Você tem um amante?
Desde que o mundo é mundo que alguém sempre se condicionou a amar outro alguém; pelos fatos bíblicos isso começou com Adão e Eva e logo em seguida, por razões não explicadas, num mundo habitado por apenas uma família, havia a clara necessidade de proliferação, até mesmo para ser justificada a máxima de povoamento da terra; neste caso, ou os filhos casariam com seus próprios irmãos ou a mãe, Eva, teria que naturalmente gerar filhos de seus filhos.
Para os incrédulos, um simples e primeiro caso de incesto; para os radicais, uma simples permissão divina; já para os boêmios, tudo aquilo não passou de libidinagem entre amantes; pessoas que não sabiam sobre as regras que somente viriam milhares de anos depois, para algumas religiões, da monogamia como base de alicerce para a manutenção da família perante as leis de Deus e em muitos povos, respeitando a lei dos homens.
Antes mesmo de adentrarmos num tema volátil e controverso, diz a bíblia que o homem deve se unir a uma mulher e procriar, mas, salvo maior juízo, não há um apontamento sequer, nos livros tradicionais, que afirmem que o homem deve ter uma única esposa ou vice versa. A mulher, que é açoitada por todas as sociedades desde a criação, sempre foi condicionada a viver com um único homem e muitas vezes ela precisa aceitar que seu único macho tenha várias fêmeas, para não ter que encarar a justiça do falatório mundano, sendo taxada de no mínimo irresponsável e no máximo de prostituta, dependendo da condição que ela se sujeite diante dos fatos.
O homem, por visão masculina, partiu na frente e em todas as religiões ele sempre teve privilégios quando o assunto é “amante”; primeiro, em muitas sociedades, ele matava suas esposas literalmente para poder viver com outra, muitas vezes outras, caso não houvesse permissão formal dos líderes de sua comunidade. Isso ocorreu na Roma antiga, no Egito antigo e até na Grécia, como nos conta os escribas mais importantes da época.
Não se pode creditar veracidade ou controvérsia em qualquer afirmação do comportamento dos casais, se acreditamos na teoria da evolução das espécies; não podemos dizer se os machos ou as fêmeas dominavam uns aos outros ou se eles possuíam caráter monogâmico baseado no respeito mútuo, mas a história está cansada de contar que os homens eram os que dominavam enquanto as mulheres obedeciam.
Fato mesmo é que em muitos trechos históricos o homem era dono de suas esposas; famílias destinavam ao casamento seus filhos e os entregavam uns aos outros, muitas vezes com menos de 10 anos. Com a evolução natural de todos os homens começaram a ser punidos em alguns casos atrozes envolvendo o ceifar de vida, por tema muito banal, de suas esposas; era a época de início dos códigos judiciais ou códigos de conduta e neste tempo, muitos homens que se diziam insatisfeitos com suas pobres consortes induziam os guardiões da justiça para condená-las a morte, ao exílio ou a prisão perpétua; desta forma o caminho deles estaria livre para novas aventuras, aventuras que muitas vezes já estavam em curso há muito tempo.
Os frutos da antiga união eram submetidos a guarda de uma nova esposa e a sociedade local muitas vezes acreditava e dava apoio para aquela modalidade atroz de se conviver com um pseudo casamento.
Os ventos de liberdade sopravam e invadiam lares e comunidades; os homens de muitas nações já não tratavam suas esposas como os primórdios e a mulher passava a gozar de um pouco mais de respeito, mas sempre a mercê dos maridos e muitas das vezes nos braços da própria sorte. A mulher para ter sorte deveria ser parideira, possuir atributos domésticos irretorquíveis e jamais desrespeitar o marido, dentro ou fora do lar, caso em contrário, sofreria a pior das sanções, a popular, que a expelia de seu meio e a condenava naturalmente ao desprezo.
O termo “traição”, que traduzido pelo pacto nupcial, sempre esteve associado à deslealdade, perfídia, infidelidade e como diz a igreja, mãe de todos os preconceitos, felonia. Em tese é pecado o homem trair a esposa, da mesma forma que o contrário, mas até hoje, nas sociedades monogâmicas, até a igreja perdoa o homem que “pula cerca” e apedreja a mulher que pratica do mesmo ato. Este preceito machista e infeliz é apontado de forma branda, seja na Bíblia, quando se afirma que as mulheres podiam ir aos templos, mas não podiam se manifestar ou até mesmo nos preceitos islâmicos que diz que o homem pode ter mais de uma esposa.
