Pichar é Legal?
A Carta Magna de 1988 assegura à coletividade o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida.
Em outras palavras, o constituinte procurou estabelecer uma regra jurídica de harmonia e respeito ao ambiente físico que ocupamos. Deste modo, o legislador passou através de legislações esparsas seguindo o mandamento constitucional, a proibir comportamentos nocivos à interação dos seres vivos com os elementos constitutivos do ambiente, considerando como valores básicos à sobrevivência humana, o respeito ao meio ambiente.
Seguindo este entendimento, passou a ser considerado como dever da coletividade preservar o meio ambiente, conscientizando-se de sua relevância à essencialidade para a vida humana, e incumbindo ao Poder Público a sua defesa, protegendo-os para que não sejam expostos a ataques ou a lesões efetivas.
Partindo deste principio, devemos compreender o que efetivamente é meio ambiente e qual a sua relação com o crime de pichação.
O que é Meio Ambiente?
- “é o conjunto no qual o homem está inserido, dele dependendo para sobreviver biológica, espiritual e socialmente.” ministro Edson Vidigal.
Definição Legal: Lei nº 6.938/81, art 3º, inciso I, "o conjunto de condições, leis, influências e interações da ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
O que é Meio Ambiente Artificial?
É o espaço urbano construído, edificações de maneira geral, e pelos equipamentos públicos, os quais seriam o espaço urbano aberto, ou seja, é toda a construção realizada pelo homem nos espaços naturais, sendo uma transformação daquilo que seria o meio ambiente natural no meio ambiente artificial.
Tendo como parâmetro ambas as definições, podemos visualizar claramente a sua relação (meio ambiente) com o Crime de Pichação, deste modo, seguimos para outro entendimento de suma importância que vem a ser, quais os ramos do Direito que atuam diretamente quando do cometimento de uma pichação.
Lei Penal:
Conceito: Estabelece as relações do cidadão com o Estado e vice-versa, define crimes e prevê sanções.
Fundamento: É tornar possível e proveitosa a vida em sociedade.
Relações do Direito Penal com outras ciências: O Direito Penal só é utilizado na insuficiência dos outros ramos do Direito.
Crime e Contravenção Penal
Crime: Tem na sua essência a contrariedade entre a conduta humana e o ordenamento Jurídico.
Infração Penal: É o gênero dos quais são espécies o crime ou delito e a contravenção penal. Classifica-se a infração penal em um sistema bipartido, onde o legislador considerando de maior ou menor gravidade tipifica uma ação ou omissão considerando-a crime ou contravenção penal.
Crime ou delito: Infração mais grave. Conduta humana ilícita que contrasta com os valores e interesses da sociedade, decorrente de uma ação ou omissão, definida em lei, necessária e suficiente para que ocorrendo faça surgir o "jus puniendi" do Estado. Os infratores sujeitam-se as penas de detenção e reclusão. O crime não tem definição legal.
Contravenção Penal: Infração menos grave ("crime anão") por definição do legislador, são punidas apenas com multa ou prisão simples e estão arroladas na Lei de Contravenções Penais.
Diferença de crime e contravenção penal está na violação de um bem Jurídico de mais ou menos gravidade, sendo para o crime as infrações de maior gravidade e conseqüentemente a contravenção às infrações de menor gravidade, conforme tipificação penal onde as penas são de reclusão e detenção (para o crime), e prisão simples e multa (para a contravenção).
Ato Infracional
Conforme o que dispõe a Lei n.º 8069/90 Estatuto da criança e do adolescente em seu art. 103 e seguintes:
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
Geralmente nos casos onde figura como infrator, crianças e adolescentes, o primeiro procedimento é acionar o Conselho Tutelar, para que o mesmo acompanhe o fato e realize as ações de praxe. Cabe lembrar que o conselho tem contato direto e competência legal para atuar junto a Vara da Infância e adolescência.
Por ser um Ato Infracional, a ação que contraria a norma penal, quando praticada por pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos, cabe lembrar que as punições geralmente serão aplicadas através de medidas sócias educativa.
ESFERA PENAL
1 - Segundo a Legislação Penal, Lei de Crimes Ambientais, Lei Federal n° 9.605/98, pichação é crime, vejamos:
“Art. 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de detenção, e multa.”
