O espaço entre vida e morte representado por recursos sonoros, no poema "Vazio", de Dante Milano

Vazio, de Dante MIlano

O pensamento à toa

Que se perde no espaço.

E além, sem deixar traço

De si, o olhar que voa.

Um invisível fio.

O equilíbrio de uma ave

Na vertigem suave

Do voo no vazio.

Sob a aparente calma,

Esta inquieta, esta aflita

Vacuidade infinita

Para o respiro da alma...

No poema “Vazio”, de Dante Milano, nota-se uma relação de sentido entre os recursos sonoros utilizados pelo poeta e a ideia a ser expressa.

Partindo do tema central do poema, pode-se dizer, grosso modo, que o eu-poético faz uma reflexão sobre o espaço que há entre a vida – esta considerada como um vazio, conforme verifica-se na seguinte estrofe: “Um invisível fio / O equilíbrio de uma ave / na vertigem suave / Do vôo no vazio” – e a morte, esta considerada com um vazio ainda maior, como um “vácuo”: “Sob a aparente calma / Esta inquieta, esta aflita / Vacuidade infinita / Para respiro da alma...”

Vejamos, agora, como o poeta utilizou os recursos linguísticos e sonoros para representar este pensamento.

Na primeira estrofe, é macante a presença dos seguintes sons: a vogal nasal /e/, a vogal oral /a/, a sibilante surda /s/ e as consoantes oclusivas surdas /p/ e /t/. A aliteração da sibilante surda /s/, no decorrer da estrofe, transmite a ideia de espaço e, a esta ideia, é possível acrescentar uma outra, de amplidão, expressa pela assonância da vogal oral /a/, ou seja, a vida está presa a um espaço amplo, um vazio. As consoantes oclusivas /p/ e /t/ têm um traço explosivo, um som duro, que não se prolonga, podendo, assim, representar esse “estar preso” da vida àquele espaço (O pensamento à toa / Que se prende no espaço). No entanto, existe também o uso recorrente da vogal nasal /e/ que transmite a sensação de um prolongamento, isto é, a vida está presa a um determinado espaço, mas, ao mesmo tempo, ela se prolonga, se estende para além dele (E, além, sem traço / De si, o olhar que voa). Podemos, portanto, dizer que há, nesta estrofe, um paradoxo na concepção de vida do eu-lírico (ao mesmo tempo em que a vida parece estar presa a um espaço, está se prolongando para outro, o da morte). Inclusive, a sugestão sonora presente nesta estrofe de que a vida se prolonga, se estende, está representada pela metáfora presente no quarto verso da primeira estrofe “o olhar que voa”.

A partir da segunda estrofe, a ideia de continuidade, de prolongamento da vida para um outro espaço fica mais explícita, e, para representá-la, o poeta utilizou-se da aliteração das consoantes constritivas /f/ e /v/, que sugerem sons de certa duração, imitam sopros, vento, e podem, metaforicamente, representar o passar da vida como um vento, um voo (O equilíbrio de uma ave / Na vertigem suave / Do vôo no vazio), a assonância da vogal oral /i/ (sugere um som estridente, de grito contínuo que parece não acabar) representa o passar da vida, que parece não acabar com a morte, mas prolongar-se para além dela, mas sugere, também, uma outra interpretação, a de pequenez, como se essa passagem, esse percurso entre vida e morte fosse quase imperceptível, invisível (“Um invisível fio”). Esse sentimento de que o eu-lírico aproxima-se da morte está expresso, nesta segunda estrofe, pela vogal oral /o/ que sugere a sensação da escuridão e medo que precedem a morte.

Na terceira estrofe, o eu-lírico chega ao que ele chama de “vacuidade infinita”, uma metáfora da morte, como um vazio ainda maior que o da vida. No entanto, a morte não é apresentada com um fim, pois, novamente, tem-se o uso recorrente da vogal oral /i/ que, como já foi dito, passa uma ideia de “continuidade”, como um grito que parece não findar. Em vista disso, pode-se dizer que, mesmo após a morte, há uma continuidade, a morte não é o fim. Essa afirmação é ainda mais reforçada novamente pela aliteração das consoantes constritivas /f/ e /v/ (bastante utilizadas na segunda estrofe) que também representam a já citada "continuidade". Porém, a presença marcante da consoante oclusiva /t/ nesta última estrofe estabelece um novo paradoxo no poema, desta vez, sobre a morte, pois essa aliteração - que tem um traço explosivo, de um som que não se prolonga - poderia representar a morte como um fim, mas, como fica bem claro no próprio poema, a morte como um fim é uma ilusão para o “respiro da alma” (“Sob a aparente calma / Esta inquieta, esta aflita / Vacuidade infinita / Para respiro da alma...”). Além disso, é possível notar o uso, ainda mais recorrente que na primeira estrofe, da vogal oral /a/, para expressar a ideia de amplidão. Inclusive, nesta última estrofe, ele deixou esse som bastante evidente até mesmo em versos em que ele poderia ter feito elisão ou crase das vogais (“Esta inquieta, esta aflita”), mas não o fez, pois quis, com isso, expressar a mesma ideia de amplidão, de vazio da vida, presente na primeira estrofe, ainda com mais ênfase em se tratando da morte, pois essa possui um vazio ainda maior que o da vida, é uma “vacuidade infinita”.

Esta interpretação de que a morte não é o fim, de que ela não completa o ciclo da vida, está sintaticamente expressa no decorrer de todo o poema, pois este não apresenta nenhuma oração completa, não há verbos nocionais na construção do mesmo. Além disso, a pontuação com a qual o poema foi concluído - com reticências - deixa margem para se pensar em algo inacabado, que continua: (“Sob a aparente calma, / Esta inquieta, esta aflita / Vacuidade infinita / Para respiro da alma...”).