Pelo conceito filosófico natural, sem a intervenção da religião, as sociedades, em sua maioria, convivem como monogâmicas, mas muitas tribos indígenas ou comunidades que não tiveram contato com a civilização adotam padrões diferenciados, podendo homens e mulheres possuir quantos relacionamentos for permitido pelos julgamentos de seus códigos.
Quando estive no Marrocos, Norte da África; conheci um povo “light” que segue o Corão; naquela comunidade, por ocasião da distância, contratei um motorista local, Ahmed, que me explicou em poucas palavras a questão de poligamia de seu povo. Segundo Ahmed, cada homem é livre para ter até quatro esposas, número este que ele não conseguiu me fazer entender o motivo; para o sujeito possuir até quatro consortes ele deve prover a vida de cada uma e de seus filhos, portanto, há uma razão forte por trás da Lei e nenhuma destas esposas é considerada como titular. Se uma recebe um colar de presente, todas devem ter um presente de valor equivalente, da mesma forma que seus filhos e suas casas.
Revezando entre o que “pode” e o que é “pecado”, casais do mundo inteiro, sejam os da sociedade civilizada, sejam os primitivos, moldam suas estruturas familiares até hoje com a figura do macho como sendo o soberano, salvo poucos e raros casos. Eles evitam a influência direta e indireta daqueles que não fazem parte do mesmo círculo de convivência e afastam determinantemente qualquer apontamento dos que se dizem juízes da verdade. A ferocidade carnal pode até ter diminuído dramaticamente nos últimos 5 mil anos, mas as diretrizes da aceitação da igualdade feminina, estas ainda andam sonolentas e escondidas.
Em pleno Século XXI, com aviões que praticamente chegam à Lua e pessoas sendo clonados, os casais modernos também se mantêm inalterados quanto a sua ideologia de junção matrimonial; é quase uma regra no mundo ocidental, as pessoas se conhecem, namoram, ficam noivas e depois se casam; juram amores e fidelidades eternas perante um sacerdote e passam a desfrutar de um único lar, esperando os filhos e trilhando o caminho da união até que a morte os separe.
Por mais falido e antiquado que possa parecer, este é o modelo mais viável que a maioria das pessoas adota e esperam ser verdadeiro em via dupla; ninguém em sã consciência entra num casamento já esperando a separação ou prevê que outro alguém lhes possa por em um prumo fortuito. Quando há planejamento de matrimônio e o sentimento que todos acreditam ser o “amor”, praticamente tudo de florido ou dourado passa despercebido por estes alegres consortes.
Mas eis que pode chegar o desgaste; o homem camufla muitas de suas manias e comportamentos antes do casamento; seja num simples e ingênuo jogo de futebol, numa rodada de chope depois do expediente ou a freqüência que ele sempre teve nos salões divertidos que não toca músicas sacras. A mulher pode expor questões explosivas como a alta valorização da família (dela), não conseguindo deixar para trás os conselhos maternos ou as paparicásseis paterna; comidas, perfumes, limpeza e até o jeito de dormir podem contribuir para um choque estrutural do casal.
Dependendo da sociedade em que vivam, o casal pode superar os choques através do diálogo; neste caso há uma necessidade de aplicação de cultura e uma boa dose de convivência mundana; a aceitação e maleabilidade no comportamento pessoal também são fatores importantes na hora de conciliar; jamais deve haver a alegação de vantagem de uma ou de outra parte, caso contrário, “a vaca vai pro brejo”!
Casais modernos costumam conviver bem com muitas das questões que no passado eram cruciais para se aplicar até a morte; o homem já aceita que sua esposa ande sexy pelas ruas, expondo parte do colo dos seios e muitas vezes até outras partes; as mulheres modernas querem seus maridos charmosos, bonitos, cheirosos e elegantes; elas não ligam se eles vão à um clube ou uma boate em companhia de amigos, desde que elas também possam escolher seus lugares de lazer sem a interferência masculina ou os rigores da vigilância.
