BURO(BURRO)CRACIA
Sempre que entro num cartório ou me vejo ante um burocrata fazendo exigências nada razoáveis, como formulários ou relatórios que ninguém vai ler, eu fico com saudades do Hélio Beltrão. Para quem é muito novo, explico quem foi Hélio Beltrão. Foi o Ministro Extraordinário da Desburocratização, no governo do presidente Figueiredo. Lá no início da década de 80. Ele se esforçava em fazer com que os brasileiros não concordassem com exigências estapafúrdias. Dizia que a palavra dita teria de voltar a ter valor. Eliminou o reconhecimento de firma na maioria dos documentos.
Mas, como todos nós, foi eliminado pela burocracia. A desburocratização perdeu. Provavelmente teria mais sucesso nos dias atuais, quando o povo, ao se revoltar contra uma medida administrativa, não é tachado de subversivo, nem comunista, como acontecia na época da ditadura dos militares. Era a ditadura dos quartéis brigando contra a ditadura dos papéis. Uma delas caiu, a outra criou musculatura.
Por que tanta burocracia? Por que essas filas enormes em frente aos cartórios apenas para receber um atestado de que a assinatura é verdadeira? Por que isso precisa ser feito em cartório? Fiz-me essa pergunta uma infinidade de vezes. Essas e outras: Um contrato com firma reconhecida garante o cumprimento de todas as cláusulas? Quem assina tem mais credibilidade porque tem um carimbo de R$ 2,70 abaixo de sua assinatura? Por que a gente não consegue encontrar vaga para estacionar na frente de um cartório? Normalmente há duas vagas tomadas por carros importados do ano pertencentes aos “donos” do tabelionato. Qualquer comerciante que esteja em busca de freguesia deixa seu carro longe deixando a vaga em frente para clientes. Cartório não precisa cultivar clientes. Pode até escarnecer.
Mas, por que tanta burocracia? A resposta parece óbvia: na nossa santa terrinha não há punição para a mentira. Quando uma instituição ou uma pessoa exige o reconhecimento da sua assinatura num documento, ele está afirmando: “Você não merece confiança!” Todo compromisso, formalizado ou não, deveria merecer respeito. A palavra dada por quem apresenta um documento deveria ser respeitada. Sim, porque ela tem valor. O brasileiro não é mais malandro que qualquer outro. Acho até que ele é muito honesto.
Um sistema implantado numa grande cidade fornecia e fornece alvará de funcionamento por internet. De mais de um mil alvarás assim expedidos somente quatro tinham sintomas de fraude. Menos de meio por cento. Isso mostra que facilitar as coisas não é permitir fraudes, mas sim responsabilizar a palavra empenhada de quem busca facilidades, não malandragem.
Em outra época estava contratando uma empresa de vendedores em São Paulo. Queria cercar-me de garantias e exigir que o escritório fosse responsabilizado pelo risco da venda a crédito. Um senhor, na casa dos sessenta, disse-me uma verdade que nunca mais esqueci. Explicou-me que ao elaborar o cadastro são tomadas todas as precauções. Todos os documentos são checados. Mas, com o relacionamento amadurecido, a maioria dos pedidos grandes é feito por telefone, sem nada que se pudesse chamar de registro. (Na época não havia internet.) Assim, nem se poderia ter certeza que do outro lado estivesse realmente a pessoa que dizia estar. Se fosse perder o sono por causa disso, talvez nenhum negócio chegaria a ser realizado. “Os maiores golpes são praticados por aqueles que têm um cadastro impecável”, finalizou.
A formalidade e a burocracia têm sua necessidade. Mas no final, tudo se resume a uma questão de confiança. Talvez devamos indignar-nos toda vez que alguém exige o reconhecimento de firma, uma vez que a mera apresentação de documentos deveria ser suficiente. Com isso muito menos pessoas bem nutridas estariam perdendo um tempo produtivo em filas de cartório.
Luiz Lauschner – Escritor e Empresário
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