Oração e Ação (SERMO LXI)

ORAÇÃO E AÇÃO

Ora et labora

(reza e trabalha)

São Bento

O grande desafio da espiritualidade cristã é compatibilizar uma vida voltada para os apelos do Espírito na ambigüidade da vida material a que todos estão sujeitos. Não é escusado a ninguém, alienar-se em sua vida material, social, profissional, familiar, política, etc. É justamente nessas circunstâncias de nossa existência que devemos nos encontrar com Deus, sem fugir do mundo, mas relacionando-nos com o Infinito conforme nosso estado de vida.

Reside aí o desafio: viver uma vida cristã, espiritualizada e voltada para o alto, sem furtar-se à vida material e à dimensão sócio-fraterna inerente a esse tipo de vida. A palavra espiritualidade é compreendida como a ação do Espírito Santo no cristão; age nele e através dele. O que Jesus disse aos discípulos se aplica a todos, leigos, padres e religiosos:

Vocês são a luz do mundo... Não pode ficar escondida uma

cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma

lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para

colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todos os que

estão em casa. Assim também que a luz de vocês brilhe

diante dos homens para que eles vejam as boas obras que

vocês fazem, e louvem o Pai que está no céu (Mt 5,14s).

É fundamental que se insista na necessidade que os cristãos têm, independente de seu estado de vida, de descobrirem cada vez mais, eles próprios os caminhos de sua espiritualidade, de acordo com o estado de vida abraçado por cada um, sem que um queira viver em sua vida o tipo de espiritualidade do outro, conforme veremos no decorrer desta reflexão.

Não é difícil constatar que a nossa Igreja em geral não costuma valorizar adequadamente o potencial teológico-pastoral-missionário dos fiéis leigos. Embora haja uma ponderável plêiade de leigos e leigas bem preparados, poucos são chamados a exercer atividades que passem além da catequese básica, ministérios “extraordinários” ou serviços de “sacristão sênior”.

Certas paróquias, por exemplo, em seus tríduos, novenas e romarias, preferem as pregações de alguns padres, muitas vezes vazias e mais inconsistentes do que a oratória sacra e o testemunho de determinados leigos. Há certas pregações que se escuta por aí, que são um verdadeiro desastre!

O que se observa é que, em termos de espiritualidade, aos leigos é atribuída uma capacidade muito superficial, subalterna, de segundo plano, como se espiritualidade só fizesse parte da mística de ordenados e monges. Hoje é pedida aos leigos uma postura missionária. Pena que a própria Igreja limite demais o desenvolvimento dessa missão e desses carismas. E aquela história conhecida: “não fazem e não deixam fazer...”.

Há tempos, depois de alguns confrontos e incompreensões, um conhecido teólogo brasileiro, franciscano, pediu dispensa de seu ministério. Logo depois a Igreja anunciou que, em atendimento ao seu pedido, ele havia sido reduzido ao estado laico. Reduzido? A idéia de redução, se não estou enganado, se aplica a algo como um rebaixamento, o que não é o caso. Mesmo porque, como não eram sacerdotes nem integrantes de quaisquer hierarquias, Jesus e seus apóstolos eram leigos.

Eu entendo que nossa Igreja experimentará aquela expressiva atualização, uma renovação, de dentro para fora, preconizada desde João XXIII, quando aprender a aproveitar melhor o potencial profético de seus leigos, homens e mulheres. Para muitos, a espiritualidade dos leigos deve se restringir a três estágios:

a) ir à missa;

b) pagar o dízimo e ajudar a Igreja em suas necessidades;

c) assistir novenas, tríduos e procissões.

O fato é que o laicato arregimenta o maior percentual de pessoas, e não pode, qual uma massa meio informe, ser ignorado ou subutilizado como costuma acontecer. É fundamental que se insista na necessidade que os cristãos têm, cada vez mais, de descobrirem eles próprios os caminhos de sua espiritualidade, de acordo com a forma de vida abraçada por cada um, sem que um queira viver em sua vida o tipo de espiritualidade do outro, ou simplesmente se omitindo.

Deus quer que eu me envolva com ele, sem, no entanto, fechar os olhos à injustiça que sofre o irmão, o vizinho, o companheiro de caminhada. Essa opressão é uma tônica gritante na maioria dos países da América Latina. Em tudo ocorrem conflitos e desacertos. Na psicologia, vemos conflito, segundo as teorias behavioristas, como um “estado provocado pela coexistência de dois estímulos que disparam reações mutuamente excludentes”.