A prática de pichar, grafitar ou de qualquer forma conspurcar edificação ou monumento urbano, sujeita o infrator a até um ano de detenção, além de multa. Se o ato for realizado em monumento ou prédio tombado em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena poderá ser de seis meses a um ano de detenção, com multa.
2 - Existe a possibilidade ainda, de se utilizar cumulativamente o disposto no artigo 134 do Código Penal, onde menciona sobre o Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem. Sendo dois ou mais infratores e um destes incentivando (induzindo), o outro a por em perigo a sua própria vida, já podemos considerar o preenchimento do verbo proibitivo contido na norma jurídica, vejamos:
“Art. 132. Expor a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente:”
Nesta situação se um dos infratores denunciar o outro pela indução (exposição) pode-se considerar o presente dispositivo legal. Lembrando que muitas vezes, ao buscar a concretização da ação delitiva (pichação), os infratores escalam, se equilibram, ou colocam as suas vidas em perigo das mais diversas maneiras possíveis.
3 - Por fim, podemos somar ao crime de pichação o dano propriamente dito, pois, uma coisa é pichar outra é danificar, se houver o crime de dano ao patrimônio quando da "escalada" ou "projeção" de objetos, ou na ação de pichar, grafitar ou conspurcar, bem como, durante a permanência dos pichadores no local, podemos aplicar o seguinte dispositivo legal:
Dano
Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Dano qualificado
Parágrafo único - Se o crime é cometido:
I - com violência à pessoa ou grave ameaça;
II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave
III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;
IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
Lembrando que, os crimes de dano praticados contra o patrimônio público, são considerados como dano qualificado, aumentando para até três anos de detenção, quando da aplicação da pena.
ESFERA CIVIL
O Código Civil Brasileiro considera o dano como ato ilícito, determinando que o causador efetue a respectiva reparação, transferindo a responsabilidade no caso de incapaz ao seu responsável.
Ressalta ainda que, a reparação civil independe da criminal, pois ambas tratam de esferas distintas devendo ser avaliado pelo juízo competente.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
“Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.”
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;”
“Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
ESFERA ADMINISTRATIVA
Tratando do crime de pichação praticado em específico no Município de Curitiba, dentro da esfera administrativa iremos discorrer sobre a evolução da legislação municipal e a sua atual aplicação em relação ao infrator.
Inicialmente o Código de Posturas e Obras do Município através da Lei nº 699/53, tratava sobre o assunto, nos artigos 770, 808 e 827, neste caso, em especial a pichação era objeto de destaque apenas no artigo 808, ficando as demais condutas (consideradas atualmente pela Lei de Crimes Ambientais como espécie do gênero), descritas nos demais artigos.
Art. 770 - Sob pena de multa e obrigação de ressarcir o dano causado, é proibido nas praças:
d) - danificar bancos ou removê-los de um lugar para outro, ou neles escrever ou gravar nomes ou símbolos;
e) - cortar ou por qualquer modo danificar muros, grades, pérgulas ou obras-de-arte;
i) - colocar anúncios ou símbolos.
Art. 808 - As Igrejas, os templos e as casas de culto são locais tidos e havidos por sagrados e, por isso, devem ser respeitados, sendo proibido pichar suas paredes e muros, ou neles pregar cartazes.
Art. 827 - Nos cemitérios é proibido:
c) - rabiscar nos monumentos ou nas lápides tumulares;
e) - praticar atos de depredação de qualquer espécie nos túmulos ou dependências;
g) - pregar cartazes ou fazer anúncios nos muros ou portões;
k) - prejudicar, danificar ou sujar as sepulturas;
l) - gravar inscrições ou colocar epitáfios sem o visto da administração;
Em 1996 a Prefeitura Municipal de Curitiba, através da Lei nº 8984/96, passou a proibir tanto o comércio de tinta spray, quanto a pichação, prevendo punição financeira (multa), ficando com o seguinte texto:
“Art. 1º. Fica proibida, aos estabelecimentos comerciais e pessoas físicas ou jurídicas em geral, a venda de tintas acondicionadas em recipientes de pressão (tinta spray) para menores de 18 (dezoito) anos de idade, no Município de Curitiba.”
Pena: multa de 1.785,50 UFIRs
Reincidência: multa de 3.571 UFIRs;
Segunda reincidência: cancelamento do alvará de funcionamento, e multa de 3.571 UFIRs.
