O mistério da salvação [SERMO LXIII)

O MISTÉRIO DA SALVAÇÃO

Quem perseverar até o fim será salvo!

(Mc 13,13).

A aproximação do Natal, por todas as reflexões que nos suscita, nos leva a pensar no mistério da salvação que o Pai, por meio de Cristo, preparou para nós. A salvação, indiscutivelmente é um dom de Deus! Ela é graça, algo que o Pai nos dá “de graça”, sem que mereçamos. Ele nos dá seus dons – e privilegiadamente a salvação – porque ele é rico em misericórdia (cf. Ef 2,4). A História da Salvação, que tem início com a própria história do homem, revela aquele mistério de uma divindade que, podendo bastar a si mesma, preferiu contar com o concurso dos homens na conclusão da criação do mundo.

Quando nos vem à cabeça o assunto salvação, nunca é demais lembrar que “Deus escolheu a todos para a salvação” (2Ts 2,13), embora muitos, cegos pelos ídolos modernos, da riqueza, da vaidade e do prazer, neguem, duvidem ou rejeitem essa oferta. A História Sagrada está cheia de gestos de salvação. Na verdade, o termo salvação aparece mais de oitenta vezes na Bíblia, isso sem contar seus derivados (salvar, salvado e salvador).

Todos os escritos do antigo Testamento, entre eles alguns que citamos abaixo falam a respeito da salvação que vem de Deus:

• Em tua salvação espero, ó Javé (Gn 49,18);

• Sinto-me feliz com tua salvação (1Sm 2,1);

• Javé é minha luz e salvação (Sl 27,1);

• Sim! Deus é minha salvação! (Is 12,2);

• [...] e todos verão a salvação de Deus (52,10);

• Só Javé nosso Deus é a salvação de Israel (Jr 3,23);

• A Javé pertence a salvação (Jn 2,10).

O fato é que encontramos o verbete salvação desde o Gênese (49,18) até o Apocalipse (19,1). No episódio da expulsão de Adão e Eva do paraíso (cf. Gn 3, 15.24) encontramos, ainda que meio encobertos pela linguagem antropomórfica do autor sacro, dois gestos que apontam para a salvação futura: a) a promessa de inimizade entre a descendência da mulher e a posteridade do mal; b) a manutenção de um anjo à porta do paraíso, guardando a entrada, evidenciando que ele estava reservado, a espera do homem, após cumpridas suas etapas de salvação.

No Novo Testamento, a partir da encarnação, no evento da anunciação o anjo revela a Maria que Jesus salvará seu povo dos pecados (cf. Mt 1,21). Há uma fé que salva: Tua fé te salvou (Mc 5,34). Na práxis do Messias constatamos que o Filho veio buscar e salvar (Lc 19,10). O apóstolo Pedro, com medo das ondas, bradou: Senhor me salva! (Mt 14,30).

Em Filipos, Paulo e Silas catequizam o carcereiro: “Crê no Senhor Jesus e serás salvo; tu e a tua família” (At 16,31). De fato, Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores (1Tm 1,15). A grande verdade é que a Igreja professa sua fé nessas realidades: “A nossa proteção/salvação está no Nome do Senhor, que fez o céu e a terra”.

Quando estudamos alguma coisa a respeito da salvação, escutamos falar em soteriologia, um termo estranho que no princípio mais confunde que ajuda. Na verdade, se trata de uma palavra grega que se refere à sotéria (salvação). Assim, soteriologia é a justaposição de sotéria com loguia (estudo). Soteriologia, portanto, academicamente definindo, é a parte da teologia que estuda a salvação que vem de Deus através do seu Cristo. Nesse particular, Jesus é o sotér (salvador).

A salvação é um dom gratuito

Deus nos ama e deseja que saibamos que a salvação não ocorre pelas nossas “boas obras”, mas é um dom. O caminho da salvação provido por Deus é receber a Cristo pessoalmente, confiando nele somente para nos salvar.

Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom

gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso

Senhor (Rm 6,23).

Não podemos alimentar a vaidade de nos considerar dignos

da graça de Deus. Salvação – nunca é demais repetir – é um

dom gratuito ao digno e ao indigno, ao que não merece, e

todos nós estamos nesta categoria, afinal, Cristo morreu

pelos ímpios (cf. Rm 5,6).

