A LEI DO BAFÔMETRO

Um susto que se emenda com outro a cada minuto se formos acompanhar o dia inteiro as notícias que chegam acerca de acidentes automobilísticos. Uma morte a cada 15 minutos segundo os últimos dados da polícia rodoviária. Acho que isso não é senão uma guerra sem que haja um inimigo declarado. Nenhuma é justificável, mas os números não se assemelham àquela guerra quando alguém elege um inimigo e resolve combatê-lo com armas. É muito maior e silencioso (ou esparso).

Os carros saem das fábricas cada vez mais velozes e potentes e caem nas mãos de motoristas cada vez mais furiosos. As rodovias estão cada vez mais desgastadas, mal traçadas, maltratadas. Sem contar que mais cheias, uma vez que a frota vem crescendo como cresce a população (acho que até mais).

É curioso como as pessoas se comportam enquanto pedestres e enquanto motoristas. A fragilidade manifestada à pé, de ônibus, trem ,metrô ou bicicleta, se transforma subitamente em agressividade quase descontrolada quando se assume um volante. É o poder que o carro (falsamente) imprime na pessoa? É a sensação de potência transferida diretamente do motor para o cérebro humano? Como pode se manifestar um comportamento solidário no trânsito sendo que em tudo somos indivíduos (particulares e individualistas)? E sendo o carro uma máquina auxiliar ao sentimento de (pre)potência, não se transforma em uma arma? E sendo uma arma não estaria sujeita ao mesmo uso que fazemos se fosse uma arma de fogo, pelo poder de letalidade? As armas em tese não nos protegem e ao mesmo tempo não intimidam o outro dependendo da circunstância e da intenção com que elas estão sendo usadas?

Existia uma lei que nas letras era rigorosa com os infratores das regras de trânsito. Esta lei não era cumprida e não havia punição exemplar. Criou-se lei mais rigorosa, também no papel, para punir com rigor aqueles que abusam do álcool para dirigir. Mas, se nem a anterior era cumprida, a sensação de impunidade não prevalece com a nova lei? Em Belo Horizonte há um caso exemplar do homem do pijama que virou notícia nacional: o mesmo cidadão foi preso por três vezes, em todas embriagado, não perdeu sua habilitação (ou a recuperou), foi preso, solto, preso, solto, preso, solto. Se houver condenação final, daqui a não se sabe quanto tempo, ela será cumprida em regime fechado ou transformada em serviços comunitários ou doação de cestas básicas? Isso não encoraja outras pessoas, mesmo as bem intencionadas a se arriscarem a cometer algum deslize?

A lei garante à pessoa recusar-se a fazer o teste do bafômetro sob o argumento de que ninguém é obrigado a produzir prova conta si mesmo. Ora, mas se não tiver bebido, qual o problema em se fazer o teste? Não haveria, também em tese, o que temer. E o direito coletivo, não conta? É mais fácil punir alguém que está prejudicando toda uma coletividade ou deixar toda uma coletividade à mercê de um sujeito em nome de um direito individual sem perspectiva da pagar algum preço pelo descumprimento de uma lei que (também em tese) deve ser igual para todos? Claro que o direito individual deve ser garantido sob pena de justiçamento sumário. Mas a questão é com relação à primazia do individual em detrimento do comunitário, quando se trata especialmente de situações que envolvem qualquer um , em qualquer lugar que venha a ser colocado sob o risco iminente de ser afetado em sua integridade física ou moral.

Se concordamos com o sistema jurídico em que estamos inseridos, que canais podemos usar para fazer prevalecer o efetivo direito coletivo sem prejuízo das garantias individuais? Quanto de nossa responsabilidade deixamos delegada sem que tomemos atitudes para mudar aquilo que não contempla a satisfação dos nossos direitos?

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 23/11/2009
Reeditado em 23/11/2009
Código do texto: T1938936
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