A visão Democratica de Rousseau

Jean Jacques Rousseau nasceu em genebra ,Suíça ,em 28 de junho de 1712 e veio a falecer em 2 de julho de 1778,suas principais obras foram discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens ;Do contrato social e Emilio ou da Educação .

No estado de natureza, Rousseau fala que não há propriedade própria , tudo é de todos, podendo uma pessoa plantar em uma terra apenas para poder colher e que seja o necessário para sobrevivência . Fala de uma época em que o homem vivia feliz. Foi a sociedade que o tornou escravo e mau. O estado de natureza terminou devido ao avanço da civilização, com a divisão do trabalho, a propriedade privada, criando desigualdade entre os ricos e pobres, poderosos e fracos. Todavia, para manter a ordem e assim evitando maiores constrangimentos , os homens criaram a sociedade política, a autoridade e o Estado mediante um contrato. Esse contrato tem por finalidade passar ao Estado parte de seus direitos naturais, nos quais podem ser justificados como: o direito à vida, à expressão do pensamento, à locomoção, etc, que são direitos essenciais, criando uma organização política com vontade própria, que é a vontade geral.11

Entende-se que a vontade geral é a manifestação da soberania e a minoria, muitas vezes, engana-se quando discorda da maioria, pois esta representa vontade geral. Rousseau recomenda a criação de pequenos estados e a democracia direta. Explica que os eleitos do povo para governar, não são representantes, mas apenas instrumentos para executar a vontade geral. Desta forma, as leis são obrigatórias depois de aprovadas e consentidas pelo povo e justamente por isso a população deve ser reduzida, pequena, para que possam se reunir com freqüência.12

É importante destacar que para Rousseau, o homem se corrompe após os interesses da propriedade privada, pois esta associado a nascer os instintos mais egoístas e sem sentimento . Ele mostra que esta sociedade pode significar o embrião de uma sociedade política diferente do estado de natureza, representada na forma corrupta do domínio dos fortes sobre os fracos, dos ricos sobre os pobres, dos espertos sobre os ingênuos, numa forma de sociedade política onde o homem deve sair para instituir a república fundada sobre o contrato social. O homem deve sair do estado de natureza. 13

A soberania para Rousseau é inalienável e indivisível. Segundo a doutrina da soberania alienável, predominante no fim da Idade Média até a Revolução Francesa, ela reside na multidão, no conjunto de todos os indivíduos, porque estes sendo iguais não existem razões para que pertença a um ou alguns.14 Porém o povo não pode exercê-la de maneira direta, não se pode governar a si mesmo e, portanto, tem o direito ou dever de transferir, de alienar a soberania em favor de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou de uma família para que governem a sociedade.

Observa-se que essa teoria da soberania alienável foi uma tentativa daqueles que queriam conciliar a monarquia com as doutrinas democráticas para salvar alguns lugares . Além disso, a influência de Rousseau teve um abrigo em quase todas as Constituições modernas sendo a base do pensamento político contemporâneo. Também foi enorme sua contribuição para o Direito Constitucional contemporâneo, pois os partidários de todos os regimes se baseavam no Contrato Social.

Por conseguinte, admitir que a soberania pertence ao povo causa grande discussão na época. Isto porque a soberania representa a vontade geral, dado que o poder se transmite, mas não a vontade. Considera que “a soberania ou é única ou não existe”15. Para Rousseau a vontade geral nunca erra, salvo em caso de corrupção . Assim, a soberania individual é cedida para o estado em ordem que esses objetivos possam ser atingidos. Por isso a vontade geral é sempre a força do estado para que ele atue em favor das opiniões fundamentais mesmo quando isto for contra a vontade da maioria em alguma questão particular.

Assim, a lei é como o ato da “vontade geral” e a expressão da soberania. Ela é fundamental, porque determina todo o destino do Estado. Os legisladores têm o papel importante no contrato social, sendo investidos de qualidades divinas. “Os legisladores devem assemelhar-se aos deuses, mas perseguindo sempre o objetivo de servir às necessidades essenciais da natureza humana.”16

Neste contexto, Rousseau aponta algumas considerações sobre o governo, que tenta tomar, por força, o lugar do soberano. O soberano é a pessoa pública. Só as assembléias periódicas podem garantir que não se usurpe o poder. Assim, ele defende três formas de governo: monarquia para os estados grandes, aristocracia para os estados médios e a democracia aos estados pequenos. Além disso, existem diversas formas mistas que podem ser criadas a partir dos três tipos básicos, dependendo das características de cada Estado.