Porque pela graça vocês foram salvos, mediante a fé; e isto

não vem de vocês, é dom de Deus; não das obras, para que

ninguém se glorie (Ef 2,8s).

Necessitamos nascer de novo!

A nossa natureza, imersa na corrupção do pecado não pode ver a Deus. O Pai nos ama e deseja que reconheçamos que há somente um caminho para a salvação, e esse caminho ocorre mediante um novo nascimento. Há que se morrer para o pecado e renascer para a graça. É preciso “morrer para os instintos baixos” e “nascer para as coisas do Alto”.

A vocês é necessário nascer de novo (Jo 3,7).

Mas, a todos quantos receberam a Palavra, foi dado o poder

de se tornarem filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu

nome (Jo 1,12).

Aceitar a Jesus, deixando-se impregnar pelo Espírito de Deus, é a única maneira de nascer de novo. Não somos filhos de Deus por natureza. Devemos receber a Cristo a fim de nos tornarmos, por adoção, filhos de Deus. A salvação ocorre quando clamamos a Jesus, crendo, para que ele nos salve. Então ele entra em nossa vida e nos tornamos filhos de Deus com uma nova natureza.

Embora a salvação não ocorra – como já dissemos – pelas obras, a salvação verdadeira sempre produz nos salvos uma sensível mudança de vida. Os salvos, os convertidos e os que estão no caminho da santidade não se furtam ao amor, à partilha, à caridade e ao perdão. Cristo entra em nossa vida mediante convite pessoal, como Senhor e Salvador para nos mudar e viver sua vida por intermédio de nós. As boas obras são uma conseqüência de nossa adesão a Cristo. Aí ocorre aquela figura criada por São Paulo que fala em termos nossa vida oculta em Cristo.

Na conversão o “homem velho”, pecador, se torna um “homem novo”, alguém no rumo da salvação. A teologia contida nos escritos de São Paulo é toda ela soteriológica, isto é, refere-se à salvação. Tomando por base as antigas profecias, o apóstolo retrata Jesus como “a salvação de Javé” (cf. 2Tm 3,15), em cumprimento ao canto do salmista:

Minha alma espera em Deus, pois ele é minha salvação

(Sl 42,5).

Paulo deseja provar a seus ouvintes e leitores que vida eterna é o clímax do compromisso com o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem, que se manifesta na práxis de Jesus Cristo. O Deus dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó é o Pai que ama a humanidade a ponto de dar seu Filho (cf. Jo 3,16) para conferir vida (cf. Jo 10,10).

Toda a divindade que não dá vida e não encaminha sua criação para a salvação é um deus falso: um ídolo mudo. Na história da salvação do povo de Israel, a atitude de Deus é diferente. Ele salva generosamente o povo, desde o milagre sobrenatural, até a atividade que conta com o concurso do humano. O mesmo Deus que salvou Noé do dilúvio, libertou Israel da opressão do faraó do Egito.

Quando a comunidade ora “venha a nós o teu Reino” (cf. Mt 6,10), ela está professando sua fé na esperança-certeza de que Cristo vai descer trazendo a salvação definitiva a todos. A certeza dessa parusia é proclamada por Paulo:

[...] que o coração de vocês permaneça firme e irrepreensível

em santidade diante de Deus, nosso Pai, por ocasião da vinda

de nosso Senhor Jesus Cristo, com todos os seus santos

(1Ts 3,13).

Nesse vigoroso anúncio escatológico do apóstolo, dá para se sentir a irrupção do Reino tão ansiosamente esperado e tão fielmente pedido. Jesus vem, conforme Paulo, “com todos os seus santos”, o que equivale dizer “com toda a sua corte”. As construções paulinas sobre o Reino têm um caráter de consumação quase indenizatória: nossa morada terrena, nossa tenda (a vida terrestre) será desfeita,e por isso receberemos de Deus (como reparação por essa perda) uma casa no céu (cf. Cor 5,1), que é a vida eterna, o Reino dos Salvos. O amor e a justiça são o passaporte para esse Reino.

É claro que o grande merecimento dessa conquista não é nosso. Cristo comprou para nós, pelo preço de seu sangue, esse merecimento ao qual humanamente nunca poderíamos ter acesso.

[...] porque Deus, a plenitude total quis em Cristo reconciliar

consigo todas as coisas, tanto as terrestres quanto as

celestes, estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado

na cruz (Cl 1,19s).

