ESTÁGIO EM EJA: UMA ANÁLISE REFLEXIVA

ESTÁGIO EM EJA: UMA ANÁLISE REFLEXIVA

CARMEN HELENA SAYÃO RUBIRA

DANÚBIA GAUTÉRIO DA VEIGA

RESUMO:

Este texto pretende apresentar a proposta de estágio com suas reflexões e conclusões. Teve execução na Escola Estadual de Ensino Fundamental Marechal Emílio Luiz Mallet, localizada na Rua Amazonas, Esquina Peru, s/n°, na cidade do Rio Grande. Delineamos nossa proposta de estágio visando resgatar a auto-estima dos sujeitos, através da “Leitura do Mundo”. A mesma foi construída a partir da proposta de educação de Paulo Freire e na concepção de Letramento de Magda Soares. Nessa perspectiva, o objetivo era que os alunos adquirissem habilidades para tornarem-se Produtores Textuais de sua própria vida, bem como assumirem postura crítica aos discursos alheios, como forma de “interpretar o mundo” e “transformar a determinação em auto-determinação”. A Metodologia da Mediação Dialética (Arnoni, 2003) foi escolhida para esse projeto por ser capaz de estabelecer relações entre diferentes saberes e de propor aulas diferentes, mais atrativas.

Didaticamente, essa Metodologia que é composta por etapas, interligadas e interdependentes, as quais foram denominadas de Vida em palavras/Identidade e Cidadania/ Nossa Vez e Nossa Voz. Nesse percurso buscamos desenvolver as aulas de alfabetização sem a exigência de memorização de regras e transcrições de cópias sem significados. Em outras palavras, a compreensão de que a construção do saber não é mera decodificação, mas apropriação, pois somente assim, torna-se parte dos pensamentos e das ações individuais, que transformam o social.

1 - INTRODUÇÃO:

Uma das exigências dos cursos de Licenciaturas é o cumprimento de Estágio Supervisionado, ou seja, a prática da docência. Tal atividade também faz parte do curso de Pedagogia, no qual os estagiários utilizam as teorias recebidas durante a formação acadêmica para a construção da prática didático-pedagógica.

O presente trabalho pretende apresentar: as observações feitas sobre as estruturas de funcionamento da escola, as características da turma, as concepções e propostas para os alunos da EJA, a importância das disciplinas dos Anos Iniciais e apresentar a proposta de trabalho para o Estágio Supervisionado.

Esse foi um momento de ansiedade em que a organização das idéias do quê fazer, como fazer, para quem fazer e para quê fazer tornou-se um grande desafio, já que ao longo do curso de nossa formação, as disciplinas pareciam desarticuladas e muitas vezes, sem relevância à prática em sala de aula. No entanto, ao final do Estágio e o planejar deste texto percebemos a validade total das teorias, evidenciada durante toda a etapa supervisionada. Essas teorias não foram integralmente percebidas por nós nos três momentos (Planejamento, Aplicação e Reflexão) que constituíram a prática pedagógica, porque muitas delas estavam guardadas na memória e foram válidas sem que tivéssemos um “lançar mão” consciente. Assim, apenas agora, podemos atribuir valor a toda esta bagagem teórica, já que repensar o Estágio proporcionou uma análise da formação acadêmica como um todo.

Nesse sentido, a autonomia metodológica que desejávamos desenvolver passou por momentos de incertezas que nos levaram a pensar que a mesma não existisse. Isso porque a escola não ensina aos alunos o “aprender a aprender”, levando-os à resistência para a reflexão. Eles acham que não estão aprendendo nada, quando acostumados a métodos tradicionais e ineficientes para a apropriação da lecto-escrita.

Considerando que o desconhecimento, o não domínio da escrita significam, na maioria das vezes, a exposição do sujeito à discriminação e a diminuição do seu valor social e do seu valor enquanto pessoa humana, aliando a idéia de negação à reprodução metodológica impressa na turma em que se desenvolveu a nossa prática é que a Metodologia da Mediação Dialética foi didaticamente empregada.

Assim, esta proposta teve como base de trabalho os textos, objetivando formar não apenas leitores, mas acima de tudo cidadãos críticos, atuantes na sociedade. Vivemos numa sociedade grafocêntrica que não reconhece como sujeitos sociais os indivíduos que não tiveram acesso ao domínio das letras, concedendo-lhes uma cidadania parcial, limitada. Exemplo disso, é o direito do voto, que tiveram-no consagrado pela Constituição de 1988, mas pela metade: votam, mas não podem ser votados, o que representa uma cidadania pela metade.

Quanto à prática docente a que, igualmente fomos aprendizes, importante relatar o papel dos registros reflexivos aula a aula e ao final de cada etapa, para a construção deste texto final que traz em seu interior as nossas limitações, que serviu para a reelaboração do nosso papel de professoras na medida em que tornávamos conscientes das relações que vivíamos podendo atribuir um novo significado às experiências e às vozes que construíam novos discursos.

2 – CONCEPÇÕES - Sociedade, EJA, Educação Libertadora.

Quando escolhemos fazer nosso estágio na EJA, tivemos que investigar quem são essas pessoas, suas visões de mundo, suas expectativas.

Percebemos que a visão de mundo de uma pessoa que retorna aos estudos depois de adulta, após um tempo afastado da escola, ou mesmo daquela que inicia sua trajetória escolar nessa fase da vida, é bastante peculiar. Eles são pessoas comuns que protagonizam histórias reais e ricas por suas experiências vividas, configurando estes jovens e adultos em tipos humanos diversos.