Simplificando, há quem defina, igualmente, o conflito como “profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes”. A vida humana e a existência dos cristãos não estão imunes, ocorrem em meio a muitos conflitos. O conflito possui diversos estágios, desde não-percebido, potencial, latente e manifesto. Na antítese do conflito surgem a misericórdia e a temperança como forma de organizar a vida cristã, mesmo sob o fogo do confronto.

A atitude cristã, como ensina São Paulo é a resposta à misericórdia de Deus. Ela abrange toda a existência concreta do homem. As propostas do mundo são variadas. Algumas delas são boas e outras conduzem ao conflito. Nessa conjuntura cabe a cada cristão oferecer a si mesmo como sacrifício vivo à vida e à justiça, sem se deixar contaminar pelo mal.

Não se amoldem às estruturas deste mundo, mas

transformem-se pela renovação da mente, a fim de distinguir

qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que é agradável

a ele, o que é perfeito (Rm 12, 2).

Eu notei desde que cheguei aqui, que muitos de vocês pertencem a “grupos de oração”. Vi todos falando e cantando, de forma entusiasmada no “fogo do Espírito Santo, na Palavra e na prática aos sacramentos, etc. São atitudes louváveis, salutares e piedosas, sem dúvidas, mas todas apontar para uma espiritualidade “para dentro”. E o que é feito em termos de evangelização, testemunho e atitude missionária “para fora”?

Ouvi falar muito em “A Palavra”, mas cabe perguntar sobre o que diz a Palavra? Fé e obras, oração e ação, escutar e colocar em prática. Não é assim?

A palavra de Deus é dinâmica; não pode permanecer presa em um templo, uma sala, um grupo ou uma ideologia. O pássaro só se mantém vivo porque voa. Com a Palavra de Deus acontece a mesma coisa. Se ficar restrita a simples reflexões, ela perde seu vigor. O verdadeiro cristianismo, exemplificado na construção de uma casa sobre a rocha (cf. Mt 7, 24) é “ouvir e colocar em prática”. São Tiago nos alerta que devemos ser executores da Palavra de Deus e não meros ouvintes (cf. 1,22).

A oração – ensinam os mestres beneditinos – é a procura da íntima união com Deus que se faz num diálogo pessoal e silencioso (oração particular) ou de maneira vocal e comunitária. O centro da vida de oração é a Celebração Eucarística, de que o cristão deve participar assiduamente. Nesse contexto a Missa alimentará cada vez mais os pensamentos, os afetos e os atos do seguidor de Jesus Cristo.

Essa dedicação à oração, no entanto, pode dar a alguns a sensação de uma espiritualidade completa, coisa acabada, salvação antecipada, onde apenas o ato de orar enfeixa toda a responsabilidade do ser-cristão. É o caso de alguns “grupos de oração”, onde... às vezes as pessoas usam e freqüentam como instrumento de fuga: “Nosso grupo está afinado, chegamos a rezar 1000 Ave-Marias numa só noite”. No entanto, se formosa olhar bem, a casa, o lar de algumas pessoas está uma bagunça, em todos os sentidos. Orar é salutar, mas precisa acontecer junto com a ação missionária.

Mesmo assim, é significativo o número de pessoas leigas, que se dedicam aos trabalhos eclesiais, como catequese, organização, eventos sociais e religiosos, administração paroquial, serviços e movimentos, assessoramento de cursos e encontros, além dos ministérios extraordinários, bem como serviços mais simples, porém relevantes e indispensáveis. Aos leigos ainda deveria ser oferecido mais espaço na Igreja.

Os leigos atuam na Igreja não por vocação, mas por con-vocação, uma vez que sua vocação específica e intransferível é a família, o mundo, as profissões, os direitos humanos e a comunicação. Aí eles devem perseverar e testemunhar de forma consciente e ativa seu ser-cristão.

A vocação específica na Igreja é dos padres, dos monges e dos religiosos. A convocação é posterior à vocação, e deve ser exercida sem prejuízo da primeira. Ou seja, não é lícito você trabalhar na Igreja se isso prejudicar sua atividade familiar ou profissional. A ajuda na Igreja não deve ser apenas eclesial “As sacristias estão cheias de gente!”, dizia Dom Helder Câmara.

