Contrastes
Em um fim-de-semana do mês de julho, conseguimos enxergar, bem perto de nós, o contraste ético e comportamental que perpassa a vida do ser humano, percorrendo nossas vidas naquela dialética do bem e do mal, onde a mesma coisa que satisfaz convive com aquilo que enoja, e o que produz vida reparte espaços com fatos geradores de morte. Enquanto alguns ainda se deliciavam com a lembrança das belas imagens da Grécia da novela “Belíssima”, outros afirmavam um sentimento de saudade das desordens sentimentais de “Dona Safira” e seus sete maridos, bem como das velhas matronas a refocilar nos serviços de um “garoto de programa”, enquanto a vilã, retratando uma realidade nacional, festeja sua impunidade fugindo para o exterior com malas cheias de dinheiro.
Lamentavelmente, este é o panorama da tele-dramaturgia brasileira, chamado de “novela”. Quando a maioria dos brasileiros ainda vivia a ressaca de “Belíssima”, o diretor global Manoel Carlos, disse que seu novo trabalho “Páginas da Vida” será um espetáculo chocante, tratando de uma forma nua-e-crua os descaminhos da sociedade brasileira. Quem pensava ter visto tudo em Belíssima – afirmou – vai ver muito mais em “Páginas da Vida”. E concluiu sua fala com uma frase que sintetiza seus objetivos: “Felicidade não dá Ibope!”. Quer dizer, felicidade, fidelidade, harmonia familiar, ética, isto não dá sucesso em uma novela, mas , de outro lado, violência, troca-troca de casais, enganos, vilanias, adultérios, crise de moral, é isto que enche os bolsos das audiências televisivas.
A proposta do diretor é exibir mais quebras de paradigmas morais, mais crises de ética e mais rompimento de decoro. Segundo ele, é isto que o povo aprecia. Será? E se todos essas peripécias morais, familiares, com os filhos, com o dinheiro acontecessem em nossa casa, em nosso lar ou em nosso ambiente de trabalho, a gente ia gostar? Por que nos escandalizarmos com a corrupção, a infidelidade e a incoerência de alguns políticos, se é isto que gostamos de ver em nossos “espetáculos”? Por que nos indignarmos se o cônjuge “pula a cerca” se é por isto que torcemos?
Na nova novela – e o trailer – evidencia isto, o que não falta são traições, casais cinqüentões (em idade de serem comportados avós) sendo infiéis a seus compromissos, gravidez indesejada afligindo os jovens, fraudes nos negócios, falcatruas, etc. Será que nas páginas da vida só existe isto?
Por coincidência – e por contraste – naquele fim-de-semana, em Valencia, lá na Espanha, o Papa Bento XVI abriu um encontro de estudos e debates teológicos a respeito do projeto de Deus para as famílias. A ênfase do conclave passou pela necessidade de os membros das famílias se amarem assim como Deus ama a humanidade, e Cristo tem amor sua Igreja e por ela se entrega. O Papa repetiu, mais de uma vez, a célebre frase de João Paulo II: o futuro da humanidade passa pela família.
Como Igreja-doméstica, a família, ao exemplo do lar de Nazaré, é o esteio capaz de sustentar a sociedade, que vive imersa num torvelinho de materialismo, sensualidade e corrupção. O significativo número de pessoas que acorreu ao evento (quase dois milhões) foi lá em busca de um alento, de uma motivação para multiplicar, cada um em seu país, em seu ambiente, as conclusões do debate, as premissas da Igreja, a palavra inspirada do Papa.
Enquanto alguns apostam na infelicidade e na perda de estrutura do modelo social e familiar, a Igreja, tomando por base o exemplo de José e Maria, bem como de milhares que famílias, vem, que por séculos afora demonstrando a viabilidade da união de duas pessoas sob o influxo do amor de Deus. Esta foi a tônica dominante do encontro, cujos frutos ainda serão repartidos nos debates, nos cursos e nas homilias por muitos anos. Enquanto os hedonistas buscam, na liberalidade dos costumes, preconizar que o fashion é o descompromisso, e que cada um é livre para dar curso a seus desejos, a Igreja, através de Bento XVI nos ensina que a moda, que nunca passa, é o amor; que a instituição perene é a família; e que o casamento une duas vocações, de santidade, de paternidade, de cidadania e de entrega. Por isso se diz, nós os casais unidos há mais de quarenta anos, repetindo Padre Zezinho, “...Que marido e mulher não se traiam nem traiam seus filhos...”.
Em Valencia, a revelação de um prelado presente ao conclave encheu a todos de surpresa e estupefação. Na Espanha, um dos poucos países em que se admite o “casamento” homossexual, é ilegal alguém se referir a união de homem e mulher, pois lá a realidade é outra. Ora, se fosse esse o desígnio do Criador, ele teria criado Adão e Ivo, ou Eva e Ivã. E não como ocorreu.
Nos mesmos dias, na mesma Espanha, milhares de jovens preferiram, na festa de San Firmin, correr atrás dos touros, ou sendo perseguidos por eles, nas ruas da medieval cidade de Pamplona, colocando suas vidas em risco. Muita gente saiu ferida nesse confronto do racional com o irracional. É o contraste da vida humana.
O encontro de Valencia traz aos católicos do mundo uma exortação e um compromisso. Primeiro, testemunhar a pujança da família cristã, num mundo tão corrompido; depois se empenhar vigorosamente para a manutenção da vida conjugal e familiar, como sementeira de vocações e modelo para a sociedade; por último, que todos se unam para combater as agressões que as forças do mal, segmentos da mídia, leis inadequadas (divórcio, aborto, casamentos homossexuais) e o laxismo moral vêm organizando contra a família, entidade desejada a partir do coração de Deus.
Uns procuram fixar-se na segurança de seus lares. Outros correm atrás da adrenalina de tantos riscos que trazem Ibope mas não dão vida. Aqui, por fim, os extremos nos vêm através de dois homens de cabeça branca: um diretor de tevê e um papa. Um quer dar reter audiência, obter lucro e manutenção do emprego. O outro só pensa no amor das pessoas, em prestar um serviço às famílias, incentivar a estabilidade da sociedade, a harmonia dos lares e a solidariedade no mundo. Ele faz tudo isto de graça. Um aposta na infelicidade para faturar; o outro deseja que todos sejam felizes. Dois idosos, duas “cabeças brancas”; quantos contrastes!
Antônio Mesquita Galvão
Doutor em Teologia Moral