RECORDANDO BANANEIRAS-I
RECORDANDO BANANEIRAS ( 1 )
Por Aderson Machado
Corria o ano de 1966 quando, ao ser aprovado no exame de admissão ao ginásio, e, no esplendor dos meus treze anos de idade, deixara eu, com lágrimas nos olhos, o doce convívio do Lar para ir estudar no então Colégio Agrícola Vidal de Negreiros, situado na zona rural do município de Bananeiras/PB, distante um quilômetro da sede do município.
Confesso que não foi nada fácil a minha adaptação a essa nova realidade, na medida em que acabara de concluir o curso primário numa escola da zona rural, era tímido e me sentia um tanto quanto imaturo, o que dificultou deveras o meu relacionamento inicial com os novos colegas, oriundos dos diversos rincões do nosso país.
Para ilustrar essa minha imaturidade, vale relatar aqui uma cena que aconteceu logo no primeiro dia que cheguei no Colégio. Um irmão, que já era veterano nesse Educandário, me apresenta a um seu colega de turma. Este se dirige pra mim, como de praxe, e diz: “Prazer em conhecê-lo”. E eu: “ Muito obrigado!”. Este fora apenas um dos deslizes cometidos por mim, até me tornar uma pessoa “civilizada”.
A propósito desse meu irmão, gostaria de frisar um outro fato até certo ponto hilariante, porque inusitado. Como o nome dele é José Mendonça da Costa, e o meu, Aderson Machado de Oliveira, tornava-se difícil convencer os nossos colegas, bem como os demais funcionários e professores, que éramos mesmo filhos do mesmo pai e da mesma mãe!
Na verdade, os que duvidavam – e com muita razão – do nosso parentesco, não tinham culpa pelo fato de meu pai – de saudosa memória – não ter tido o devido cuidado, na hora de registrar os seus filhos, de usar os mesmos sobrenomes...
A qualidade do ensino do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros – CAVN – era bastante eficiente. Com efeito, quem não fosse aplicado o suficiente, não passaria de ano. E vale lembrar que o regulamento do Colégio era por demais rigoroso. Assim, quem fosse reprovado duas vezes seguidamente, perderia a sua vaga para outro aluno. Ademais, o regime disciplinar não era menos rigoroso, o que fazia com que andássemos na “linha” para não sofrer algum tipo de punição.
A maioria dos alunos do Colégio Agrícola de Bananeiras estudava em regime de internato. Era o meu caso. Alunos de vários estados nordestinos, e até do Norte do país, formavam o corpo discente do Colégio de Bananeiras, isso em função da eficiência do ensino, conforme já mencionei.
Como acontece em todos os Colégios, os alunos novatos eram vítimas das mais diversas gozações dos colegas veteranos, que, de imediato, se apressavam em colocar em cada um de nós um apelido de acordo com as características físicas do discente. Infelizmente não pude escapar desse incômodo, e, por conseguinte, tive que aturar, durante os cinco anos que lá estudei, um epíteto que não soava nada bem aos meus ouvidos: “Vampiro!”.
A propósito, gostaria de citar alguns apelidos dos demais colegas de turma, simplesmente por achá-los um tanto quanto exóticos. Por exemplo, tínhamos o “Catemba” (in memoriam), o “Caranguejo”, o “Zig-Zig”, o “Catabio”, o “Cabeção”, e outros que tais. Escusado é dizer que esses meus colegas aceitavam, de bom grado, ser chamados por esses nomes esquisitos... E eu, por minha vez, não era muito diferente dos colegas tidos como destemperados, e por isso, certa feita, ao ser molestado por um veterano que atendia pela alcunha de “Galo Assado”, em represália, atirei-lhe uma pedra que o atingiu bem no meio de sua testa. Incontinenti, o sangue escorreu de sua face com bastante in tensidade. Confesso que fiquei apavorado com esse episódio, e se não fora a intervenção imediata de meu irmão Mendonça, com certeza eu teria levado uma sonora sova, tendo em vista que o meu desafeto era mais “velho” e maior do que eu. Além do mais, com a pronta intervenção do mano, fui poupado de uma suspensão de pelo menos quinze dias, posto que o regime disciplinar do Colégio era muito rigoroso. Mesmo assim, não escapei de levar uma severa advertência por parte do Inspetor de alunos, e então, a partir daí, eu passara a figurar na lista dos “réus” primários. Como conseqüência, mais um ato de indisciplina e eu poderia sofrer uma punição mais rigorosa. De qualquer maneira, esse ato impensado foi uma lição de vida para mim, na medida em que procurei, a partir daí, ser mais comedido nas minhas atitudes.