Deve haver mais cristãos trabalhando no mundo, nas escolas, nas favelas, nos meios de comunicação, nas profissões, na política, etc. A carga do “Deus-empregador” é mais leve. Enquanto os chefes e patrões deste mundo oprimem aqueles que para eles trabalham, pagando – na maioria das vezes – salários injustos, exigindo um número exagerado de horas trabalhadas, o Deus da Vida, mesmo sem pagar nada (pelo menos formalmente) alegra seus operários, pois os faz saber que trabalham para uma causa divina, para o próximo e para a amorização (um neologismo de Teilhard de Chardin) do mundo.

Os leigos imbuídos de missões proféticas e pastorais precisam se colocar ao serviço do Reino em favor da causa dos pobres, dos oprimidos, dos que sofrem e dos que carecem do conforto da Palavra de Deus. A promoção social se insere privilegiadamente no terreno da ação evangelizadora. Quando a pessoa está cansada, nas diversas circunstâncias da vida, Jesus acolhe e alivia. Sua carga nunca é pesada demais.

O nosso “Deus-patrão” conhece nossas limitações e potencialidades, por isto jamais dá tarefas além de nossa capacidade. Do mesmo modo, ele nunca vai fazer alguma coisa que nós poderíamos ter feito e não fizemos. O milagre existe, sim, mas jamais para suplementar nossa preguiça ou omissão. Ao contrário de tantos patrões que há por aí, Deus é justo, bondoso e reconhece nosso esforço.

Se todos esses “operários de Deus”, pelo mundo afora, cumprissem fielmente suas missões, se unissem e pensassem mais no outro do que em si próprios, não teríamos um mundo melhor, uma sociedade mais justa e famílias mais bem estruturadas? O que nos falta, então? Uma “atitude” de evangelização, transformadora, baseada na solidariedade...

O agir é uma conseqüência natural e necessária da própria condição humana; agimos porque vivemos. O cristão, membro do povo de Deus, existe e é destinado a produzir muitos frutos, a tornar os irmãos participantes da redenção, libertadora e salvadora, comprometendo o mundo com Cristo, a fim de modificar suas estruturas, ordenando este mundo, ajudando a recriá-lo, segundo o plano de Deus.

A vocação cristã é, por sua natureza, também vocação para o apostolado. E não é possível admitir um apostolado estático. Todo o apostolado, para se assemelhar a às práticas de Paulo, Pedro, João, Tiago e os demais amigos de Jesus, deve ser algo revestido daquele dinamismo que o Espírito Santo suscita nos que acolhem ao chamado do Mestre.

Como no organismo de um corpo vivo, nenhum membro se

comporta de maneira meramente passiva, mas, unido à vida

do corpo, também compartilha a sua operosidade, da mesma

forma no Corpo de Cristo... “Tão grande é neste corpo a

conexão e a coesão dos membros” (cf. Ef. 4,16). O membro

que não trabalha para o aumento do corpo segundo sua

medida, deve considerar-se inútil para a Igreja e para si

mesmo. (Vaticano II – AA 2).

É o lema "Ora et labora" que dá estrutura a toda a vida cristã funciona como mola propulsora, a partir dos ensinamentos de São Bento. A oração significa a atitude definitiva do cristão, principalmente sob a forma de adoração, louvor e gratidão ao Senhor. É ela que alimenta e aprofunda a união da criatura com o Criador, e leva o cristão a participar, cada vez mais, da vida trinitária. É por isto que a oração ocupa um lugar de destaque em nossa vida cristã.

O trabalho é forma de disciplina e ascese, como também de transformação do mundo segundo o plano e os desígnios do Criador. O cristão se santifica não apesar do trabalho, mas mediante o trabalho. Este há de ser assumido não apenas como meio de subsistência, mas no intuito de servir a Deus e ao próximo.

Quem ora devidamente, se habilita a trabalhar em espírito

de louvor e adoração a Deus, como o fez o Divino Mestre

quando se dignou trabalhar com mãos humanas, pensar com

inteligência humana, agir com vontade humana, amar com

coração humano (Vaticano II – GS 22).

Em termos de atividade, a nossa Igreja, infelizmente, em muitos lugares, é mais litúrgica (sentada) do que missionária (dinâmica). Quando a gente fala em desenvolver um “projeto missionário”, ir à rua a procura das “ovelhas desgarradas”, de levar o evangelho àqueles que ainda não conhecem a boa-notícia, todos acham maravilhosa a idéia, mas tudo fica na mesma. Fica “tudo combinado e nada resolvido”.

O grande problema é que se fazem reuniões demais, às vezes todas as noites da semana, para tratar assuntos ocos, sem a mínima ressonância prática, de onde nada ou pouca coisa resulta.