Muitos destes novos casais moram em casas separadas e uma vez por mês ou por semana, eles se encontram para os momentos íntimos e nem sempre estes encontros ocorrem em seus lares; já há uma grande freqüência de casais casados em motéis, que até pouco tempo eram rotulados como casas do pecado!
Mas ainda há um fator que abala as estruturas de qualquer casamento; quando há a participação direta ou indireta de outra pessoa! O homem em 99% dos casos não aceita que sua esposa seja cortejada por outro homem; não há nem que se falar em ter um relacionamento paralelo; a mulher em percentual menor também não aceita que seu homem esteja nos braços de outra mulher; existem casos de tamanha possessão em que o casal já nem vive mais o relacionamento, mas eles querem garantir o respeito perante a sociedade e não aceitam que seu par cometa o que digamos possa ser sugerido como “traição”.
Mesmo na sociedade moderna, ter a menor possibilidade de enxergar o seu consorte com outra pessoa é o mesmo que ter de conviver com o rótulo de “chifrudo”. Não se sabe ao certo, mas essa história de chifres, dizem ter a ver com o veado. Geralmente nos grupos desses animais existe um macho mandante, chamado "alfa" para um grupo de fêmeas e outros animais machos. O macho "alfa" vence os demais e tem o direito de copular com todas as fêmeas. Esse animal costuma ter os maiores chifres entre os animais do grupo. Assim, quando algum outro macho consegue a copula com uma das fêmeas do grupo o animal mais chifrudo é que foi enganado.
A idéia é que se tenham sempre por perto seus maridos e esposas; mesmo infelizes, eles não podem se relacionar com mais ninguém, até mesmo, porque a igreja diz que “casamento é para a vida inteira”. Principalmente o homem acredita que uma vez a mulher sendo “tocada” por outro homem ela passa por uma espécie de processo de impureza eterna; é neste fator que se baseavam os conceitos antigos do casamento virgem (para a mulher); do mesmo jeito que a moça que não fosse mais virgem não conseguiria um casamento, as esposas que traíram os maridos são vistas como eternas levianas.
Ao contrário de tudo isso o homem sempre se casou “experiente”; em nenhuma parte da história a mulher exigiu esta condição de seus noivos, a de ter que casar virgem; até a lei contribuiu para isso; mulher violada por estranhos é estupro; homem que é violado por uma mulher estranha é atentado violento ao pudor; são capítulos diferentes com penalidades diferentes.
Com o Século XX vieram também os conceitos paternalistas em que para o homem pode tudo e para a mulher, temos que estudar o caso. Quando o homem está ficando rapaz e começa a perceber a púbis, normalmente o pai lhe falava coisas estranhas e mandava o padrinho levar o sujeito num bordel para conhecer a vida. A mulher quando percebia os seios ou a menstruação, tinha que esconder de todos, para que parecesse pura e imaculada; seus pais programavam sua festinha de 15 anos com vestidinhos longos ridículos na cor branca e já começavam a lhes falar que após os 18 anos e a formatura, elas podiam começar a pensar nos namoradinhos; isso para aquelas moças com muita sorte de terem pais mais cultos, porque as jovens donzelas do interior, nem isso havia!
Mas voltando ao capítulo dos conceitos de matrimônio, de harmonia e união entre o homem e a mulher; homens e mulheres não admitem, salvo em raras sociedades pequenas, que haja outra pessoa perpendicular às suas relações; traição é algo inaceitável e como se pode observar, mesmo que um ou ambos sejam ou estejam completamente infelizes com a relação formal, o que importa para o outro é ter o companheiro dentro de casa.
No próximo texto, citarei os problemas de uma relação abalada pela solidão e pelos conflitos, quando geralmente uma das partes ingressa no mundo obscuro e clandestino dos amantes; o homem busca a aventura extraconjugal como forma de extrapolar as energias contidas pela relação de calmaria, já a mulher busca o amor dos contos de fadas no primeiro que encaixar em seu perfil ou ainda, para o primeiro que lhe sorri. Quem estará certo, se é que existe o certo e o errado, isso é o que discutiremos no próximo texto.
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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