Para ele, o governo é considerado como funcionário do legislativo e este é comparado à vontade ou coração do corpo político, o governo constitui a força (cérebro). Sua função é executar as decisões do soberano. Quando o soberano está reunido, o executivo deixa de ter função. Enquanto o legislativo se preocupa com as questões gerais, o executivo trabalha com o particular, executando o que a lei determina.

A idéia de democracia em Rousseau situa-se numa ação efetiva que conduza à sua concretização, onde os interesses arbitrários do indivíduo devem dar lugar à construção coletiva daquilo que permite que todos possam ser iguais. Com a participação direta do povo no poder seria possível construir a vontade geral, que é o fundamento do corpo político rousseauniano. A República é vista como garantia da liberdade, valor colocado como condição à humanidade. Como a liberdade só existe quando há igualdade, chegamos ao centro das preocupações de Rousseau diante da sociedade de sua época: a desigualdade. E, para construir uma sociedade de liberdade e igualdade, é imprescindível a democracia direta.17

Para Rousseau as relações entre natureza e sociedade, eram fundamentadas na liberdade. O Contrato social seria a única base legítima para uma comunidade que deseja viver de acordo com os pressupostos da liberdade. Rousseau tem dois pilares da sua engenharia política: a busca pela igualdade e a liberdade.18 Ele é contrário a todo tipo de individualismo, pois este supõe uma oposição entre cada um e a coletividade. Como já se sabe, os princípios de liberdade e igualdade política formulados por ele, constituíram as coordenadas teóricas dos setores mais radicais da Revolução Francesa, quando foram destruídos os restos da monarquia e foi instalado o regime republicano.

Contudo, em um outro momento, Rousseau propõe a introdução de uma espécie de religião civil ou profissão de fé cívica, a ser obedecida pelos cidadãos. A profissão cívica proposta por ele, reduz-se a poucos dogmas simples que todo ser racional e moral deveria aceitar a crença num supremo, a vida futura, a felicidade dos justos e a punição dos culpados. Também inclui a rejeição a todas as formas de intolerância.19

O Estado não deveria estabelecer uma religião, mas deveria usar a lei para eliminar qualquer religião que seja socialmente prejudicial, isso deriva do princípio de supremacia da vontade geral (que existe antes da fundação do Estado) à vontade da maioria (que se manifesta depois de constituído o Estado), ou seja, se todos querem o bem estar social, e se uma maioria deseja uma religião que vai contra essa primeira vontade, essa maioria terá que ser reprimida pelo governo.Para que fosse legal, uma religião teria que se limitar a ensinar.

Conclui-se, com base no autor Fábio Konder Comparato20, que o pensamento de Jean-Jacques Rousseau é revolucionário em dois sentidos, na restauração das antigas liberdades e na reconstrução completa da ordem tradicional. Ele sustentou a necessidade de uma restauração da pureza original dos costumes, sendo esta corrompida pela sociedade moderna. Porém essa restauração é antes a refundação da sociedade civil sobre novas bases, de acordo com o espírito das instituições que vigoraram em Esparta e em Roma, tidas como absolutas.

Contribuições De Rousseau Para Atualidade

Destaca-se a importância com que Rousseau tratava a educação e a família. Para ele esta questão é muito séria, sendo a base da sociedade. Se formos trazer esta questão para os dias atuais, é evidente que isto não tem sido valorizado. No Brasil ainda são restritos a uma pequena parcela da população o acesso às escolas e universidades, o que compromete as possibilidades no mercado de trabalho, já que o ensino público é de péssima qualidade na nossa sociedade. Desta forma, pode-se citar o seguinte trecho da obra de Fábio Konder Comparato, que valoriza o papel da educação:

A lição dos antigos é irrefutável: há sempre uma íntima ligação entre educação e política, entre a formação do cidadão e a organização jurídica da cidadania. Se a boa natureza original do ser humano o foi corrompida pela sociedade moderna, a regeneração dependerá de uma reforma profunda, tanto do sistema educacional, quanto da organização do Estado, pois esses dois setores estão intimamente ligados.

