Folha de São Paulo, O Globo e Notícia Agora.