As escolas para jovens e adultos recebem alunos e alunas com traços de vida, origens, idades, vivências profissionais, históricos escolares, ritmos de aprendizagem e estruturas de pensamentos completamente variados e não considera seus traços culturais e psicológicos.

Quando pesquisamos o perfil desses alunos e seus saberes, encontramos no Caderno EJA 1, produzido pelo Governo Federal, um conceito sobre: o saber sensível e o saber cotidiano.

O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que todos nós possuímos, mas que valorizamos pouco na vida moderna. É aquele saber que é pouco estimulado numa sala de aula e que muitos professores e professoras atribuem sua exploração apenas às aulas de artes. (p. 6)

O saber cotidiano possui uma concretude, origina-se da produção de soluções que foram criadas pelos seres humanos para os inúmeros desafios que enfrentam na vida e caracterizam-se como um saber aprendido e consolidado em modos de pensar originados do dia-a-dia. Esse saber, fundado no cotidiano, é uma espécie de saber das ruas, freqüentemente assentado no “senso comum” e diferente do elaborado conhecimento formal com que a escola lida. (p. 7)

Quando planejamos uma aula para o EJA, não descartamos seus saberes, o senso comum, aproximamos os conteúdos com sua vida, na sua prática. Buscamos insistentemente fazer com que nossos alunos percebessem a importância de aprender. Trouxemos-lhes textos e atividades que estavam relacionadas às coisas práticas de sua vida.

Buscamos exercitar uma educação libertadora, com alunos críticos, capazes de opinar, independente de suas limitações.

Para Freire a educação é um encontro entre interlocutores, que procuram no ato de conhecer a significação da realidade e na práxis o poder da transformação.

Não podemos esquecer que as pessoas que procuram o EJA pertencem à mesma classe social, pessoas com baixo poder aquisitivo, onde sua principal fonte de laser e informação é a televisão, onde quase sempre seus pais têm ou tiveram uma escolaridade inferior a sua.

Em PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, Freire aponta essa realidade reconhecendo que o analfabetismo não é uma questão somente pedagógica, mas também social e política:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles, os efeitos da opressão? Quem? Mais que eles para ir compreendendo a necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe deram os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida. (p. 31-32)

3 – PLANEJAMENTO/AVALIAÇÃO

Entendemos que o ato de planejar viabiliza antever as possibilidades de aprendizagem. Com base nisso, selecionamos as atividades e a sua exploração. Não há possibilidade de previsão de cada minuto da uma aula, mas é possível organizar recursos metodológicos, a fim de concretizar a aprendizagem.

As aulas foram sempre desenvolvidas com ação interdisciplinar, mesmo que a Etapa I paute pelas disciplinas de Português e Matemática, consideramos fosse necessário superar a fragmentação do conhecimento. Para tal mudança, buscou-se uma visão de conjunto, a fim de estabelecer coerência na articulação. Ainda é nosso pensar que a ação pedagógica através da interdisciplinaridade aponta para a construção uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social.

Pensamos que ligado ao ato de planejar está o avaliar, pois a “avaliação é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação, subsidiando sempre sua melhora” (LUCHESI, 2006) p.165.

4 – ORGANIZAÇÃO DO PROJETO

4.1 – METODOLOGIA E DIDÁTICA

A Metodologia da Mediação Dialética (Arnoni, 2003)

Primeira etapa: Vida em palavras

Iniciamos a prática de estágio

Tema: Liberdade de Expressão e Sentimentos

Objetivos Gerais:

A história se constrói a partir dos sujeitos e a subjetividade destes é que possibilitará a não-sujeição a um discurso determinista e castrador. Assim, uma história de possibilidades na qual todos são sujeitos e portadores de direitos deve ser escrita e perpetuada, para que o resgate da dignidade enquanto sujeito seja possível.

O tema liberdade foi constantemente explorado por Paulo Freire, como podemos perceber nos títulos escritos: Educação como prática da liberdade; Ação cultural para a liberdade; Pedagogia do oprimido; Educação libertadora; Pedagogia da autonomia. Nesse sentido, o objetivo geral nesta etapa é promover a liberdade de expressão dos educandos, através do contato com suas lembranças, para que se percebam atores na sua trajetória de formação, valendo-se dos próprios discursos.

Objetivos específicos:

• Promover a manifestação oral;

• Perceber e manifestar as subjetividades individuais;

• Estabelecer relação entre o sentido e o vivido;

• Resgatar a auto-estima;

• Reconhecer o próprio saber;

• Exercitar a leitura e a escrita;

• Ampliar vocabulário e novas formas de aprender.