Se nas formulações do judaísmo antigo os juízos Reino e Salvação não eram afins, Jesus se encarregou de uni-los sob uma mesma linha de raciocínio. Ora, quando pedimos “venha o Reino...” estamos automaticamente clamando por salvação. Quando relaxamos nossa busca pela salvação, estamos nos distanciando do Reino dos céus. O dom da vida, no reino, se expressa por relações justas, que supõem adoração a Deus, bem como uma atitude de respeito e serviço à dignidade do ser humano.

É sabido que o projeto de Deus (a salvação) é diverso dos projetos dos homens (cf. Is 55,8) que buscam sinais espetaculares, sabedoria humana, distinções, status. etc. Deus subverte essa ordem e vem se colocar ao lado dos fracos, dos deprimidos, dos que não tem cultura ou estudo. A cruz que era um símbolo de morte e vergonha, se torna um sinal de salvação e vitória. Essa é, na perspectiva do Reino a novidade capaz de provocar transformações.

Enquanto os judeus pedem milagres e os gregos sabedoria,

nós pregamos um Cristo crucificado, que é escândalo para os

judeus e loucura para os pagãos, mas, para aqueles que são

chamados, tanto judeus quanto gentios ou gregos, é Cristo,

poder e sabedoria de Deus (1Cor 1,22ss).

Para adquirir a salvação e entrar no Reino de Deus é preciso que o homem aceite a oferta que o Pai lhe faz em Jesus Cristo e renuncie definitivamente a seus pecados (cf. At 3,19). A graça de Deus renova o homem salvo.

Deus nos salvou mediante o batismo regenerador e renovador

do Espírito Santo (Tt 3,5).

Na verdade, é salutar que se saiba que já fomos salvos. Não se deve colocar o evento salvífico no futuro. Jesus Cristo morreu por nós, salvando-nos de uma vez por todas (cf. Rm 6, 1-11). Pela fé e o batismo, o cristão participa da morte e da ressurreição de Jesus. Trata-se de uma transformação radical. Fomos salvos e resgatados pelo divino sangue derramado na cruz.

A salvação é uma realidade na vida da gente! Alguém poderá objetar: Então mesmo que eu me entregue a todo tipo de pecado não vou ser excluído, pois já fui salvo? Não é bem assim! Ao sermos salvos, fomos como um vagão de trem, colocados na linha da salvação.

Se permanecermos nessa linha, sem desvios ou descarrilamentos, chegaremos à nossa meta final. Deu para compreender? Tudo é uma questão de perseverança: quem perseverar será salvo. O caminho já está aberto: é só não nos afastarmos dele.

Jesus, por Salvador, é a alegria dos homens

O caminho da salvação é feito de fé, graça e libertação. Com fé buscamos nos libertar do pecado e assim acolher a graça que generosamente o Pai derrama sobre todos nós.

Pela graça vocês foram salvos, por meio da fé, e isso não vem

de vocês, é dom de Deus. Não vem das obras da lei para que

ninguém se encha de orgulho. Pois somos criaturas dele,

criados em Jesus Cristo para as boas obras que Deus já antes

tinha preparado para que nelas andássemos (Ef 2,8ss).

Nesse contexto paulino chegamos à conclusão da exata noção da finalidade libertadora que existe no projeto de Deus. A salvação vem pela justiça que é a implementação da fé por causa do Reino. O homem acolhe o dom da salvação pela fé, pela penitência, pela humildade e pela justiça. Jesus é a porta por onde podem passar os pecadores que anseiam pelo Reino (cf. Jo 10,7b).

Paulo, apóstolo e profeta, sabia e fazia questão de repetir que a boa notícia do evangelho de Jesus, no pleroma (plenitude dos tempos), era eminentemente salvadora. Ao recomendar que os fiéis das comunidades sempre se mantivessem “alegres no Senhor” (cf. Fl 4,4), Paulo está se referindo à alegria como um dom do Espírito (cf. Gl 5,22) e uma nota característica do Reino dos céus (cf. Rm 14,17).

A alegria cristã não aponta para um entusiasmo passageiro capaz de fenecer à primeira tribulação, mas sim ao gáudio de inspiração divina, no qual o cristão, na provação, dá testemunho (cf. 1Ts 1,6), e na sua generosidade alegre (cf. 1Cor 13,6b), vive um dia do Senhor, com alegria dos apóstolos e santos (cf. 1Ts 2,19s).