Para o cumprimento desta lei, os estabelecimentos e pessoas que negociarem "tinta spray", deverão preencher cadastro do comprador, sendo obrigatório exigir a apresentação da carteira de identidade e extrair nota fiscal ao consumidor. Devendo ainda, mensalmente, repassar cópia do cadastro de compradores a Polícia Civil do Estado do Paraná e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
“Art. 4º. As pessoas que forem surpreendidas, pichando imóveis do patrimônio histórico, monumentos, bancos de praças, viadutos, casas, prédios, muros, e outros bens públicos ou particulares, sem autorização do proprietário, ficarão sujeitas à multa de 714,20 UFIRs (setecentas e quatorze, vírgula, vinte Unidades Fiscais de Referência), independente da indenização pelas despesas e custas da restauração.”
§1º Se o infrator tiver menos de 18 (dezoito) anos de idade, a responsabilidade pelo pagamento da multa prevista no "caput" deste artigo e da indenização das despesas e custas da restauração, cabe aos seus pais ou responsáveis legais.
§2º Se o infrator tiver mais de 18 (dezoito) anos de idade, além das cominações previstas no "caput" deste artigo, fica impedido de participar em concurso público municipal pelo prazo de 02 (dois) anos, contados da data da infração.
Por fim, a Lei nº 11.095/04, revogou a Lei n.° 699/53, e manteve a proibição administrativa, prevista na Lei n.º 8984/96, fixando o valor da multa em R$ 400,00, (quatrocentos reais), e acrescentando a possibilidade da “grafitagem” desde que autorizada pelo proprietário do imóvel. Ressalte-se que os demais dispositivos da Lei n.° 8984/96, permanecem em vigor, sendo afastada apenas a aplicabilidade dos dispositivos que forem contrários a nova lei Municipal.
“Art. 100. É proibido pichar, desenhar ou escrever em muros, fachadas, colunas, paredes, postes, árvores, abrigos de paradas de coletivos, placas de sinalização, equipamentos de mobiliário urbano, monumentos ou qualquer lugar de uso público e privado.
Parágrafo único. Mediante autorização do proprietário do imóvel e obedecida a legislação específica, poderá ser executada a pintura artística em muros e fachadas de edificação.”
Pena - Multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais).(Art. 301.)
Parágrafo único. A multa será aplicada ao responsável.
Considerações Finais
Atualmente está em trâmite o projeto de Lei n.° 706/2007, que passa a considerar os grafites como uma conduta legalizada (diferente da pichação), desde que exista o consentimento do proprietário, tendo como definição o seguinte:
Grafite: “a prática que tem como objetivo valorizar o patrimônio público e privado mediante a manifestação artística sob o consentimento de seus proprietários”.
Quanto à pichação ou a grafitagem sem o consentimento do proprietário do imóvel, atualmente em Curitiba tem se adotado a prática de:
O pichador adulto preso é encaminhado pela Polícia Militar ou pela Guarda Municipal a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente.
O pichador adolescente apreendido é encaminhado para a Delegacia do Adolescente. Segundo dados divulgados na imprensa, em 2007 foram registrados 93 casos e em 2008, foram, 82 casos de pichação, nesta Delegacia especializada.
Para ter uma idéia da quantidade de pichações feitas na cidade pode-se ter como exemplo os dados da guarda municipal, que atendeu 755 ocorrências desta natureza no ano passado (2008), que resultaram em 142 detenções.
Em Curitiba a pichação e o grafite são incluídos em uma lei municipal, que prevê pena pecuniária aliada à proibição de participar de concursos públicos municipais por dois anos. A lei vale quando a pessoa é detida por um guarda municipal ou por fiscais da secretária municipal do urbanismo.
Em outras cidades não tem sido muito diferente, temos como exemplo o caso nacionalmente conhecido da “mulher que pichou a Bienal de SP”.
Como resultado ficou presa 53 dias, e após o julgamento foi condenada a quatro anos de prisão em regime semi-aberto por ter pichado a Bienal de São Paulo, em outubro do ano passado.
Concluísse assim que, pichar não é legal além de ter todas as suas complicações de acordo com a esfera de competência e o dano propriamente dito.