5 – MOMENTOS MAIS IMPORTANTES

6 – RESULTADOS OBTIDOS

7 – RESSIGNIFICANDO O ESTÁGIO

8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURG

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PEDAGOGIA ANOS INICIAIS – NOTURNO

CARMEN HELENA SAYÃO RUBIRA

DANUBIA GAUTÉRIO DA VEIGA

FOLHA DE PRESENÇA – SETEMBRO

NOME DOS ALUNOS 01 02 03 04 08 09 10 11 15 16 17 18 22 23 24 25 29 30

Adriano Garcia Neves P P P P P P F F P -- F F F -- F F F F

Angélica da Silva P P P P P F P P P -- F P P -- P P P P

Carlos André de Souza -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Carlos Marcio Oliveira -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Fábia R. Saraiva F F F F P P P P P -- P P P -- P P P P

Giancarlo Dutra Lemos -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Francisco de Souza -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Jaci de Freitas Barros P P F F P P F F P -- F P P -- P F F F

Joaquim R. Sodré F P P P F P P P F -- F F F -- F F F F

Julio Fabiano de Souza -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Leda Coelho Silva -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Luciano da Silva F F F F F P P F F -- F F P -- F F F F

Maicon Patrick Medina F F F F F F F F F -- F F F -- F F P P

Mericilda M. Salayron -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Pâmela Guedes -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Pablo Soares de Mattos -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Rudimar da Silva Canez P P F P P P P P P -- P P P -- P P P P

Vagner Amorim Fontes -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- --

Vera Regina -- -- -- -- P P P P P -- F P F -- P P F P

Esta é a versão em html do arquivo http://www.alb.com.br/anais16/sem01pdf/sm01ss04_04.pdf.

G o o g l e cria automaticamente versões em texto de documentos à medida que vasculha a web.

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IDENTIDADE E ALFABETIZAÇÃO

Maria de Lurdes Valino

Geal – Grupo de Estudos e Pesquisa

sobre Alfabetização e Letramento

Unicsul – Universidade Cruzeiro do Sul

O processo de alfabetização envolve questões inerentes à especificidade da

língua escrita e também, de forma muito especial, questões relacionadas à

individualidade dos alunos: à sua identidade. Embora o processo de constituição da

identidade seja contínuo, a transformação da identidade de analfabeto para a de

alfabetizado envolve fatores múltiplos e complexos como a auto-estima do aluno e a

atuação da escola. Adultos inseridos em um processo de escolarização, tal como a

Educação de Jovens e Adultos (EJA), apresentam necessidade essencial de terem

suas identidades transformadas antes mesmo de iniciada a aquisição formal de

conhecimentos.

Ao longo da história, as várias iniciativas organizadas para a redução do

índice de analfabetismo, oscilaram na dança dos momentos políticos. O objetivo

principal da escolarização em larga escala parece ter sido sempre o de exercer

controle sobre a alfabetização, e não o de promovê-la

1

.

Até um passado recente, prevaleceu a idéia de que a escolarização deveria

assegurar desenvolvimento letrado adequado, garantindo a estabilidade social e o

avanço econômico da sociedade. Por volta de meados do século passado, a

ideologia da alfabetização sofreu significativa mudança, respaldada pelos

movimentos de educação de massa e pela conquista de uma alfabetização mais ou

menos universal. A alfabetização deixou de ser objetivo de desenvolvimento

econômico, e tornou-se direito humano básico.

A educação de adultos, fragilizada pela descontinuidade dos vários planos

de governo e pela falta de compromisso político, só nos últimos anos está sendo

compreendida como uma modalidade de ensino. Com essa valorização, espera-se

para um futuro não muito distante a superação do analfabetismo no Brasil. Um

desafio de tal porte é prioritário tanto em uma dimensão global, compatível com a

sociedade democrática e com a realidade de século XXI, quanto na dimensão

específica do sujeito.

Neste contexto, o analfabetismo pode ser compreendido sob duas

dimensões: uma objetiva, relacionada a todas as restrições ou carências que a

pessoa experimenta ao entrar em contato com o mundo letrado, e uma subjetiva,

envolvendo a “autopercepção”, que varia a partir do quando, como e em que

circunstâncias a pessoa se considera analfabeta (LETELIER, 1996; PAINI e

VALINO, 2007).

Compreender as razões que movem uma pessoa na direção de alfabetizar-

se envolve conhecer o que representa “saber” e “não saber ler e escrever” numa

sociedade letrada, como esta pessoa se considera, como se constitui a identidade

1

Sobre essa problemática, ver os estudos de COOK-GUMPERZ, 1991.

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2

de quem se propõe a ler e a escrever, sua auto-imagem, sua imagem social, como

concebe a conquista da cidadania e o resgate da dignidade subtraída.

O objetivo deste texto é apresentar pesquisa, realizada pela autora (2006),

que analisa a necessária transformação que deve ocorrer na identidade de jovens e

adultos em processo de alfabetização

2

.

Subsidiando o referido estudo, tomou-se como fundamental pressuposto o

de que todas as pessoas são detentoras de conhecimentos, idéia defendida por

Paulo Freire, e que seguem aprendendo ao longo de toda a vida. Por sua vez,

também o conceito de alfabetização não é estático: muda de acordo com os novos

usos da língua escrita, exigidos pela sociedade moderna (SOARES, 2003). A

conquista da alfabetização impulsiona a pessoa a alcançar níveis de letramento

cada vez mais elevados e específicos. Essa conquista provoca mudanças no lugar

social, no modo de viver na sociedade e de se inserir na cultura. A alfabetização

reestrutura a dignidade das pessoas favorecendo a construção da cidadania.