(...) a verdadeira educação é de cunho moral e não técnico. A educação preocupa-se com a única finalidade que importa: o desenvolvimento harmônico de todas as qualidades humanas. A mera instrução, diferentemente cuida dos meios ou instrumentos. Desviada de sua finalidade maior, ela pode criar autônomos e súditos, nunca cidadãos e homens livres.21

Observa-se que apesar de serem diferentes as épocas, as idéias de Rousseau, assim como as de Maquiavel e de Hobbes, permanecem atuais e vivas. É importante apontar que as idéias de Rousseau são fundamentais para compreensão do Estado moderno. A forte crítica ao Estado representativo permite interpretar que ele era um crítico do liberalismo. Rousseau jamais foi um liberal. Ele não acreditava na possibilidade de qualquer rígida separação entre indivíduo e o Estado, como queriam os teóricos liberais, pois acha inconcebível o desenvolvimento da plena vida moral sem ativa participação do indivíduo no corpo inteiro da sociedade. Defende que a unidade e permanência do Estado dependem da integridade moral e da lealdade indivisível de cada cidadão.22

Outro ponto importante da contribuição de Rousseau foi a sua influência na base do movimento romântico, que caracterizou a metade do século XIX e permaneceu vigorando até os dias atuais, como formas básicas de sentir e pensar o mundo. A valorização do mundo dos sentimentos em contradição com a razão intelectual e da natureza mais profunda do homem, em detrimento ao artificialismo da vida civilizada, encontra-se neste movimento.23

É bem verdade afirmar que poucos autores transformaram tão expressivamente a realidade social pelas suas idéias. O pensamento de Rousseau exerceu decisiva influência na história moderna, primeiro no Ocidente e depois em todo mundo, no que se refere à educação (relaciona com a política) e à reforma do Estado..

Rousseau e o jusnaturalismo

Os ventos da modernidade trouxeram consigo o jusnaturalismo e as idéias liberais. O jusnaturalismo moderno é caracterizado pela idéia racional de um Direito original fundante e universal conhecido como Direito de Natureza. Esse Direito pressupõe a existência originária de homens que vivem em um estado pré-social conhecido como estado de natureza, no qual os homens gozam de direitos inalienáveis.

Para garantir esses direitos ameaçados pelo estado de guerra ou pelos apetites humanos devido à fragilidade do estado de natureza, foi necessário aos homens, por meio de uma espécie de contrato, ingressarem em uma ordem civil na qual esses direitos seriam invioláveis.

Nesse caso, a propriedade é interpretada como um direito inviolável, sendo um dos temas centrais do jusnaturalismo, como afirma Norberto Bobbio: “O jusnaturalismo a exalta como um direito fundamental, junto com a vida e a liberdade” (1992, p. 1.034).

Locke, por exemplo, considera a propriedade como um direito natural que todos os homens detinham ainda no estado de natureza:

O homem, nascendo, conforme provamos, com direito à perfeita liberdade e gozo incontrolado de todos os direitos e privilégios da lei da natureza, por igual a qualquer outro homem ou grupo de homens do mundo, tem, por natureza, o poder não só de preservar a sua propriedade – isto é, a vida, a liberdade e os bens – contra os danos e ataques de outros homens, mas também de julgar e castigar as infrações dessa lei por outros conforme estiver persuadido da gravidade da ofensa, mesmo com a própria morte nos crimes em que o horror do fato o exija, conforme a sua opinião (1978, p. 67).

Como no estado de natureza não é possível garantir a propriedade como direito natural inviolável, é preciso uma associação civil que garanta a partir de leis estabelecidas a inviolabilidade da propriedade (p. 82).

Praticamente todos os jusnaturalistas seguiram à risca esse modelo, exceto Rousseau, para quem o estado de natureza é a garantia de dois princípios inalienáveis: a liberdade e a igualdade; princípios esses violados com a formação da sociedade civil e a instituição da propriedade. Tal violação é descrita por Rousseau em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de 1754. Para restabelecer a ordem seria preciso um Contrato Social, pelo qual fossem asseguradas a liberdade e a igualdade. Tal ordem é explicitada por Rousseau em seu Do Contrato Social, de 1762.