Conforme fora dito, o regime disciplinar do Colégio Agrícola de Bananeiras era deveras rigoroso, e em função desse fato, não raro os alunos eram punidos com advertências (o meu caso), suspensão, e até expulsão!
Essa rigorosidade se estendia, também, às comemorações do Dia da Independência, Sete de Setembro, que eram levadas muito a sério pelo Colégio, que tinha uma Banda Marcial muito afinada, e seus alunos desfilavam de maneira impecável, qual Colégio Militar. Tudo isso era fruto de muito treinamento, que começava, pelo menos, faltando um mês para o início do desfile.
A propósito das comemorações do Dia da Independência, era feita uma triagem dos alunos, no sentido de excluir aqueles que poderiam comprometer a impecabilidade do desfile. Eu próprio, certa feita, fui sacado de um determinado desfile que o Colégio fez na capital paraibana, exatamente por ter cometido várias lambanças por ocasião dos ensaios. Só para dar um exemplo, basta dizer que quando o instrutor ordenava: “ Direita, Volver!”, eu, displicentemente, me virava para a esquerda! Aí fui considerado um “joio” no meio do “trigo”, e , portanto, dispensado de fazer parte do desfile Cívico.
No Colégio de Bananeiras eu comi o pão-que-o-diabo-amassou. Veja só: além da incompatibilidade que existia entre mim e certos colegas, não raras vezes tivemos problemas sérios com relação à alimentação, uma vez que chegamos a comer feijão com gorgulho! Em que pese o Educandário dispor de verba de custeio, e nos proporcionar fardamento, calçados, roupa engomada e tudo mais, com o passar dos anos essas regalias foram gradativamente desaparecendo em função de insuficiência de verbas. A partir de um determinado tempo, o Colégio só nos oferecia a dormida, a alimentação e o ensino, que por sinal, nunca perdera a sua eficiência, apesar de toda a crise financeira.
Como se tratava de uma Escola Técnica, nós tínhamos muitas disciplinas no nosso currículo; sem exagero, eram quinze disciplinas, em média. E, dentre essas disciplinas, tínhamos Educação Física, que para nós representava um verdadeiro martírio, pelo menos em função de os professores serem exigentes ao extremo, e mais ainda pelo horário das aulas. Pois bem, três vezes por semana éramos acordados pelo guarda, quando desfrutávamos do nosso melhor sono, para colocar um calção e enfrentar um frio que girava em torno de quinze graus centígrados, em média. Esse frio, contudo, só era contido quando estávamos no auge dos exercícios físicos. Em contrapartida, terminada a aula, enfrentávamos, sem temor, o banho de chuveiro, com a água quase gelada, e o resto do dia transcorria suave e tranqüilo, e ficávamos com bastante energia.
Falar em Bananeiras, no Colégio, nos alunos com suas idiossincrasias, nos seus apelidos, etc., tudo isso me transmite uma aura de nostalgia, e me faz, por via de conseqüência, voltar ao passado, recordando esses bons e maus momentos por que lá passei. Na verdade, são tempos idos e vividos, que de repente gostaríamos de revivê-los, até porque, à época, éramos todos adolescentes, meio ingênuos e, porque não dizer, sonhadores.
De qualquer maneira, os cinco anos, durante os quais estudei em Bananeiras, praticamente valeram por cinqüenta, em face da lição de vida que aprendi, o que para mim foi deveras decisivo para a minha formação profissional. Afinal de contas, o Colégio Agrícola de Bananeiras se destacou em preparar um sem-número de bons profissionais, que se destacaram em todas as áreas de atividades, o que fez com que o Educandário ficasse reconhecido nacionalmente.
Vale lembrar, enfim, que o então Colégio Agrícola Vidal de Negreiros hoje está apenas na memória dos que por lá tiveram a ventura de passar.
Com efeito, há cerca de duas décadas, o Colégio foi transformado em Campus Universitário, pertencendo, portanto, à Universidade Federal da Paraíba – UFPB.
Fazer o quê?