1. A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

A identidade se forma num processo contínuo que vai se estruturando e

reestruturando ao longo da vida, impulsionado pelas relações sociais estabelecidas,

as quais se tornam “modelos” que favorecem, às pessoas, a produção de uma

imagem de si mesmas, a sua identidade. A construção da identidade acontece nas

trocas afetivas estabelecidas na vida social em estruturas sociais – por exemplo, a

família – e nos mecanismos criados pela sociedade – por exemplo, a linguagem. Os

inúmeros e diferenciados modelos, vivenciados à medida que se ampliam os

círculos de relacionamentos, se apresentam, por vezes, de forma antagônica

(positivo ou negativo, valorizado ou não), e “...a imagem latente do passado mais

homogêneo exerce a sua influência reacionária em resistências específicas”

(ERIKSON, 1976, p. 58).

Como modelos antagônicos é possível pensar no alfabetizado-analfabeto, o

que suscita alguns questionamentos: Qual o modelo predominante nos alunos de

EJA? Pode ser um modelo específico ligado ao passado, à infância, o de que “filho

de pobre não precisa estudar”? O modelo “alfabetizado” pode ter sido desvalorizado

desde a infância? Até que ponto a prevalência do modelo desvalorizado, vindo lá da

infância, pode hoje estar exercendo influência, concretizando-se em mecanismos de

resistência à alfabetização?

A teoria de CIAMPA (1994) sobre o tema da identidade aproxima-se do que

é apresentado por Erikson. Para o autor, cada pessoa personifica as relações

sociais vividas, configurando uma identidade individual. A identidade, para qualquer

pessoa, se constitui dos diversos grupos dos quais participa. A sociedade se

constitui do conjunto das identidades pessoais, ao mesmo tempo em que cada um é

constituído por ela. Sendo assim, a identidade é um fenômeno social.

2

Pesquisa realizada com alunos iniciantes em uma classe de EJA.

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Uma outra visão sobre identidade relaciona-a à percepção sobre a “falta”

(MELUCCI, 2004). A experiência da falta é definida culturalmente. As necessidades

humanas, incluída a da leitura e da escrita, são construídas culturalmente. As

pessoas reconhecem suas necessidades, nascidas do pertencimento aos variados

grupos, e “sabem quem são”. A experiência da “falta” leva as pessoas,

inevitavelmente, ao questionamento sobre si mesmas, sobre a sua identidade.

A capacidade de perceber-se semelhante às outras pessoas no grupo e,

simultaneamente, permanecer o que se é, constitui a identidade de cada um. No

entanto, essa identidade necessita ser reconhecida para poder constituir-se. O

processo de diferenciar-se das outras pessoas exige o reconhecimento da diferença

por parte do outro. “Cada um deve acreditar que sua distinção será, em toda

oportunidade, reconhecida pelos outros e que existirá reciprocidade no

reconhecimento intersubjetivo” (idem, p. 45).

Todo o processo de constituição da identidade se revela uma situação

paradoxal. Cada pessoa precisa reconhecer-se semelhante aos outros (reconhecer-

se e ser reconhecida) e, ao mesmo tempo, afirmar sua singularidade. Eis o

paradoxo: a diferença supõe semelhanças e reciprocidade.

Quando as pessoas se encontram em uma situação de troca, o

distanciamento pode ser controlado, porque existe uma certa reciprocidade no

reconhecimento. De alguma forma, cada um reconhece em si aquilo que reconhece

no outro, porém existem situações em que isso se torna impossível pelas diferenças

individuais, pela diversidade de posição social e pela velocidade com que as

mudanças são exigidas. Isso aumenta a distância entre as pessoas, a reciprocidade

não ocorre, gerando uma situação de conflito. “Entramos em um conflito para afirmar

nossa identidade, negada por nosso opositor, para nos reapropriar daquilo que nos

pertence, porque estamos aptos a reconhecê-lo como nosso” (idem, p. 49).

2. IDENTIDADE DE ANALFABETO

A constituição do estado de analfabetismo começou na infância, com a

situação socioeconômica da família, o que contribuiu para que a freqüência na

escola fosse interrompida ou nunca iniciada. A esta situação de pobreza econômica

aliou-se a histórica “cultura da exclusão”, presente no sistema escolar brasileiro

(ARROYO, 1992).

O jovem e o adulto analfabeto têm sua imagem formada a partir da

identidade construída nesta situação socioeconômica: uma vida de pobreza,

trabalho intenso, e não necessidade de ler e escrever, tomando como base os

valores e princípios dos grupos dos quais fez parte e das práticas sociais exercidas

nos contextos de sua infância (OLIVEIRA, 1999). Quando em contato com um

círculo de relacionamento pertencente a uma cultura diferente (a cidade de São

Paulo, o trabalho, a EJA, dentre outros), seus papéis mudam, e sua identidade

também.

Para os participantes da pesquisa, no entanto, o conceito de analfabeto é

bastante diverso: analfabeto é quem não sabe escrever seu próprio nome. A essa

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simples conceituação costuma associar-se pelo menos outras três como um

perverso condicionante da auto-imagem: a ignorância, a pobreza e a indignidade.

Quanto à identidade, CIAMPA (1994) escreve que em cada momento a

pessoa se apresenta não como uma totalidade, mas como parte de si mesma.

Diante de outras pessoas, cada um se apresenta como uma parte de si mesmo,

através de um de seus aspectos, porém o que aparece para o outro se encarna

como totalidade: o exterior determina a identidade da pessoa. Nesse sentido, uma

vez que o traço da identidade seja o analfabetismo, a pessoa será identificada como

analfabeta. Embora o analfabeto se esforce por apresentar vários aspectos de si, ele

continuará sendo identificado, pelo outro, por seu traço de identidade, que é o

analfabetismo.