Por esse motivo escolhemos basicamente essas duas obras de Rousseau para discutir a questão da propriedade, haja vista entendermos que nesses escritos a questão foi mais aprofundada. [1]

Rousseau: estado de natureza, propriedade e estado civil

No Prefácio do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau descreve a constituição do homem e a sua degeneração na sociedade. Para ele, entender a origem da desigualdade pressupõe entender a origem do homem (1983a, p. 228). Essa mesma temática também se encontra na Introdução do Discurso, na qual encontramos o seguinte trecho: “É do homem que devo falar, e a questão que examino me diz que vou falar a homens, pois não se propõem questões semelhantes quando se tem medo de honrar a verdade” (p. 235).

Perguntar pela origem da desigualdade é indagar pela origem do homem, ou seja, pelo homem no estado de natureza, pois vimos que o jusnaturalismo moderno, quando se refere à origem do homem, remonta ao estado de natureza. Nesse aspecto, Rousseau concebe dois tipos de desigualdade na humanidade: uma natural ou física fruto da natureza, “que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito e da alma”, e a outra, que é chamada de desigualdade moral ou política “porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens” (p. 235).

A origem do homem, entretanto, não pode ser confundida com a origem da desigualdade, pois não há duas origens do homem como há duas origens da desigualdade, não há um homem que se origina da natureza e outro, da sociedade. Em Rousseau a natureza é anterior à sociedade, logo, só há originariamente um homem, o homem natural, o qual pode degenerar para tornar-se o homem civil, sem deixar de ser homem. A desigualdade, não. Ela é ou natural (quando relacionada com o homem originário), ou civil (quando o homem está degenerado em sociedade). Concluímos afirmando que só há um homem e duas desigualdades: uma inerente ao gênero humano que Rousseau denomina de natural, e outra fruto da convenção social que Rousseau chama de desigualdade moral ou política.

Podemos dizer também que a desigualdade natural ou física, uma vez estabelecida pela natureza, não pode ser anulada ou transformada, ao passo que a desigualdade moral ou política, enquanto originada pela convenção, pode ser anulada e transformada. É incumbência do Discurso sobre a desigualdade denunciar as mazelas da desigualdade política desde sua origem, é tarefa do Contrato eliminar essa desigualdade a partir de uma nova ordem civil.

Para Rousseau, a essência do homem está em seu estado primitivo, tal como o moldou a natureza. No Prefácio do Discurso sobre a desigualdade Rousseau nos oferece uma interessante indicação sobre o estado de natureza, como “um estado que não mais existe, que talvez nunca tenha existido, que possivelmente nem existirá, e sobre o qual se tem, contudo, a necessidade de alcançar noções exatas para bem julgar de nosso estado presente” (1983a, p. 229). Essa citação pode caracterizar a preocupação do jusnaturalismo rousseauísta em colocar o homem em um estado natural racional pré-social, com o escopo de revelar as mazelas sociais de sua época.

Parece que a preocupação crucial de Rousseau na elaboração do Discurso sobre a desigualdade é demonstrar como o direito natural foi submetido à lei civil que teve como substrato à violência legitimada pelo engano do povo ao entregar-se aos ricos, poderosos e senhores, em troca de uma suposta segurança. [2]

No estado de natureza, o homem vivia de forma simples, solitária, inocente e feliz. Preocupava-se apenas com a sua conservação. Entregue aos cuidados da natureza, correndo livre pelas florestas imensas, sem precisar de seu semelhante e sem nenhuma obrigação legal para o trabalho, o homem natural desfrutava o seu repouso sem se preocupar com o dia de amanhã (p. 251). O homem no estado natural também não possuía a idéia do teu e do meu, quer dizer, no estado de natureza não havia a idéia de posse ou de propriedade em seu sentido estrito, ou seja, indicando que algo era de alguém. O homem natural não tinha a consciência daquilo que possuía, nem tampouco do que possuía o semelhante. Isso parece fazer parte da idéia de que tudo era de todos. E, se tudo era de todos, o egoísmo, a vaidade e a ambição eram sentimentos inexistentes. A terra nesse estado estava virgem, abandonada à fertilidade natural e coberta por florestas imensas que o machado jamais mutilou (p. 238).

