POR UMA REAL DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é recente na história contemporânea, tendo surgido no Pós-Guerra como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. É naquele cenário que se desenvolve o esforço de reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea.
Até à aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948 reunida em Paris, a proteção dos direitos humanos era embrionária, fragmentada e basicamente defensiva face aos abusos e monstruosidades cometidas pelos Estados, bem como os horrores que se viveram durante a segunda grande guerra mundial.
Desde esta época de transformação social e de uma nova mentalidade que emergia, a evolução e extensão destes direitos tem sido vertiginosa, constituindo hoje os direitos humanos uma temática nova e em permanente desenvolvimento, ultrapassando a dimensão da soberania dos Estados ou governos. Hoje, entre as entidades que exercem justiça em questões de violação dos direitos humanos, não estão apenas os Tribunais Nacionais, mas também efetivos Tribunais Internacionais reconhecidos pelos Estados ou criados no âmbito das Nações Unidas, como os Tribunais Especiais (como os criados para os crimes cometidos em Ruanda e ex-Iugoslávia).
Uma das principais preocupações desse movimento foi converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional. Diante da crescente consolidação dos direitos humanos, pode-se afirmar que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos invocam uma consciência ética contemporânea compartilhada pela maioria dos países soberanos, na medida em que celebram um consenso internacional acerca de temas centrais ligados à dignidade humana.
Este processo de universalização dos direitos humanos propiciou a formação de um sistema de normas internacional de proteção, fundado no valor da primazia da pessoa humana. Tal sistema interage com o sistema nacional ou local de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e proteção de direitos fundamentais, para que ocorra a efetivação da equidade social e de gênero humano, conciliando o princípio universalista da igualdade com o reconhecimento das necessidades específicas de grupos historicamente excluídos e culturalmente discriminados, mas devendo sempre respeitar as diversidades culturais e religiosas, desde que estas não firam os direitos fundamentais da pessoa.
Assim, os direitos humanos fundamentais podem ser entendidos como o conjunto de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.
O princípio da dignidade da pessoa humana é cada vez mais abordado no cotidiano dos países que se autodenominam democráticos. Deixou de ser apenas um mandamento moral para ganhar a força coercitiva do Direito. Na ordem jurídica brasileira, por exemplo, ele foi estabelecido como fundamento do Estado Democrático de Direito no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Mas é necessário compreender em que consiste dignidade humana. Dignidade da pessoa humana é atributo que decorre simplesmente da humanidade do indivíduo. Ser pessoa humana é suficiente para que se tenha uma dignidade que exige o mais profundo respeito alheio.
A dignidade da pessoa humana é colocada no ápice do ordenamento jurídico e encontra na família a base apropriada para o seu desenvolvimento. As relações familiares são, portanto, funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe. Seu foco primordial é o reconhecimento fundamental da igualdade de todos os indivíduos em dignidade, bem como liberdade, e esta por sua vez seria a opção pelo modo de viver, pensar e agir conforme os seus próprios desígnios. Esta dignidade é de certa forma irrenunciável e inalienável, e irá qualificar o indivíduo de modo geral perante toda a sociedade, independentes da época ou período histórico-evolutivo.
A dignidade existe basicamente para que o indivíduo possa realizar, total ou parcialmente, as suas necessidades básicas que tanto precisa. Ingo Wolgang Sarlet, conceitua dignidade da pessoa humana como sendo uma “qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, pág. 60).
Partindo da premissa de que somos todos Seres Humanos, dotados de direitos e deveres, bem como atributo essencial de dignidade, faz-se importante compreender e internalizar que, ao se cometer um crime, seja este qual for, contra a dignidade de um indivíduo, está-se, concomitantemente, cometendo-se um crime contra a própria Humanidade, contra nós como espécie.
Denota daí a importância da real defesa dos Direitos Humanos, fundamentados no Direito Natural e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reconhecem a dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, sendo que, o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade.
Mas a violação dos Direitos Humanos não repousa apenas sobre povos, etnias ou ideologias, mas também sobre indivíduos que sofrem violência e abuso de poder, onde frágeis alicerces culturais e/ou religiosos fortalecem condutas indignas contra a mulher, a criança e o idoso. É essencial a todos a liberdade de palavra, de crença e liberdade de viverem a salvo do temor, da opressão e da escassez dos recursos inerentes à necessidade básica de vida. A violência não é característica física apenas, é também moral e psicológica, e não basta se ter órgãos competentes de proteção dos Direitos Humanos, quando indivíduos oprimidos não conhecem estes direitos, ou ainda pior, não se reconhecem como indivíduos.
Os direitos individuais e coletivos repousam tanto na defesa da vida, quanto no acesso à alimentação e água potável, saúde, educação, habitação, nome, filiação e nação. Bem como na defesa em casos de tortura, prisões arbitrárias, mutilações e impacto ambiental.
A real defesa dos Direitos Humanos não está restrita a órgãos públicos ou privados (ONG’s) e muito menos na defesa de uma classe ou categoria de indivíduos apenas, mas é dever de todo cidadão, pois defender tanto seus direitos como os de outrem é exercer sua cidadania, que nada mais é do que a busca de uma vida digna.
O Estado está a serviço do bem comum, ou seja, deve assegurar a defesa destes direitos, sendo que a pessoa prevalece sobre o próprio Estado. “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se por em vez dela qualquer outra coisa equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade” (KANT, 1986, p. 87). Desta forma, temos a pessoa humana como valor e a dignidade humana como princípio absoluto, que deve prevalecer sob qualquer outro princípio.
Mas para centenas de cidadãos, a proteção de sua dignidade é absolutamente um confronto diário, onde muitas vezes, seus valores são postos em prova, pois inclui viver em meio a batalhas campais entre polícia e bandidos, tornando-os reféns do descaso do mesmo Estado que deveria garantir-lhes seus direitos, condenando-os ao medo, à desesperança e ao sentimento de indignação, frente aos pressupostos básicos à sobrevivência.
A real importância de defender os Direitos Humanos remete-nos à consciência de que, por sermos pessoas, temos direitos inerentes à nossa condição humana. Faz-nos ainda refletir sobre a exclusão e opressão sociais a que estivermos sofrendo, em algum momento de nossa existência social. Sofrendo-se a exclusão e opressão social podemos resistir e manifestarmo-nos para que os direitos humanos violados possam ser repostos ou garantidos.
Imagem: senhoradolago18.spaces.live.com