É como se, uma vez identificada, a pessoa cristalizasse: “é analfabeto” e não

“está analfabeto”. “Daí a expectativa generalizada de que alguém deve agir de

acordo com o que é (e conseqüentemente ser tratado como tal)” (CIAMPA, 1991, p.

66). Ou seja, mesmo alfabetizando-se, a pessoa acredita que deve continuar

representando o papel de analfabeta e sendo tratada como tal. A pessoa é

dominada pelo “papel de analfabeta”.

A superação desta situação torna-se possível quando o indivíduo passa a

ser sujeito da sua ação, fazendo da sua ação uma atividade finalizada, relacionando

desejos e fins, pela prática que transforma a si mesmo e ao mundo. A superação,

que o autor chama de “devir”, é a possibilidade de transformação. Ao transformar as

determinações exteriores em “autodeterminação”, a pessoa aprende a ser “outra”:

sua identidade se transforma.

Aos conceitos apresentados por Ciampa, pode-se associar o de “estigma”,

tal como apresentado por GOFFMAN (1980): um estigma surge sempre que se

reduz alguém a uma condição “diminuída”. “O termo estigma, portanto, será usado

em referência a um atributo profundamente depreciativo (...)” (idem p. 13).

Assim, o jovem e o adulto analfabetos têm seus saberes depreciados,

prevalecendo, na sociedade letrada, o atributo de pouco ou nenhum conhecimento

sobre a língua escrita, o que muito freqüentemente acaba sendo generalizado para

pouco ou nenhum conhecimento. O estigma do analfabetismo acaba se expandindo

para estigma de ignorância.

O analfabeto expressa a sua falta de conhecimento sobre a língua escrita

num determinado grupo cultural – nesse caso, uma sociedade altamente letrada –, e

a situação de troca está envolta em grande tensão, pela não-reciprocidade e pela

dificuldade em reconhecer-se e ser reconhecido. Reapropriar-se da identidade

negada – ser alfabetizado – significa viver, como adulto, o paradoxo: construir a

singularidade a partir das semelhanças. Objetivamente, para o analfabeto, significa

trilhar o caminho da EJA para assemelhar-se ao grupo de referência.

O jovem e o adulto alfabetizandos, são aqui mencionadas como sendo

sujeitos de seu próprio conhecimento e aprendizagem. Sujeitos que, ao freqüentar

um curso de alfabetização, superam a vergonha relacionada a suas identidades

reais e tornam-se sujeitos em transformação. O processo de escolarização é

reconhecido como um meio de transformação da pessoa. A escolarização contribui

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para a organização do conhecimento e mudança da autoconsciência, possibilitando

alcançar um nível superior de consciência social. Ao aprender a ler e a escrever, as

pessoas mudam não só a forma de falar, de pensar, de se comportar, mas também

os conhecimentos e a vida cotidiana. O alfabetizando se “empodera” para superar o

estigma de analfabeto, sentindo-se mais “decente”

3

.

Contudo, por mais que o conhecimento sobre a língua escrita seja desejado

pelo aluno de EJA, é preciso considerar também a possibilidade de enfrentamento

de resistência ao processo de alfabetização.

“Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e

escrever? Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais

de leitura e escrita?”, pergunta-se COLELLO (2004, p. 48).

A autora desvela a situação de “dificuldade”, apontando vicissitudes do

processo de aprendizagem, das quais uma, especialmente significativa para o tema

deste texto, é a vinculação da aquisição da língua escrita a uma nova condição

cognitiva e cultural.

Paradoxalmente, a assimilação desse status (justamente aquilo que os educadores esperam

de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de emancipação do sujeito) pode se

configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivos de resistência ao aprendizado: a

negação de um mundo que não é o seu; o temor de perder suas raízes (sua história e

referencial); o medo de abalar a primazia até então concedida à oralidade (sua mais típica

forma de expressão), o receio de trair seus pares com o ingresso no mundo letrado e a

insegurança na conquista da nova identidade (como “aluno bem-sucedido” ou como “sujeito

alfabetizado” em uma cultura grafocêntrica altamente competitiva). (idem, p. 49-50)

O aluno de EJA pode vivenciar dois sentimentos antagônicos: “eu quero me

alfabetizar”, mas “eu não devo me alfabetizar”. Se a EJA não considerar o temor dos

alunos ante a possibilidade da sua descaracterização social, o processo de ensino-

aprendizagem pode resultar em fracasso.

3. IDENTIDADE DE ALFABETIZADO

Para passar do estado de analfabetismo para o de alfabetismo, a pessoa

precisa transformar a sua condição, incorporando a linguagem escrita em sua vida.

A situação de alfabetizado não lhe chega por acréscimo de conhecimento sobre as

letras, mas pela transformação interna do estado inicial, ou seja, pela transformação

da identidade de analfabeta para a identidade de alfabetizada (RIBEIRO, 1999).

Por este ângulo, o processo de alfabetização de jovens e adultos apresenta-

se como um duplo desafio, seja pelo acesso historicamente obstado, seja pela

possibilidade socialmente negada de transformação na sua identidade.

A trajetória da transformação da identidade do alfabetizando pode ser

compreendida através da vivência de cinco momentos: a percepção da “falta” da

leitura e da escrita; a busca da correção do “defeito” de ser analfabeto; a vivência do

papel de estudante; escrever o próprio nome e a superação de limites, ou seja,

3

Ver pesquisa realizada por FERREIRO, 1983.