Em Cristo recebemos nossa parte na herança, conforme o projeto daquele que tudo conduz segundo a sua vontade; fomos predestinados a ser o louvor da sua glória, nós que já antes esperávamos em Cristo. Em Cristo vocês também ouviram a Palavra da verdade, o evangelho que os salva. Em Cristo, ainda, vocês acreditaram e foram marcados com o selo do Espírito prometido, o Espírito Santo que é a garantia da nossa herança, enquanto esperamos a completa libertação do povo que Deus adquiriu para o louvor de sua glória (Ef 1,11-14).

A alegria cristã não pode se converter em um laxismo irresponsável, aquilo que os jovens chamam de oba-oba. Por sermos alegres não devemos obscurecer a vigilância da virtude e da perseverança. Indagado pelos discípulos sobre quem se salvaria, Jesus afirmou que a salvação é inacessível ao homem sozinho. Ele só a consegue por meio de Deus (cf. Mt 19,25s).

No Antigo Testamento o salmista encaminha pistas apara quem indaga sobre as condições necessárias para adentrar no Tabernáculo do Senhor, que é a prefiguração do Reino.

• quem age com integridade e pratica a justiça;

• quem fala sinceramente o que pensa e não usa a língua para

caluniar;

• quem não prejudica seu próximo e não difama seu vizinho;

• quem despreza a injustiça e honra os que temem a Javé;

• quem sustenta o que jurou mesmo com prejuízo próprio;

• quem não empresta dinheiro com juros e nem aceita suborno

contra o inocente;

• quem age deste modo jamais será abalado (Sl 15).

Nessas “pistas para a salvação”, mesmo escritas um milênio antes de Cristo, vamos encontrar a essência dos evangelhos e das cartas paulinas. Sem dúvidas, Jesus é a nossa salvação (cf. 1Ts 5,12-22). Dessa certeza nos nasce o desejo da santidade, e com ele o arrependimento, a contrição e a perseverança que conduz à salvação (cf. 2Cor 7,10). Em Santo Tomás de Aquino († 1274) encontramos um texto deveras revelador, cujo teor é prudente sempre tê-lo em mente.

Jesus não ressuscitou para fazer mais um milagre. Ele

ressuscitou por nós! Ressuscitou para ser a causa da nossa

ressurreição, que é o termo da nossa salvação (in:S.Th III q.

53-59).

Até aqui já vimos algumas “propriedades” da salvação onde ela é um dom gratuito, Jesus é o salvador dos homens e ela exige que tenhamos uma nova natureza. Pois bem, indo adiante vamos estudar outras características.

A salvação é agora!

Deus nos ama e deseja que todos saibamos que a salvação é instantânea. Embora a conversão seja obra de uma vida, a salvação, que já ocorreu a partir da cruz se torna instantânea quando dizemos nosso sim a Jesus. No momento em que nos arrependemos, quando deixamos nossos pecados e nos voltamos para Jesus, ele nos insere no mistério da salvação e esta acontece de forma dinâmica e imediata.

Na cruz, Jesus proclamou ao ladrão não-batizado e não-salvo, uma resposta instantânea de salvação, ao clamor do homem confiante: Hoje estarás comigo no paraíso (cf. Lc 23,43). A salvação inclui o aceitar a Jesus Cristo tanto como Senhor (Deus, Senhor, novo rumo de nossa vida) e Salvador. Envolve a crença de coração (o centro de nosso ser que rege, governa e escolhe).

Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em

teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos

serás salvo (Rm 10,9).

Para que ocorra a salvação de fato é necessário que o homem se liberte de tudo o que o amarra. Um balão só sobe aos céus quando se livra dos tantos pesos que o prendem ao solo. A libertação é o estágio anterior à concreção da salvação. O povo de Deus se fundou a partir de um anseio de libertação. Hoje se fala muito em libertação, mas é lamentável que poucas pessoas tenham uma efetiva consciência do que é a libertação evangélica.

