CREPÚSCULO DA ESPERANÇA
Após a minha redenção, após ter me reconciliado comigo mesmo, de ter efetivamente ativado o que há de religioso em mim (religião=religare. religação) exatamente me religado a mim mesmo, não a um ser inexistente, foi que comecei a prestar atenção, coisa que já fazia, na sanha vingativa de nossa sociedade.
É possível o homem ter esperança na melhora dele mesmo? Vamos ver.
O direito mesmo, o que é?
O direito é uma maneira de vingar-se daquele que te fez um mal. Maneira capenga e ridícula, diga-se de passagem. Quando alguém é punido, tal punição tem a missão de castigá-lo principalmente, muito mais do que corrigi-lo, de torná-lo sociável, pois ninguém se torna melhor por meio de castigos.
Torna-se sim, medroso e astuto. O medo e a astúcia farão com que o “criminoso” pratique suas iniqüidades de maneira mais inteligente, para que dificilmente seja pego.
A interrogação que me vem à cabeça é a seguinte:
Queremos punir no outro aquilo que nós mesmos praticamos? Queremos que nosso próximo pratique uma moral que por nós não é praticada?
Castigamos o nosso “irmão” pelos erros e defeitos que muitas vezes não praticamos por termos medo de praticar ou somos astutos o suficiente para não sermos descobertos?
Ora, há um criminoso latente em mim. Há também um adúltero que me persegue todo santo dia. Assim como há um assassino que às vezes quer agir, mas que eu consigo contê-lo. O ladrão que há em mim, quando vejo em outro, condeno-o e quero que apodreça no xilindró.
Quem foi o imbecil que instituiu um ideal de moralidade impraticável? Quem não pratica os pecados e os crimes que incrimina nos outros?
Claro; os seus pecados e crimes, amado leitor, possuem uma justificativa plausível, há um motivo nobre por detrás da sua devassidão, não?
A diferença entre aquele que pratica o crime e aquele que não o faz é apenas de coragem. O primeiro não mede as conseqüências e efetiva sua vontade, o segundo, mais astuto, possui a mesma vontade e o mesmo ímpeto, contudo consegue reprimir a mesma vontade que o primeiro não soube conter, ou consegue escamotear suas inúmeras faltas.
Desconfie de todo moralista, todo aquele que costuma bradar contra os criminosos e clamar ardentemente por justiça. Na verdade essa concepção de justiça é exclusiva e pessoal dele, não algo verdadeiro, universal e necessário.
Esse “justo” não passa de um hipócrita inveterado. Uma pessoa que conhece pouco da alma humana e não conhece nem a si próprio. O criminoso que ele condena está latente dentro do seu próprio peito, pronto para explodir a qualquer momento.
Somos uma sociedade que tem na vingança um ideal de justiça. Sabemos perfeitamente que essa “justiça” não tem melhorado em nada a sociedade.
Aliás, meu camarada, o homem é assim mesmo. Assassino, adúltero, ladrão e cruel. Desde que há registro de atividade humana, há necessariamente essa essência humana de não ser como “deveria ser”.
Isso vai terminar um dia, o homem vai melhorar?
Claro que não!
Se com todo o peso moral que carrega, toda religião, todos os “salvadores” da humanidade que já passaram por aqui e não melhoraram o homem, nós vamos esperar o quê?
Esperança?
Um ídolo que também terá que ser estraçalhado por nossa britadeira.