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enfrentar as dificuldades relativas à aprendizagem da leitura e da escrita e ao

processo de se constituir como leitor e escritor no contexto da sociedade letrada.

A transformação das identidades começa com a percepção de uma “falta” e

configura-se mais cedo do que se pode supor. A análise das entrevistas revelou que

houve percepção de falta traduzindo necessidades do mundo externo, como o

desejo de participação social através da utilização ampla da língua escrita em

variados eventos de letramento, satisfazendo exigências próprias da vida urbana, da

vida escolar e do mundo do trabalho, para comunicar-se de forma ampla e

autônoma. Outras necessidades foram geradas no mundo interno, como a

realização de projetos futuros (ser valorizado como alfabetizado), a superação de

carências e a satisfação pessoal; ser reconhecido e reconhecer-se como

alfabetizado; ter voz; ter dignidade e desidentificar-se do estigma de analfabeto.

Nos depoimentos evidenciou-se a história da não-alfabetização, muito mais

do que a confirmação do analfabetismo. Apresentaram múltiplos acontecimentos

pessoais, sociais, econômicos e políticos que, de alguma forma, cercearam as

possibilidades de alfabetização. A necessidade de conhecimentos sobre a língua

escrita é diferente entre diferentes pessoas e contextos. Enquanto os alfabetizandos

estavam inseridos nas suas comunidades de origem, eminentemente do meio rural,

a falta da língua escrita parecia ter uma configuração muito diferente daquela mais

recentemente percebida no meio urbano

4

. Neste sentido, os significados atribuídos

ao estado de analfabetismo apresentaram, por um lado, uma homogeneidade

valorativa; por outro, confirmou tratar-se de um processo vivido no âmbito cultural.

Tomando como base o princípio do homem como indivíduo sócio-histórico, é

possível defender a idéia de que ninguém é analfabeto como fato inexorável: a

pessoa está analfabeta até o momento em que, utilizando seu potencial para

construir conhecimentos ao longo de toda a vida, construa também o da

alfabetização. O momento de empreender esforços para saber ler e escrever é

próprio para cada pessoa, e assim se manifestou.

Os entrevistados mostraram o que, para eles, significa estar analfabeto. Em

seus depoimentos, percebeu-se a consciência de serem estigmatizados. Eles se

atribuíram muitas características negativas, dentre elas a de serem “ignorantes” e

“cegos”

5

. Compreenderam-se como sendo um “nada”: suas identidades não

apresentavam reciprocidade nem singularidade social. A sociedade que os

estigmatiza é alfabetizada e com necessidades muito diferentes daquelas sentidas

pelos analfabetos. Não havendo reciprocidade na falta, a identidade introjetada foi a

de analfabeto.

Através das considerações apresentadas sobre o estado de analfabetismo,

pesquisou-se a auto-imagem vivenciada pelos alunos e as possíveis mudanças em

função da escolaridade e do maior acesso ao mundo letrado. Pôde-se perceber,

inicialmente, que a auto-imagem era negativa, havendo nos alunos firme intenção de

se afastarem do indesejado estigma de analfabeto. Para eles, parecia mais

4

Ver pesquisa realizada por OLIVEIRA, 1999.

5

Ver pesquisa realizada por MARANHÃO, 1994.

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suportável considerarem-se como “pouco” leitores e escritores do que assumir a sua

incompetência nesse campo do conhecimento.

A imagem social também apresentou características negativas. Ser

analfabeto aos olhos do outro gerou sentimento de vergonha, favorecendo o

desenvolvimento de atitude de esquiva e distanciamento: os alunos evitaram

comentar seu estado de analfabetismo com outras pessoas e distanciaram-se dos

interlocutores numa clara atitude de buscar suporte emocional para a situação.

Analfabetismo e alfabetização representam, respectivamente, uma

identidade e a sua transformação. A percepção da falta da leitura e da escrita em

São Paulo pode assumir a característica de um “defeito”, como escreve GOFFMAN

(1980), que precisa ser “corrigido”. A “correção” começou com a procura por uma

escola. A seguir, iniciou-se o processo de alfabetização-transformação, muitas vezes

mais complexo do que a própria aprendizagem da leitura e da escrita ou a sua

incorporação nas práticas sociais.

À percepção da existência do “defeito” (falta da alfabetização), o jovem ou

adulto pouco escolarizado buscou a correção, que exigiu, objetivamente, a matrícula

em curso de EJA. Uma operação simples que, no entanto, torna-se complexa para

quem não sabe ler, porque depende de cooperação, apoio e informação de

terceiros.

No caminho percorrido pelo analfabeto até a formalização da matrícula,

algumas barreiras têm que ser vencidas. A primeira delas é a que concebe a

alfabetização como “coisa para criança”. A segunda barreira supera os sentimentos

de vergonha e dúvida por se tratar de curso para adultos. A vergonha refere-se tanto

ao desconhecimento sobre a língua escrita quanto ao desafio de freqüentar a escola

com mais idade. A tarefa de aprender a ler e a escrever assume, para esse adulto

alfabetizando, teores de grande dificuldade: ele tem dúvidas sobre a sua

possibilidade de aprender, em função da crença de que analfabeto não aprende ou

de que a idade o impede, bem como do medo de enfrentar o novo e o desconhecido.

