"A Cabana de Deus"
Análise sobre a obra “A cabana”, de William P. Young
Logo no início do Livro há uma metáfora pouco notada pelos leitores dessa obra. O protagonista do enredo, junto com sua mãe, são surrados e espancados várias vezes pelo pai alcoólatra, que dá uma de religioso hipócrita de raízes puritanas. O pai representa Deus, um ser que não dá a mínima para o filho, o qual representa a humanidade, e para a terra, que nesse caso é mãe, que na mitologia grega era chamada de Gaia. Álcool em latim é escrito “spiritus”, por tanto um Deus sempre alcoolizado, cheio de seu “espírito santo”(spiritus), que não enxerga nada sobre o que o rodeia, é um ser moralista, violento, sádico, que não se importa nem um pouco com sua criação, que acha que pode fazer o que quer. O filho, representando a humanidade, mata o Pai (Deus) envenenando-o. Essa metáfora nos alude ao pensamento de Nietzsche, que em sua obra filosófica afirma que nós somos os assassinos de Deus, e que agora estamos livres para construir nosso próprio destino. No decorrer do livro, Deus critica a “vontade de poder e independência” do homem, o que é uma crítica a uma das idéias construídas pelo filósofo Nietzsche.
“A Cabana” simboliza a câmara da dor, o local onde devemos enfrentar face-a-face nossos temores para vencermos a dor e todos os efeitos que ela gera na alma humana: medo, angústias, sofrimento, raiva, revolta contra tudo. A maioria das pessoas foge da dor, e se esconde em seus casulos dogmáticos, buscando uma pseudo-segurança, conforto, estabilidade emocional e financeira, e vivendo todo o decurso de suas vidas fugindo da dor.
De todos os livros sagrados que já li, e de toda a teologia que já estudei sobre diversas religiões, credos, e doutrinas, essa trindade que foi construída no livro foi a que me tocou, mexendo com minhas emoções e sentimentos. Seria ótimo que essa trindade tão poética, quimérica, utópica, cheia de boas intenções e de amor realmente fosse real, e existisse da forma que o autor discorre e descreve no enredo.
Basicamente a questão chave da obra é a seguinte: se Deus é amor e tão misericordioso como a bíblia o retrata no novo testamento, e como Ele próprio diz ser no livro em questão, por que Ele não acaba definitivamente com o mal? Por que Ele permite tanto dor, tantas guerras, assassinatos, crimes hediondos, tanto sofrimento a raça humana que Deus chama de “meus amados filhos”? Se Ele é onipotente, então por que não acaba com o mal e o caos que assolam a vida das pessoas?
O personagem Mack faz várias perguntas aos três seres divinos, tentando compreender a sua própria dor e tristeza, ao perder sua filhinha assassinada, e também todas as injustiças que ocorrem no mundo. Os três respondem que todas as desgraças que há no mundo foi devido a escolha humana de querer se tornar independente, e de querer governar suas próprias vidas.
Em um treco do livro, o Papai (Deus) diz que já sabia que Adão e Eva o desobedeceriam, comendo da árvore do bem e do mal. Pergunta: se Ele já sabia, por que Ele não os impediu, por que ele colocou aquela justa árvore alegórica que serviria de tropeço e queda para toda a humanidade?
Se Ele já sabia, e poderia ter feito tudo de modo diferente, evitando todos os terrores que há na vida do ser humano, mas mesmo assim continuou com seu plano divino, isso demonstra que Deus é sádico, pois no livro ele mesmo diz: “Eu crio um bem incrível a partir de tragédias indescritíveis, embora isso não signifique que as orquestre”.
Ora, quem permite qualquer mal na vida de uma pessoa, sabendo que poderia evitar esse mal que machucará tanto a pessoa em questão, quanto as outras pessoas ligadas a esta pessoa, tal ser é deveras conivente com esse mal praticado, e conseqüentemente Ele tem sim uma parcela de responsabilidade sobre o mal praticado. E o que é ser “conivente” segundo o dicionário? É quem finge não ver, ou encobre o mal praticado por outrem. Partindo desse significado, quem encobre o mal praticado por outrem participa de uma certa forma no mal praticado. Logo Deus, existindo, e sendo onisciente e inerte, na suposta declaração que o autor descreve que Deus respeita o livre-arbítrio de cada indivíduo, Ele é também responsável por todo mal que há neste mundo.
Um dos pontos que considero positivo sobre o Deus de W. P. Young é sobre a questão do pecado: Deus afirma que não castiga ninguém pelos pecados. “O pecado é o próprio castigo, pois devora as pessoas por dentro”. Em outra passagem do livro, Jesus diz a Mack que é judeu, e que a trindade criou sim os dez mandamentos e a lei mosaica, e que Jesus cumpriu toda a lei para nos libertar da maldição da lei, e para que vivêssemos em sua graça, em um relacionamento de unidade com o Espírito Santo, Jesus e Deus. Esse princípio remete claramente as epístolas do apóstolo Paulo o qual escreveu sobre isso aos Gálatas e aos Romanos.