Os movimentos leigos tendem a fazer seus participantes cair naquela anestesia de gueto. Há dias escutei um padre falar que tais encontros não convertem e não evangelizam. De que adianta fazer um encontro, onde 140 casais “trabalham” e 50 fazem, se nas semanas posteriores não se tem noticia da vida cristã deles? Há como que uma retração ao serviço. Muitos só vão aparecer no próximo ano (se não antes, em festas e jantares) para “trabalhar” em novos encontros. Isto não é evangelização!

Os que vêm diuturnamente aos templos não precisam tanto ser evangelizados quanto os que estão lá fora, e que são a maioria. Isto nem sempre é tratado com o devido cuidado. É difícil desinstalar as pessoas e provocar uma ruptura na inércia das estruturas. Ficamos sentados, esperando que eles venham à missa, à novena e pagar o dízimo e não saímos de porta-em-porta a anunciar a novidade do Reino.

Em matéria de espiritualidade gostamos mais de receber do que dar; ouvir do que falar; ser ajudado do que ajudar. Enquanto isto as seitas (eu assisti nesta semana na tevê) festejam a presença de 50 mil pessoas numa jornada de avivamento. Sabem de onde saíram essas pessoas? De nossos templos! E por que saíram? Talvez porque a nossa mensagem (se é que houve) não os seduziu.

Sem a ação do leigo, cristã e evangelizadora, a Igreja deixa de executar oarte de sua missão essencial: evangelizar. A tarefa de evangelização não pode ficar restrita apenas aos padres e aos religiosos. Todos têm o dever e a obrigação “botar a mão na massa”. Um membro da Igreja, portanto, não pode ficar parado, em auto-contemplação, no estudo ou na oração.

Incorporado ao Ressuscitado e à Igreja, ele dá a todos os atos de sua vida e a todas as estruturas onde atua, uma ponderável dimensão cristã. Mas há obstáculos! Claro que há! Dentro de nós habita um homem velho, preguiçoso e tendente ao “deixa para depois”. Estes são os principais obstáculos.

Conta uma fábula, extraída do sonho de um místico contemporâneo, que uma enorme pedra caiu sobre numa estrada bloqueando-a completamente, impedindo as pessoas de passarem. As reações foram diversas; uns sentaram e começaram a choramingar. Outros, apenas cruzaram os braços; alguns se mostraram indiferentes ao problema e deram volta. Um rapaz tentou ajudar; pegou um galho que estava ali perto e tentou fazer uma alavanca para mexer a pedra. A pedra pesava demais e o galho não agüentou e quebrou. Um homem, no entanto, foi buscar ferramentas adequadas, convocou outras pessoas, e todos começaram a atacar a enorme pedra. Aos poucos a pedra foi sendo quebrada. Dos pedaços grandes fizeram alicerces; os pedaços menores serviram para muros. Os cascalhos foram empregados em pavimentar a estrada. Após a realização de todo o trabalho notaram, que debaixo da pedra havia uma boa quantidade de pedras preciosas, que foi repartida entre os que tiveram a coragem de derrubar o obstáculo. Cada um tire suas conclusões.

A ação cristã no mundo deve ser prioritária e ter a mística como embasamento. A mística, porém, deve ser um meio e não um fim. Todas as exortações teóricas da Igreja apontam para um desdobramento necessário dos cristãos no sentido de uma relação vertical com Deus e horizontal com os irmãos. É o ora et labora dos filhos de São Bento. Isto é evangelizar!

E evangelizar, nunca é demais enfatizar, é levar, dentro de uma situação concreta, a boa notícia do Reino de Deus, comunicada aos homens por Jesus Cristo, na força do Espírito Santo, ao homem todo e a todos os homens, para transformá-los a partir de dentro, de modo que essa boa notícia tenha eficácia aqui e agora.

A missão de evangelizar é a mais profunda identidade do povo de Deus. São Paulo chega a afirmar “ai de mim se eu não evangelizar!”. Evangelizar é absorver as lições de espiritualidade e anunciar a novidade de Jesus, dizendo que a salvação está à nossa disposição: “vocês serão meus amigos se fizerem o que eu mando... se produzirem frutos (cf. Jo 15).

A espiritualidade requer de todos uma visão de fé prática, mística e crítica, em mesmas proporções. Nesse particular a fé vê o invisível, espera o impossível e recebe o inacreditável. Vivemos na carne com olhos no Infinito; movimentamo-nos na matéria, com o desejo das realidades sobrenaturais; caminhamos na esperança, expectando a certeza. Espiritualidade é uma atitude humana, prática, com conseqüências espirituais. Nessa firme convicção, Jesus deve ser para nós o Senhor que salva e liberta.