Múltiplo é o objetivo da libertação. Ela deve atuar contra a opressão, o conformismo, o medo, a alienação, o comodismo, a injustiça e todas as forças de egoísmo e dominação. Do meu livro “A salvação no contexto da teologia paulina” (Ed. Ave-Maria. 1995) respiguei alguns elementos necessários para que ocorra, de fato, um processo de libertação:

• que haja efetivamente um cativeiro (seja pessoal, espiritual

ou mesmo sociopolítico);

• que as pessoas tenham consciência desse cativeiro e quem

se livrar dele;

• a existência de um libertador a quem apelar (Cristo);

• atitudes continuadas capazes de manter a libertação obtida.

Teológica (refere-se ao espiritual) e axiologicamente (refere-se aos valores filosóficos) falando, o egoísmo, representando todos os anti-valores acima elencados, é sinônimo do pecado. Só quando temos consciência do pecado, em nossa vida e em nossas estruturas (e dele queremos nos libertar) é que se pode iniciar um processo de libertação. Nesse processo o libertador é Cristo, nosso salvador.

As práticas de perseverança, via-de-regra desdobram-se através da vida comunitária, litúrgica, missionária, profética, participativa e sacramental. A libertação do povo hebreu no Egito, arrebatado por Moisés das garras do faraó, é uma prefiguração da libertação escatológica que Deus articulou para livrar o homem do império do pecado. A libertação de Israel, embora muito festejada pelos hebreus é um tímido sinal da redenção universal que seria levada a efeito pela encarnação, sacrifício na cruz e ressurreição de Jesus Cristo. Deus está sempre atento às nossas necessidades. Ele age com resposta instantânea:

No dia da angústia tu invocarás o meu Nome, eu te livrarei e

tu me glorificarás (Sl 91,15).

A salvação, embora misteriosa, é simples.

O fato importante é que Deus nos ama e deseja que todos nós saibamos que a salvação é simples.

Porque, todo aquele que invocar o nome do Senhor, será

salvo (Rm 10,13)

Na a atitude salvífica de Deus enxergamos o sangue de Jesus que nos purifica de todo pecado (1Jo 1,7). Devemos, pessoalmente e com fé, clamar a Jesus para ele concluir a nossa salvação. É assim que o recebemos. Se clamarmos assim, ele deve salvar-nos, ou Deus estaria mentindo, e Deus não pode mentir. Se Jesus nos amou a ponto de morrer para nos salvar, então nos desapontaria quando invocássemos o seu nome? É claro que não! Na verdade, como batizados já somos um povo salvo.

[...] assim como o pecado havia reinado através da morte,

do mesmo modo a graça reina através da justiça, para a

vida eterna, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo

(Rm 5,21).

Deus-Pai nos arrancou do poder das trevas e nos transferiu

para o Reino do seu filho amado, no qual temos a redenção

e a remissão dos pecados (Cl 1,13s).

É para que fiquemos livres que Cristo nos libertou... nos

chamou à liberdade (Gl 5,1.13 e par).

A salvação é simples porque está inserta numa atitude relativamente simples por parte do homem: apenas renunciar ao pecado e reconhecer a Jesus como seu salvador.

Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em

teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os

mortos, serás salvo (Rm 10,9).

Deus nos ama e projetou, em Cristo, a nossa salvação. Você gostaria de receber Jesus como seu Senhor e Salvador neste instante? Eis uma oração que você pode fazer agora mesmo com todo o coração:

Senhor Jesus, entra em meu coração e em minha vida. Lava-me de todo pecado com teu sangue vertido. Faze-me um filho de Deus. Dá-me teu dom gratuito de vida eterna, e faze-me saber que estou salvo, agora e para sempre. Agora te recebo como meu único Senhor e meu Salvador pessoal. Em nome de Jesus. Amém!

A simplicidade da salvação repousa sobre dois pontos: a) nossa vontade de sermos salvos; b) o poder de Deus, que é o único capaz de nos salvar.

Se você o invocou, crendo nele, ele o salvou e você está

limpo de seu pecado (cf. Rm 10,13).

A salvação é uma certeza de fé!

A pessoa pode saber que é salva não simplesmente pelo sentimento, mas porque a fé na Palavra de Deus o afirma.

Quem crê no Filho tem a vida eterna (Jo 3,36).

O que é que você tem neste instante, segundo a Palavra de Deus? Para onde você iria se morresse neste instante, segundo a Palavra de Deus? Nós temos confiança e desejamos antes de deixar este corpo, para habitar com o Senhor.