Os alfabetizandos justificam-se, atribuindo-se limites físicos e mentais, como

cansaço, memória fraca, dificuldade para enxergar...

Vencida a barreira da vergonha, encontrou-se o analfabeto retornando à

escola, ou freqüentando-a pela primeira vez.

Logo no início do ano letivo, manifesta-se uma mudança na auto-imagem: a

matrícula na escola institucionalizou a incorporação do papel de aluno. Com este

novo papel, o alfabetizando relativiza o antigo modelo de analfabeto pela introjeção

do de “estudante”. A auto-imagem transforma-se, incorporando outros simbolismos,

como ser “inteligente” e “útil”. O conceito de “ignorante” cede lugar ao de pessoa que

“está aprendendo”. Mudam as atitudes, o modo de falar e de se expressar. Estar

estudando permite a correção do defeito, da vergonha de si mesmo.

No decorrer do primeiro semestre letivo, a auto-imagem mudou totalmente:

os alunos deixaram de se considerar analfabetos. A mudança do olhar sobre si

mesmos é atribuída também à qualidade dos relacionamentos estabelecidos e aos

progressos alcançados, muito embora estes ainda não representem autonomia de

leitura e escrita.

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Freqüentar um curso de EJA gera altas expectativas, como a de se tornar

uma “pessoa melhor”, pela possibilidade de se livrar do estigma, e a de aprimorar o

desempenho profissional, conquistando um trabalho mais qualificado e valorizado.

O ingresso na escola favorece o desenvolvimento da sociabilidade, pois a

escola, mais do que ler e escrever, “ensina” a conviver. Os depoimentos

demonstram, ainda, que a freqüência escolar interfere positivamente na rotina de

vida e na realidade social.

Freqüentar a escola, e a conseqüente ampliação do acesso ao mundo

letrado, traz importantes modificações imediatas, como o aumento da segurança, da

independência e maior autonomia na realização de atividades cotidianas que exigem

conhecimento sobre a língua escrita. Tudo isso, justamente pela sua utilidade

prática, ajuda o aluno a encobrir seu estado de analfabetismo.

No que diz respeito ao progresso cognitivo, a escrita do próprio nome

representa uma conquista particularmente significativa, porque simboliza a

passagem para o estado do não-analfabetismo. Em conseqüência disso, há uma

identificação com um grupo maior – o das pessoas que sabem assinar o nome, e

que podem ser reconhecidas publicamente como alfabetizadas. Dessa forma, a

reciprocidade com a sociedade letrada aumenta.

Escrever o próprio nome eleva a auto-estima, pois, além do significado que

o gesto encerra, o aluno se percebe aceito socialmente, ou seja, sua imagem social

se altera, torna-se mais valorizada. Embora a escrita do nome seja a primeira de

uma série de conquistas, o que fica evidente é o significado psicológico dessa

aprendizagem

6

.

A aprendizagem da leitura e da escrita corresponde, mais intensamente, a

desejos advindos do mundo interno. Através da alfabetização, os alunos esperam

valorização social e, como decorrência, o reconhecimento público da capacidade de

ler e escrever. Ser reconhecido pelo grupo implica poder reconhecer-se também,

superando carências, suprindo faltas e se desidentificando do estigma de

analfabeto.

A aprendizagem da língua escrita insere o usuário num rol de participação

em atos de letramento que pressupõem ampliação do campo cultural. Alfabetizar-se

é importante, mas não basta. Faz-se necessário que a continuidade desse processo

garanta cada vez mais a participação na sociedade letrada e, mais que isso,

estimule a efetiva inserção social, ampliando os atos de cidadania. A alfabetização

sozinha não muda as condições de vida, o que favorece a mudança é o

envolvimento nos movimentos e práticas sociais, e isto vem com a visão crítica

sobre suas possibilidades (FREIRE, 2001).

O primeiro passo para a superação de limites é a transformação da

subalternidade. Aprender “só um pouco”, para não se confrontar com a expectativa

do lugar social, não resolve. É impossível quantificar o conhecimento sobre a língua

escrita. Faz-se necessário superar todo um quadro de baixa-estima, de sentimento

de ser velho ou incapaz, de resignação a um estado, de medo de que a mudança

6

Sobre este aspecto, ver MARANHÃO (1994) e OLIVEIRA (1992, 1999).

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leve à identificação com um grupo cultural que não lhe diz respeito perdendo, assim,

o reconhecimento da singularidade. O que prevalece é uma aprendizagem que tem

efeitos para além de “si mesmo”.

Reconhecer-se e ser reconhecido como alfabetizado dá à pessoa a

possibilidade de superar o estigma do analfabetismo, superação que está sujeita às

modificações no conceito de ser alfabetizado. A expectativa de alfabetização muda

conforme modifica a necessidade social de uso da língua escrita. Neste sentido, a

alfabetização é um processo que acontece ao longo da vida, exigindo das pessoas

inserção em variadas redes de comunicação, em um verdadeiro processo de

aprendizagem continuada e cada vez mais exigente.

O processo de transformação da identidade é absolutamente individual,

começando na percepção da falta da alfabetização e no empreendimento em prol

desta conquista, significando enfrentar, intensamente, os sentimentos de vergonha e

estigma. É necessário engajar-se num curso de EJA para ter maior acesso ao

mundo letrado e reescrever, sob nova ótica, sua antiga história de fracasso escolar.