A idéia de propriedade vai aparecer no início da segunda parte do Discurso sobre a desigualdade como último termo do estado de natureza. Tendo como pressuposto fundamental a idéia do isto é meu, a instituição da propriedade representa efetivamente a passagem da ordem natural para a formação da sociedade civil. O isto é meu, além de identificar a posse de algo a alguém, identifica também a acomodação daqueles que permitiram a violação do estado natural com a instituição da propriedade:

o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado o terreno lembrou-se de dizer “isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “evitai ouvir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém” (p. 259).

Para Rousseau, o contrato não se dá aqui. Essa é diferença fundamental entre Rousseau e os demais jusnaturalistas. Ainda assim, não podemos identificar essa passagem do texto como uma simples negação de Rousseau à propriedade. O filósofo não pode ser confundido com os socialistas do século XIX. Veremos que a propriedade tem um lugar importante no Contrato social.

Rousseau segue a teoria de Locke ao vincular a origem da propriedade à idéia de trabalho [3], mas se distancia desse autor ao não considerar a propriedade um direito natural inalienável. A propriedade, em Rousseau, é entendida no seguinte contexto: alguém que diz que tem algo, e esse algo é delimitado (pedaço de terra). É nesse pedaço de terra que se exercem as artes como a metalurgia e a agricultura, para satisfazer às necessidades humanas. É devido a essas necessidades que os homens, antes livres, se tornam escravos uns dos outros, quer sejam ricos, senhores, escravos ou pobres. A ambição em querer ficar acima dos outros faz com que os homens produzam os frutos da terra não mais para suprir suas necessidades básicas, mas para lucrar à custa do suor dos outros.

Um outro fator importante relacionado à propriedade está em uma frase de Locke citada por Rousseau: “Não haveria injustiça se não houvesse propriedade” (p. 264, tradução corrigida). A propriedade, uma vez estabelecida, é origem de inúmeros conflitos diante da ganância e da ambição dos homens. É impossível, para Rousseau, conceber a idéia de propriedade sem conceber também esses conflitos entre o primeiro ocupante e o mais forte.

Esse conflito foi muito bem destacado por Rousseau na obra Emílio ou Da Educação (1762). Na ocasião o preceptor faz Emílio aprender a não violar o direito do primeiro ocupante. Emílio, ao plantar suas favas, se sente injustiçado quando as vê todas arrancadas, pois essa terra já estava ocupada pelo jardineiro Robert, que havia primeiramente semeado melões. Diante do suposto impasse entre Robert (o primeiro ocupante) e Emílio (o invasor de uma terra já cultivada), Rousseau fala ao seu pupilo: “não trabalharemos na terra antes de saber se alguém não a lavrou antes de nós” (1999, p. 100). [4] Com isso Rousseau torna-se o intermediário de um acordo importante entre as partes conflitantes. Ele propõe um acordo entre Emílio e Robert: “Que ele nos ceda, a meu amiguinho e a mim, um canto do seu jardim para cultivá-lo, com a condição de receber metade do produto” (p. 101). Nesse caso Rousseau quer resolver um dos problemas jurídicos fundamentais, que é a legitimidade do direito de propriedade. Como esse direito pode ser legítimo?

É a posse contínua da terra resultante do trabalho e da colheita que gera o direito de propriedade. É assim que se institui esse direito. [5] Logo, porém, que os homens não se limitaram mais a suas necessidades básicas, os mais fortes e os mais habilidosos, descontentes com o que tinham, passaram a submeter outros homens a seus serviços, gerando a dominação, a servidão, a violência e o roubo. Decorreu daí verdadeira guerra entre poderosos e miseráveis, cada um alegando para si o direito de propriedade. [6] Nesse caso, o direito de propriedade em Rousseau se afasta explicitamente daquele. Em Rousseau o direito de propriedade é fruto da convenção humana, portanto não encontra sua legitimidade no estado de natureza:

Além disso, o direito de propriedade sendo apenas de convenção e instituição humana, qualquer homem pode a seu arbítrio dispor daquilo que possui; isso, porém, não acontece com os bens essenciais da natureza, tais como a vida e a liberdade, de que cada um pode gozar e dos quais é pelo menos duvidoso se tenha o direito de despojar-se (1983a, p. 234).

