AGRIPPINO GRIECO X MACHADO DE ASSIS
NB.: Publiquei, o texto que segue, em 1959, portanto há 50 anos, na Revista Colegial "A CONQUISTA", hoje extinta, no.25, agosto de 1959, p. 31-33, Montenegro-RS. Republico este texto no RECANTO DAS LETRAS como minha justa homenagem a Machado de Assis, neste Ano Machadiano. E eu mesmo me admiro de meu estilo naquele tempo).
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Os leitores estão lembrados ainda da celeuma e gritaria que os russos levantaram em torno do Prêmio Nobel de Literatura de 1958, atribuído ao escritor russo Bóris Pasternack. Como latiram raivosos os vermelhinhos! Latidos que reboaram pelos quadrantes do universo, recolhidos pela imprensa internacional
Ultimamente rugiram ventos de nova tempestade. Novo estouro literário. Não atrás da cortina de ferro e dos arames farpados soviéticos. Mais pertinho. Aqui em casa mesmo, sob o céu de anil de nossa Pátria.
Mão arrojada, manejando velha e conhecida pena, ousou apear , de seu régio trono de glória, nosso maior escritor nacional, que é Machado de Assis. A mão de nosso veterano crítico literário: Agrippino Grieco. E os fãs de Machado reagiram, levantaram poeira.
Os jornais e revistas encolunaram manchetes, entrevistas... O centro
da celeuma AGRIPPINO GRIECO.Desde longa data encontramos nas colunas literárias essa figura proeminente. Agrippino Grieco, agora um velho de 70 anos, é homem de costumes conservadores. Há meio século mora na mesma casa, às margens do Paraiba do Sul. E desde 1920 escreve, com um dedo só, na mesma máquina, apeando de sua glória muito literato. É perfeito conhecedor de nossa língua e literatura. Transparece de sua pena o sarcasmo, a ironia navalhante, e ai do escritor, quando cai na desgraça desse leão. Em sua carreira literária de meio século cotraíu muita inimizade. Um batalhão de adversários tão grande, que assolaria a Nação se dirigido contra ela. "Carcassas Gloriosas", "Zeros à esquerda", são dois volumes de críticas literárias de Agrippino Grieco. Os títulos espelham a ironia agrippiniana.
Os anos adoçaram um pouco o velho Grieco. Amansaram sua mão. E, se pudesse, passaria a borracha em muita sentença sarcástica que espalhou nos livros. Mas esse Agrippino Grieco, que em recente entrevista afirmou: "Não sou mais contra ninguém, apenas quero viver o resto da vida, que Deus me deu em 1888, em paz com os homens e no sossego do meu jardim", esse velhinho sequioso de paz e vida tranquila, meteu A MÃO NA VESPEIRA. E as vespas ferroaram impiedosamente. As vespas machadianas. Os fãs de Machado de Assis.
Agrippino foi implacável. Chamou a Machado de Assis de escritor de segunda categoria, menor que José de Alencar. Mas o pior de tudo: chamou-o de plagiário, atacando um dos seus principais romances, "Memórias Póstumas de Brás Cubas". Diz assim: "Brás Cubas é um mosaico de muitos autores, no qual o menor autor é o autor brasileiro". Crítica arrazante. "Brás Cubas", esta obra-prima que não teme confronto com qualquer outra de outras literaturas da mesma época e do mesmo quadro estilístico, posta ao ridículo. Não é possível! E os fãs de Machado sentiram a pimenta nos olhos. Iniciaram uma campanha justa em favor do maior romancista brasileiro. E as cartas abertas choveram nos jornais, atacando o mestre Grieco.
O "demônio" fluminense tentou uma defesa. E numa entrevista ao Cruzeiro assim se exprimiu: "Para as 300 páginas de meu 'Machado', reli nada menos do que 500 autores. Há elogios e restrições em meu trabalho. Restrições, creio, menores que os elogios. Não, não pode ser contra Machado de Assis, quem o coloca entre os quatro maiores de nossas letras: Alencar, Machado, Castro Alves e o sertanista Euclides da Cunha."
Leitores, comparai esta resposta com a crítica de "Brás Cubas": "um mosaico de autores onde o menor autor é o brasileiro..." Agrippino, quando pingou estas palavras, não considerou algo fundamental, que o próprio Machado de Assis, acusado de plágio, indicou em um de seus escritos: "É lícito buscar iguarias alheias, mas devemos dar-lhes o nosso tempero. A marca da nossa originalidade".
É o que Machado fez em Brás Cubas. Algumas ideias com sabor balsaquiano, e nada mais. Se não fosse lícito o que o criador de "Dom Casmurro" eternizou no papel, pouco literato, talvez nenhum, estaria isento de plágio. Incorreríamos neste pecado pelo simples fato de usarmos o tradicional "Bom dia". Autores alheios podem servir de inspiração. Não é pecado, não é plágio ainda. Contanto que as roupagens sejam originais, não copiadas. Há ideias universais. E estas podem ser repetidas em formas, em estilo diferente, pessoal. É o que Machado de Assis realizou. Agrippino, dedo no ar, proclamou admirar de coração o portador do mais famoso "pincenez" brasileiro, que é Machado de Assis. Mas aí estão as páginas 194-196 de seu livro, lançado em 1958, acusando Machado de Assis de plagiário.
E as vespas continuam ferroando ao Grieco.
Terá Agrippino Grieco tido realmente a intenção de dar uma nova e séria contribuição à literatura, jorrando nova luz sobre Machado de Assis, que até agora foi considerado o maior romancista e prosador das letras brasileiras, ou terá ele dado vasão à sua antipatia contra Machado. A interrogação continua pairando nos ares de nosso mundo literário, esperando resposta. O rolar dos anos porá por certo em nossas mãos a resposta almejada.