No seu processo, cada pessoa, ao se transformar, avalia seu próprio percurso,

supera estigmas, compreende as dificuldades e incorpora novas motivações.

O aluno de EJA, no atual contexto, é compreendido como um ser histórico,

cultural, criativo, capaz de construir conhecimentos e participante da diversidade

constituinte da vida e que, tal como os sujeitos alfabetizados, atua sobre e

ressignifica a realidade. Ler e escrever são direitos da pessoa humana, não lhe

podem ser negados, mas também não lhe podem ser obrigatórios. Alfabetizar-se

significa redimensionar-se enquanto ser, participando, livremente, de uma cultura

que historicamente tem sido dificultada a uma parcela da população. Nesse sentido,

a alfabetização nunca poderia se legitimar como justificativa para a substituição da

própria cultura, em um processo de negação das raízes socioculturais do aluno. Em

função disso, faz-se necessário que a ação didática no período de alfabetização, e

também no pós-alfabetização, traga para o centro da sala de aula a discussão sobre

o significado de ser ou não alfabetizado.

REFERÊNCIAS

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educação básica. Em Aberto, Brasília: MEC/Inep, n. 53, p. 46-53, jan./mar., 1992.

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FREIRE. P. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2001.

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de

Janeiro: Zahar, 1980.

LETELIER, M. E. Analfabetismo e alfabetização: problemas conceituais e de diagnóstico.

Alfabetização e Cidadania, São Paulo: RAAAB, n. 3, p. 9-19, agosto, 1996.

MARANHÃO, H. P. O analfabeto e a sociedade letrada. Alfabetização e Cidadania, São

Paulo: RAAAB, ano 1, n. 1, p. 7-15, out., 1994.

MELUCCI, A. O jogo do eu. São Leopoldo: UNISINOS, 2004.

OLIVEIRA, M. K. de. Analfabetos na sociedade letrada: diferenças culturais e modos de

pensamento. Travessia – Revista do Migrante, São Paulo, ano V, n. 12, p. 17-20,

jan./abr.,1992.

_____. Jovens e adultos como sujeitos de conhecimento e aprendizagem. Revista

Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd, n. 12, p. 59-73, set./out./nov./dez., 1999.

PAINI, L. D.; VALINO, M. de L. Alfabetização de adultos: a subjetividade do não-letrado e do

letrado. Anais do VIII Congresso Nacional de Psicologia Escolar e Educacional, São

João Del Rei: UFSJ, 2007.

RIBEIRO, V. M. Alfabetismo e atitudes: pesquisa com jovens e adultos. Campinas:

Papirus, 1999.

SOARES, M. Letramento e escolarização. In: RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil:

reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003, p. 89-113.

VALINO, M. de L. Quem não sabe ler nem escrever pede favor. Até quando?

Dissertação (Mestrado). São Paulo: Faculdade de Educação - USP, 2006.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: Loyola, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HOFFMANN, Jussara. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. 4ª edição. Porto Alegre: Mediação, 1999.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: ensino plural. São Paulo; Cortez, 2003.

BRASIL. Ministério da Educação / Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: matemática- 1º e 2º ciclos. 3ª ed. Brasília: MEC/SEF, 2001.

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DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos olhares sobre Educação e Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem escolar: estudos e proposições 18ª Ed. – São Paulo: Cortez, 2006.

2 – RECONHECENDO A GRADUAÇÃO

A preparação para o Estágio Supervisionado, mal sabíamos nós, delineava-se desde o início do curso de graduação. Hoje, cientes disto, revisitaremos a Grade Curricular do curso de Pedagogia Anos Iniciais, a fim de verificar o processo formativo para o exercício da docência. Dessa maneira, refletir a formação acadêmica é reconhecer a dicotomia entre os saberes racionais e os saberes emocionais. Evocamos Pimenta (2005, p.26) afirma que o saber docente não é formado apenas da prática, sendo também nutrido pelas teorias da educação. Dessa maneira, concebemos a teoria em nossa formação como fundamental para o exercício do magistério. Além disso, prática docente em situação de estágio é alguma coisa como estar diante de si e, ao mesmo tempo, diante de muitos. Isso porque, nos constituímos a partir de exemplos e pensamentos dantes elaborados e experienciados por nossos Mestres.

2.1 – ALGUMAS DISCIPLINAS

O subsídio do pensamento moriniano para a educação voltada a uma

epistemologia da complexidade está na relação entre teoria e prática, na idéia de que “tudo se

liga a tudo,” sendo no “aprender a aprender,” que o educador transforma a sua ação numa

prática pedagógica transformadora, surgindo então, novas possibilidades de uma práxis.

Segundo os princípios da teoria sócio-histórica, essas possibilidades tendem a

romper com os limites impostos pela dicotomia de tradição empirista que separa

externo/interno, social/individual, objetividade/subjetividade, teoria/prática. Essa abordagem

teórica propõe uma alternativa metodológica de pesquisa aos processos de construção do

professor no seu devir (IBIAPINA, FERREIRA, 2003).

PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teórica e prática? 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

ARNONI, M. E. B. Metodologia da Mediação dialética e o ensino de conceitos científicos. In: XII ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 2004, PUCPR, Curitiba. CD-ROM ISBN: 85 7292-125-7.

Carmen Rubira
Enviado por Carmen Rubira em 23/11/2009
Código do texto: T1940043