Em vários trechos Deus e Jesus dizem a Mack que não criaram nenhuma hierarquia eclesiástica, nem novas leis e regras para seus filhos seguirem. Por que o autor pega apenas certos princípios contidos na bíblia, como o mencionado acima, e não os demais que existem no novo testamento? Por exemplo, nos quatro evangelhos, Jesus fala mais no fogo eterno, e no inferno, do que propriamente no Paraíso, como que tentando incutir medo nas mentes das pessoas para que o cressem e o seguissem. E o apóstolo Paulo fala sobre várias coisas que o povo de Deus deve cumprir, como novos mandamentos sagrados. Então, percebemos vários contrastes entre o Deus criado pelo autor e certos dogmas e princípios bíblicos que uns ele retira nitidamente da bíblia, e outros ele exclui, porque provavelmente ele não concorda, e não aceita. Então, vemos que o Jesus criado pelo autor, que se diz ser não cristão, e que “quer transformar em filhos e filhas para Deus” pessoas de distintas religiões, como budistas e muçulmanos, sem porém torná-las cristãs. Como Jesus, que se diz judeu no livro, e que faz parte da indecifrável trindade, pode transformar em filhos de Deus budistas e muçulmanos, sendo que eles nem o consideram Deus, e nem o redentor de seus pecados?
É muito complicado o que o autor tenta propor, se o próprio Jesus nos evangelhos exigiu de seus discípulos e apóstolos para: “ide a todo mundo, e pregai o evangelho a toda criatura. Quem crê e for batizado será salvo, mas quem não crê será condenado”.
Outros dois pontos fundamentais que o autor não aborda em seu livro são os seguintes: Em nenhum momento do livro, o personagem Mack, e nem a indecifrável trindade falam ou comentam sobre Satanás. Em um trecho do livro, os personagens vêem anjos de Deus. Mas quanto a Lúcifer, por que ele foi omitido em toda a trama do livro? Qual o real motivo disso, sendo que nos evangelhos Jesus atribuiu várias doenças, as quais ele curava nas pessoas, a causas demoníacas, a espíritos imundos, a satanás, que segundo Jesus é o governante do sistema desse mundo? Em nenhum momento do livro, é mencionado e analisado essa questão. Por quê? Bem, eu penso que esse assunto não foi tocado devido Deus, sendo como Ele mesmo afirma no livro ser onisciente, Ele já sabia que ao criar Lúcifer o mesmo se tornaria o pai da mentira, a origem de todo mal e de toda iniqüidade, logo Deus criou a origem do mal, e conseqüentemente criou o próprio mal. O autor não aborda essa questão porque seria mais um outro ponto negativo pra lá de complexo em relação a Deus.
E a outra grande questão, a grande pergunta que jamais é tocada pelo personagem Mack, e nem pela indecifrável trindade é sobre a origem de Deus. Qual o motivo do autor não mencionar e nem discutir sobre esse ponto? Simples, ele não tem resposta, o autor sabe que não tem explicação para isso. O enredo do livro não toca no cerne principal sobre Deus: como Ele se originou? Como um ser consciente pode ser sempiterno, isto é, não tem origem e nem fim?
O livro trata e discorre sobre os argumentos de Deus tentando ajudar um homem com suas aflições e questionamentos. Mas o grande questionamento é totalmente castrado: de que forma ou como Deus sempre existiu? Essas duas questões omitidas pelo autor, e que são de suma importância para entendermos melhor a existência, são deixados de fora.
A questão central do livro “A cabana” é sobre a questão do mal, da iniqüidade, do sofrimento que permanecem sempre constantes em um mundo supostamente criado por um Deus cheio de amor, compaixão, e perdão. Mas o problema do mal, e sua permanência atroz, que para muitos teólogos é a mais poderosa objeção contra o teísmo tradicional é apenas um argumento que vai contra a existência de um Deus bom. A bondade não faz parte da definição da hipótese de que Deu existe, ela não passa de um acessório desejável e manipulável por mentes que extravasam misticismo. As pessoas com tendências espirituais são sabidamente e com freqüência cronicamente incapazes de distinguir a verdade, a veracidade real das coisas e dos fatos, em prol daquilo que elas gostariam que fosse verdade. E o nosso autor em questão deste bom romance fictício denominado “A Cabana” é uma dessas pessoas, que utilizando suas idiossincrasias de forma estratégica sobre seus “achismos” sobre Deus, Jesus e o Espírito Santo, construiu uma boa trama físico-espiritual, contudo sua obra está repleta de contrates teológicos, e descartou as principais questões existenciais e espirituais propositalmente, pois o mesmo sabia que se ele tentasse se aprofundar nessas mesmas questões, o autor entraria num labirinto inescapável.
Finalizo esta análise com um trecho de um artigo publicado por um cientista e um biólogo, publicado no jornal The Guardian:
“Por que Deus é considerado explicação par tudo? Ele não é_ é a não-explicação, o dar de ombros, um “sei lá” enfeitado de espiritualidade e rituais. Se alguém atribui alguma coisa a Deus, isso geralmente quer dizer que ele não faz a menor idéia, por isso está atribuindo a coisa a uma fada celeste imperscrutável e incognoscível. Peça uma explicação sobre de onde veio aquele cara divino, e são enormes as chances de você receber uma resposta vaga, dúbia, e pseudo-filosófica dizendo que ele sempre existiu, ou que não pertence à natureza, ou que ele está acima de nossa intelecção. O que, é claro, não explica nada.”
“A origem de Deus é mais divina do que ele próprio.” (Fernando Pessoa)
Gilliard Alves