O Muro de Água - Edgard Steffen

ARTIGO - [ 14/11 ]

Notícia publicada na edição de 14/11/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A;

O Muro de Berlim foi por água abaixo. O pedaço-símbolo da invisível cortina, que cercava o bloco soviético, ruiu em pouquíssimo tempo

O bicho-homem gosta de construir muros. A Grande Muralha da China mostra que isso vem de muito longe. O muro que separa Israel da Cisjordânia ou aquele que o Governo Carioca pretende construir nas favelas são provas de que ainda se procura erguer muralhas para cercar problemas. O clamor pode derrubá-los, como aconteceu em Jericó (Josué, 6:20).

O Muro de Berlim foi por água abaixo. O pedaço-símbolo da invisível cortina, que cercava o bloco soviético, ruiu em pouquíssimo tempo. Era a batalha final da Guerra Fria, derradeiro e decisivo combate no qual estouros e clarões não vieram de bombas ou canhões, mas de fogos de artifício, em regozijo pela abertura do odioso obstáculo que separava as duas Alemanhas.

Aos 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim começou a ser derrubado depois de 28 anos de existência. Nele - 66,5 km de extensão por 4 metros de altura, gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes eletrificadas e 255 pistas para guardas e cães ferozes - tentavam impedir a saída de cidadãos do “paraíso” soviético. Antes da queda, manifestações populares pediam, entre outras coisas, liberdade de ir e vir entre os dois países, artificialmente criados na divisão do butim da II Grande Guerra.

O golpe decisivo para a derrubada foi um mal-entendido entre instâncias de governo na República Democrática Alemã. Na tarde daquele dia, em conferência de imprensa, transmitida ao vivo na televisão, um membro do Politburo, anunciou a decisão do conselho dos ministros de abolir completamente restrições às viagens ao Oeste. A decisão deveria ser publicada no dia seguinte, para dar tempo de informar todas as agências governamentais.

Diante do precipitado anúncio, milhares de pessoas marcharam aos postos fronteiriços e pediram passagem. Nesta altura, nem unidades militares, nem unidades de controle dos passes haviam sido instruídas. Pela força da multidão, e porque os guardas não sabiam o que fazer, a fronteira abriu-se. Cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Regada a muita cerveja, gente que nunca se tinha visto, antes daquele momento, trocava abraços.

Entramos na Faculdade poucos anos após o término da guerra mundial. Durante o curso fomos contemporâneos de quatro refugiados da Cortina de Ferro: um húngaro, uma polonesa e um casal de alemães. Todos haviam passado muito medo para, clandestinamente, cruzarem fronteiras. Em sua saga, Karl e Katherina, além do medo, passaram também cansaço, frio e fome. Fugiram a pé. Durante o dia, escondidos, dormiam em alguma ruína, celeiro vazio ou no meio do mato; usavam a noite para caminhar. Certa feita, na periferia de vilarejo, a fome bateu forte. De onde estavam escondidos, divisaram pequena padaria; sobre o balcão, vistoso pão. A fome era tanta que resolveram arriscar. Entraram e, enquanto a mulher distraia o dono especulando sobre o que havia e quanto custava, Karl apanhou o desejado pão, escondendo-o sob o capote. Depois que saíram da padaria, correram na velocidade e distância que suas combalidas forças o permitiram. Corações ainda disparados, pelo esforço e pelo medo, sentaram-se na relva para se fartarem com o troféu. Não era comestível. O vistoso alimento era massa de vidraceiro, moldada e pintada a fim de parecer pão.

A grande diferença do regime capitalista com o derrotado socialismo stalinista é que naquele não existem muros, porque não existem fugas. Perdão, me expressei mal. Existem fugas sim! Dinheiro mal amealhado costuma fugir para paraísos fiscais.

Quem não precisou construir muros, para segurar sua gente, foi o camarada Fidel. Muro d’água cerca a ilha, onde educação, saúde e esportes venceram... em detrimento das liberdades e do empreendedorismo.

Órfã da União Soviética, para manter o regime, a ilha caribenha está se jogando no colo do companheiro Chaves. Obama, qual novo Moisés, poderia abrir esse muro d’água. Cubanos iriam entender que nem todas as mazelas que acontecem na ilha são causadas pelo bloqueio imposto pelas nações capitalistas.

Se você acha que a vitória sobre o socialismo ditatorial é definitiva, convém lembrar: Capitalismo sem democracia pode ser o pior dos regimes. Valorize sempre o seu voto!

Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 14/11/2009
Código do texto: T1923911