Uma vez libertos do pecado, os cristãos assumem com confiança sua nova forma de vida, afrontando as ameaças dos poderes tenebrosos. Manifestam-se alegres, corajosos e confiantes pois o Filho lhes revela que a salvação é uma certeza e uma realidade palpável. A essa coragem a Igreja primitiva chamou de parresia, termo profano que os gregos usavam para expressar franqueza, liberdade de falar e de agir, e confiança.

Tal coragem propicia ao homem um agir de filho livre e não um espírito de escravos. São João nos ensina que a vida eterna (a salvação) ocorre aos que crêem de Jesus:

Estas coisas eu escrevi a vocês a fim de que saibam que

possuem a vida eterna, a vocês todos que crêem no nome

do Filho de Deus (1Jo 5,13).

Crer com o coração é muito mais que acreditar. Não nos esqueçamos que o diabo acredita na existência de Deus (cf. Tg 2,19). Acredita mas não pratica nada de bom! O ato de crer é um desejo de amar cada vez mais, de transformar (se) e testemunhar o ressuscitado. Por isso, como veremos adiante, a resposta do ser humano, diante do projeto salvífico de Deus deve ser uma fé comprometida. Deve aceitar a Jesus como seu salvador e viver o mistério encarnado da sua graça.

A necessidade de crer associa-se à realização do bem que se pratica em favor do outro. Fazemos boas obras porque temos fé. O ato de crer, na exigência paulina é rico em valores. Crer significa exercer a caridade, a hospitalidade, o perdão, o serviço fraterno, a entrega nas mãos de Deus. Quem assim crê exerce uma fé consciente, legítimo dom do Espírito Santo, rico em valores de mística e discernimento. Esta é a fé que justifica e salva!

Se agora você sabe que Jesus o salvou, segundo a Palavra revelada, por favor, tire alguns instantes, neste momento, reflita e agradeça-lhe em voz alta, o fato de tê-lo salvo, enquanto oramos.

Salvação é crer no Ressuscitado!

A realidade de nossa salvação se mostra na nossa reação de amor, na obediência ao seguir a Jesus Cristo.

Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o

honrará. Eu e meu Pai viremos e faremos nele a nossa morada

(Jo 14,23).

Da fé no Deus Uno e Trino derivam-se todos os princípios e projetos da vida cristã: uma fé que é graça e por ela transforma-se em amor, um amor capaz de, por sua vez, transformar a sociedade humana. É o vigor da gratuidade dos dons de Deus. Os salvos são obedientes, enquanto os perversos se mostram rebeldes.

O fio-condutor da mensagem soteriológica da Igreja primitiva, a partir de Paulo, é o amor de Deus e o amor-caridade (o ágape) entre os homens. O amor precisa ser visto como o fato-gerador da ação cristã. Por isso ele deve sempre agir de acordo com a inspiração divina que vem da Trindade Santíssima.

Paulo nos mostra, em muitos dos seus escritos/pregações que esse princípio do amor cristão deve se ampliar, transcendendo horizontes, insuflando nas pessoas desejos de salvação, em que o homem responde afirmativa e resolutamente ao chamado de Deus para a salvação disponível em seu Reino.

É preciso confessar ao mundo nossa crença no Cristo que liberta, no Pai que é autor da salvação e no Espírito que santifica. O cristão se encontra com Deus e com os irmãos na dimensão sócio-afetiva do amor. De outro lado, sabemos que o amor é a essência da natureza divina (cf. 1Jo 4,8.16), e esse amor tem um poder inefável e transformador, capaz de mover o homem da inércia (e até mesmo da impiedade) para os benefícios da salvação.

Pois se você confessa com sua boca que Jesus é o Senhor,

e acredita com seu coração que Deus o ressuscitou dos

mortos, você será salvo. É acreditando de coração que se

obtêm a justiça. É confessando com a boca que se chega à

salvação (Rm 10,9s).

A fé verdadeira produz obediência, boas obras e salvação!

A fé que se traduz em gestos de caridade é uma fé que salva. Sobre essa prártica de amor São Paulo escreveu:

Não nos cansemos de fazer o bem; se não desanimarmos,

quando chegar o tempo, colheremos os frutos (Gl 6,9).

