GEOGRAFIA DO ALÉM


LIMBO/REFRIGERIUN/SEIO DE ABRAÃO/MANSÃO DOS MORTOS
TEOLOGÚMENO/DOGMA
PECADO ORIGINAL




          A primeira vez que citei “teologúmeno” em minha turma de Teologia Espírita, a primeira observação que escutei foi: é o que sai da boca de um Teólogo energúmeno. Risos à parte tive que arrazoar que em certos casos não deixa de ser. Mas o que vem a ser um teologúmeno? Um teologúmeno nada mais é do que uma interpretação teológica, que repetida à exaustão, ganha ares de verdade e acaba virando consenso (SALLES, Revista Piauí, p. 48).
          Muitos teologúmenos permeiam as religiões cristãs, mas me limitarei a um do catolicismo:
o Limbo(1).
          Nos primeiros séculos de nossa era, a crença em zonas intermediárias (refrigeriun) era consenso entre os pensadores cristãos, devido à influência da cultura grega. Era uma maneira de qualificar os erros e faltas humanas, afastando do radicalismo do castigo eterno. Mas após Agostinho (Santo Agostinho), estas zonas intermediárias tomaram forma. Para Agostinho o pecado original era herança maldita que ninguém escapava, e só por e em Jesus Cristo haveria a salvação, e o batismo era a primeira porta de entrada. Portanto quem tivesse nascido antes do Salvador ou não tivesse passado pelo sacramento do batismo, estava condenado ao Inferno.
          Mas e os recém-nascidos mortos antes do batismo? Os pueris sofreriam as mazelas do fogo eterno, por omissão de outrem, a qual não teriam capacidade de intervir? Quem consegue imaginar as agruras do Inferno a um ser tão indefeso e passar incólume?

               Daí a primeira saída honrosa do embate, o Limbo: lugar situado no Inferno, onde não se sofre dores físicas, mas dores da perda, da impossibilidade de alcançar a Deus.
               Ao lado, está a Sala dos Justos, a segunda saída honrosa, onde se encontravam os Justos e os Profetas por terem nascido antes do Cristo, enquanto aguardavam a vinda do Redentor. Mas esta se encontrava vazia, pois Jesus, após a sua morte, desceu à Mansão dos Mortos (Credo Católico), rompeu os portões do Inferno, derrotou o Diabo e resgatou os Justos e os Profetas (entre eles Adão), assinalando Seu triunfo sobre a morte e o Mal(2) .
               Mas esqueceu das crianças.
               Um lapso apenas.
          Mas, passados dois mil anos, eis que mais uma porta se abre. Talvez angustiado por sua irmãzinha Olga ter morrido antes de receber o sacramento, o Papa João Paulo II inicia o processo de abolição do Limbo, afinal, não passava de um teologúmeno. Nunca foi
Dogma(3).

               "A justiça, por si só, não basta. Levada às últimas conseqüências, ela se aniquila. Um mundo do qual se eliminasse o perdão seria apenas um mundo de justiça fria e irrespeitosa. A misericórdia se contrapõe à justiça divina e revela-se não só mais poderosa, mas também mais profunda do que ela"(4).
          Porém, foi o Papa Bento XVI em abril de 2007, que aboliu de vez o Limbo do rol dos ensinamentos católicos; mas não das consciências, pois mesmo os não católicos ou os ditos "católicos não praticantes", continuam batizando suas crianças seja por tradição ou por receio do destino que cabe ao pagão inocente ou de vida reta, demonstrando total descrédito à infalibilidade papal.
          De qualquer maneira, o limbo não mais existe, todas as crianças estão salvas. Após esta resolução papal, dois mil anos de criancinhas pagãs adentraram de uma só vez aos céus. Em meio à turba, imagino os anjos e arautos do Senhor implorando por Herodes.

          Quanto ao pecado original, se herdamos ou não, fica para um outro artigo.




(1) O termo "limbo" (orla, fronteira) só foi usado oitocentos anos depois, por Tomás de Aquino.

(2) Esta passagem só se encontra no apócrifo de Nicodemos.

(3) Dogma: verdade incontestável. Consta literalmente nas Escrituras. Quem contesta, incorre em pecado.

(4) Palavras do Papa João Paulo II, em uma de suas Encíclicas.






Imagem: christusrex.org.jpg







SIMONE SIMON PAZ
Enviado por SIMONE SIMON PAZ em 30/11/2009
Reeditado em 10/01/2013
Código do texto: T1951693
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