Você não precisa ser um brilhante orador para levar o evangelho aos outros. Basta dar um testemunho de amor, partilha, participação. Sua atitude será sempre um argumento eloqüente; não são necessárias palavras; basta o gesto fraterno. Como agir, então, para praticar uma efetiva atitude cristã, que vá além das palavras?

• ser competente, responsável e comprometido com as suas

atividades;

• fazer desabrochar o germe do cristianismo presente em

todas as realidades, tantas vezes escondido e asfixiado pelo

egoísmo, explorações, corrupções e interesses escusos;

• ser bom pai/mãe/amigo/amiga/esposo(a), pessoa coerente,

justa e correta em todas as circunstâncias da vida;

• estar sempre disposto a servir desinteressadamente ao

próximo, sem esperar recompensa, jamais se omitindo, não

se acomodando nem se deixando levar pela preguiça ou

pela “instalação”.

Agindo desta forma, em paralelo com a oração, com a freqüência aos sacramentos e pela meditação da Palavra, o cristão contribui:

• para que os costumes sejam mais sadios e puros;

• para que as leis se tornem mais justas e igualitárias, fontes

da autêntica inspiração cristã, e voltadas para o bem comum;

• para que a sociedade humana seja mais impregnada do

verdadeiro amor cristão, mais moralizada e mais fraterna;

• para que o trabalho e as profissões, as estruturas políticas,

sociais, econômicas sejam mais fraternas, verdadeiros meios

de promoção da dignidade humana.

A Igreja de Cristo – e todos devemos batalhar nesse sentido – deve ser uma instituição que transforma e se transforma. É a nossa ação cristã que deve transformar o mundo. Se ele não é o que desejamos é porque ainda não conseguimos implantar nele os frutos da verdadeira atitude cristã. Nesse particular, ou nossa ação cristã é transformadora ou deixa de ser cristã.

Não se pode, de forma alguma, confundir ação cristã com assistencialismo, paternalismo ou esmola. É preciso sentir na ação o mistério da graça de Deus agindo através de nossa atitude. Devemos orar, sim, pedindo a Deus que nos inspire ao apostolado e às atividades missionárias. A oração é o primeiro passo, é a instância que nos vai dar o apoio para algo maior que é a atitude missionária, a evangelização e o serviço à sociedade.

A ação praticada pelos cristãos deve ser profunda, e como profunda, crescente, autêntica e participativa. E por isso transformadora. A transformação deve ser a “pedra de toque” que identifica a nossa ação. Se conseguiu transformar, é ação cristã. Caso contrário, ainda há alguma coisa a ajustar.

Jesus Cristo, certamente lamenta pelos que viram as costas à pregação de seu evangelho e às palavras de sua Igreja e de seus profetas e pastores. Ele não nos quer forçados, mas disponíveis, alegres e por inteiro. Ao verdadeiro cristão cabe compatibilizar fé e ação, oração e atitude missionária; tudo com equilíbrio e sem exageros. Se um irmão precisa de algo vital para sua sobrevivência, e nós, cegos à realidade, dizemos “vá em paz, vou orar por você”, será que estamos justificados perante Deus?

Esta é uma situação comum de acontecer. Quantas vezes notamos irmãos em condições dramáticas e, em vez de assumirmos sua causa, prometemos apenas incluí-los em nossas rezas? Claro que a oração, como carro-chefe da nossa espiritualidade tem uma força imensa quando praticada com fé. Mas, em algumas ocasiões, orar é tentar o Espírito Santo, quando a solução depende de nós, de nos mexermos, assumindo nosso papel, de acordo com o que a situação se nos impõe (A. M. Galvão - As obras da fé. Ed. Ave-Maria, 1993).

O compromisso cristão não se reduz à simples prática de atos de religiosidade, de assistencialismo social e atitudes de bom comportamento, às vezes vazios de conteúdo evangélico. Atitude cristã é, antes de tudo, uma vida capaz de provocar um despertar de consciência, na luta contra o mal, contra as estruturas escravizantes, para o soerguimento do homem e conseqüente instauração do Reino de Deus.

O autor é Pregador de retiros de espiritualidade e Doutor em Teologia Moral. Excerto de meditação em um retiro realizado numa comunidade em Três Lagoas, MS, em 2002.