O amor não é um simples gesto de doação, uma esmola, ou uma mera fachada filantrópica. Se fosse apenas assim, recairíamos numa vaidade inócua. O amor verdadeiro, as boas obras perfiladas ao mandato de Cristo, é pura graça. Nada compra, nada ganha, nada impõe.

Macieiras produzem maçãs. Os cristãos verdadeiros produzem boas obras. As maçãs são produtos da árvore e provam que é uma macieira. Mas já era macieira antes de produzir maçãs. Da mesma forma, as boas obras nunca produzem um cristão; meramente provam que essa pessoa é cristã.

E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura: as

coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas

(2Cor 5,17).

A vida cristã nos impõe renovações constantes, o que chamamos de conversão. Estamos sempre nos convertendo, pois é essa atualização na graça que nos mantêm imbicados na trilha da salvação. Ser cristão é responder ao desafio do amor, respondendo com fé à graça que o amor de Deus infunde em nós. Em Cristo Deus nos chama à vida; pela fé nos pronunciamos nosso sim a esse chamado de amor. Para o cristão, o amor é o verdadeiro distintivo.

Todos conhecerão que vocês são meus discípulos, se vocês

se amarem uns aos outros (Jo 13,34).

A salvação é um evento que ocorre dentro de uma escatologia profética. Embora Jesus já nos tenha salvo, ninguém é salvo para esta vida, mas para a outra, a eterna. Muitos judeus esperavam uma salvação política, militar contra os inimigos, ao estilo de uma libertação dos tantos exílios que ocorreram. Nas muralhas de Jerusalém, até hoje, século XXI, existe uma porta que se mantém fechada (a “porta dourada”), a espera, segundo os habitantes da cidade, do dia em que o Messias chegar, ele vai cruzar por ela.

Nos tempos messiânicos, Jesus foi reconhecido pelo ato de “partir o pão”, prefigurando a fartura do Reino. A Igreja anunciou o dia da salvação, como um acontecimento salvífico já em ocorrência (cf. 2Cor 6,2). Ao referir-se ao tempo favorável (um kairós) o Novo Testamento está se referindo a um período oportuno, próprio para a construção dos caminhos da salvação. Sob a inspirada ótica de São Paulo, a salvação tem os seguintes envolvimentos:

• a filiação divina, pela graça (cf. 1Ts 5,5);

• o arrependimento (cf. At 2,3s; 2Cor 7,9);

• a conversão (cf. 1Tm 4,16);

• a justificação (cf. Rm 3,21);

• a santificação (cf. 1Ts 4,3);

• uma transformação segundo Cristo (cf. Cl 2,10);

• a glorificação do homem (cf. Rm 8,30).

Repetindo, Jesus foi reconhecido pelo ato de “partir o pão”. E nós? O que fazemos com nossos bens, com nossos talentos, com o nosso pão. Esta é uma questão pela qual podem passar todas as nossas perspectivas de salvação. Como o clímax das “coisas novas”, a boa notícia consiste em que todos saibam que “o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo” (cf. 1Jo 4,14).

A essência dessa boa notícia de Cristo é a salvação que Deus preparou para o homem desde o início dos tempos. Deus é amor e criou o ser humano num gesto de amor, para o amor.

Toda a História da Salvação se poderia resumir nas descidas de Deus para tornar possíveis as subidas do homem. No evangelho, de começo ao fim, Cristo aparece sempre descendo. Desce ao pobre para saciar-lhe a fome; desde ao cego para restituir-lhe a luz dos olhos; desce ao paralítico para dar-lhe momento; desce ao cadáver para vivificá-lo com o sofro da vida; desce ao pecador para dar-lhe a bênção do perdão. Desce, finalmente, até à morte de cruz, para que nós pudéssemos subir até a vida divina.

Eu espero, sinceramente, que depois de escutarem esta pregação, todos, os ouvintes e os leitores posteriores, se sintam despertados pelo desejo de salvação e, ao mesmo tempo percorram os itinerários que conduzam à bem-aventurança eterna, projetando sua conversão ao Deus da vida, na imitação da fé e da coragem dos santos. Dentre as orações que fazemos diuturnamente, nunca devemos esquecer a necessidade de orarmos pela salvação. A nossa e a dos outros.

Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em

teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos,

serás salvo (Rm 10,9).

O autor é escritor, doutor em Teologia Moral e pregador de retiros de espiritualidade.