A partilha do abraço e do pão
Num dia desses, ainda dentro das festividades do meu aniversário, surgiu a oportunidade de reflexão sobre a partilha do abraço e do pão. Duvido alguém que goste mais de festejar seu aniversário do que eu. Como as dependências de minha casa não são lá muito grandes, e por possuir uma larga lista de parentes e amigos, tenho que estabelecer aquelas festividades por seções, por grupos de afinidade, por circunstâncias e disponibilidades. Entendo que a alegria das festas que se faz em família, reunindo amigos e companheiros são uma prefiguração da festa que ocorre no céu. Há a diferença, é claro: nossas festas têm fim, na hora que todos os convidados vão embora, enquanto que no céu os convidados permanecem e a festa nunca tem fim.
Pois, numa dessas, era uma luminosa manhã de maio, reuni amigos e parentes para festejarmos a vida. Na hora de servir o almoço, veio-me uma idéia. Lá em casa a gente sempre costuma orar nas refeições, e especialmente quando vem visitas, para que estas entrem no clima. Uma vez, em João Pessoa (PB), veio um General, um chefe de guarnição, jantar conosco. Era 1982, um tempo de ditadura, em que as CEBs e os Movimentos Eclesiais eram malvistos pela repressão. Pois na hora da comida, dei a Bíblia para o General, com um texto previamente escolhido, que ele simpaticamente leu, e mais, durante a refeição fez equilibrados comentários sobre o texto que havia lido.
Eu dizia que, agora maio em 2006, na hora do almoço, veio-me uma idéia à cabeça. Ao invés da usual reza do Pai-Nosso, de mãos dadas, apanhei um pão sobre a mesa, tirei um pedaço e o passei à Carmen, convidando todos a partilharem o pão, enquanto carinhosamente se abraçavam. Falei rapidamente na necessidade premente de nossa sociedade brasileira em partilhar, socializar o pão e repartir a ternura, através do abraço. Todos emocionadamente aderiram à sugestão.
Em sua antológica “Oração pela Família”, padre Zezinho recomenda que a família celebre a partilha do abraço e do pão, dentro de um contexto eminentemente evangélico e evangelizador. Jesus em sua trajetória pela poeirenta Palestina não fez outra coisa senão preconizar essa atitude, como sinal do reino que estava se instaurando no meio dos homens.
A realidade de nossos dias é cruel. Em nosso país, a disparidade de renda, de propriedade e de representatividade social é gritante, assimétrica e injusta, e por esse motivo produz miséria, sofrimento e revolta. Enquanto os homens públicos, de todos os Poderes da República, só pensam em seu bem-estar e na continuidade de suas carreiras e esquemas de sustentação, o pobre é oprimido, passa necessidade, sofre com o desemprego, a falta de moradia e de terra para plantar, e por causa vai perdendo seus referenciais de vida, e quem sofre mais com isto é a família, a mulher, as crianças. Por conta disto, instala-se como que um império de egoísmo, onde cada um vive para si, perde-se o sentido da solidariedade e da partilha. A idéia geral é cada um acumular, cada vez mais.
Isto é capaz de gerar, além do rompimento do equilíbrio do tecido social, um mal-estar de vontades, uma revolta diante do fechamento, tudo conduzindo a uma perigosa indiferença, que pode ser a gênese de muitos problemas psicossociais. Os impostos elevados a níveis imorais e absurdos, o aviltamento dos salários, a falência da justiça, a emergência do sistema bancário, a perda das garantias trabalhistas e de outros direitos sagrados, criam no ser humano uma atitude de impotência e de indignação, capazes de conduzir a comportamentos fora dos parâmetros da ética e da cidadania. A família absorve em sua estrutura todos esses percalços, dissolvendo-se e dando à sociedade – não-raro – indivíduos desestruturados, quando não marginais ou sociopatas.
Diante desse assalto e da desfaçatez moral, fica muito difícil, quando não impossível, celebrar qualquer tipo de partilha, uma vez que a sociedade, que deveria dar a primeira instância a dar o exemplo, se omite, se esconde e se encastela em seus projetos individualistas.
o autor é Doutor em Teologia Moral