Uma vez acuados pela multidão de miseráveis, e sem conseguir unir suas forças devido aos ciúmes mútuos, os ricos astutamente deixaram de atacar os pobres para se dizerem seus defensores, acalmando a revolta e instituindo seu domínio de uma forma mais sutil, porém não menos perigosa. Com discursos eloqüentes, os ricos e poderosos clamavam pela segurança de ambas as partes quando instituíram para sempre a lei de propriedade. Assim, diziam-se defensores dos fracos e afirmavam conter a ambição, instituindo o governo e as leis. Com o intuito de defender os pobres, os ricos desejavam na verdade estender guirlandas de flores em suas ainda mais grossas e terríveis algemas, fazendo-os escravos legítimos ao preço de uma liberdade fictícia. Foi desse modo que, para Rousseau, se constituiu o fundamento da sociedade, do governo e das leis:

Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade natural, fixaram para sempre a lei de propriedade e da desigualdade, fizeram de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho, à servidão e à miséria (p. 269-270).

Assim, Rousseau denuncia a fragilidade das leis e da sociedade civil. O percurso da humanidade é pernicioso porque o homem esqueceu de sua origem na formação da sociedade e foi se perdendo pelo caminho. Entregou sua liberdade, dissipou a igualdade. Ainda não é nessa obra, contudo, que ele vai propor uma solução. A solução para o problema virá em Do Contrato Social.

Rousseau: propriedade e contrato

Denunciando a ordem social descrita no Discurso sobre a Desigualdade, Rousseau experimenta esboçar no Contrato Social uma nova regra de administração legítima e segura que garanta os direitos inalienáveis da igualdade e da liberdade. [7] No Livro I Rousseau trabalha com duas noções de liberdade: a liberdade natural e a civil. A liberdade natural no homem consiste em um “direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar” (Rousseau, 1983b, p. 36). Não podemos entender a liberdade natural como um direito que o homem pode usar para dominar os outros. Em Rousseau isso é praticamente impossível, porque até o rico e o senhor, na proporção em que dominam os outros, passam a ser tão escravos quanto estes. O homem não é livre para dominar, ele domina porque depende do outro. [8]

Da mesma forma que o homem não é livre para dominar, também não é livre para obedecer. O homem que entrega a sua liberdade para ser escravo é um louco, e loucura não faz o direito. E o que faz o homem obedecer e ser escravo de outro? Rousseau é categórico na sua explicação: a obediência é fruto do direito do mais forte. Quando a questão é força, não há possibilidade de se extrair a moralidade, porque a força é um poder físico: “Ora, que direito é esse que perece quando cessa a força?” – pergunta Rousseau. E é efetivamente em nome do direito do mais forte que um homem acha que pode aviltar a propriedade do outro, tomando posse de uma coisa que não é sua, legitimando a força que pretensamente faz o direito. Como evitar tamanha injustiça que ameaça a liberdade e a igualdade? A liberdade natural está ameaçada pela força e pela dominação. Ela “só conhece limites nas forças do indivíduo” (p. 36). Por esse motivo a liberdade natural é infensa à coerção. Como a propriedade não pode simplesmente sumir do estado civil, é preciso que haja novas leis que garantam o uso da propriedade para assegurar a inviolabilidade da liberdade. Essa liberdade terá um novo adjetivo: liberdade civil.

O homem perde, segundo o Contrato Social, a liberdade natural ou “o direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar”, e ganha a liberdade civil “e a propriedade de tudo que possui” (p. 36). Para que haja um contrato social genuíno, é necessário a cada indivíduo alienar sua liberdade natural para ingressar na nova ordem civil, formando uma vontade geral que garanta a condição de igualdade para todos. Uma vez estabelecida a vontade geral, está estabelecido o verdadeiro Direito. A lei é o povo que faz, ao mesmo tempo em que o próprio povo lhe é submetido. [9] O Direito deve ter como meta a utilidade pública e o bem-estar dos cidadãos.

Na questão da propriedade, tanto o direito do primeiro ocupante (muito mais legítimo) quanto o pretenso direito do mais forte devem se submeter ao julgamento do Direito de propriedade advindo da associação civil que forma a vontade geral.

Rousseau descreve as condições do direito do primeiro ocupante:

primeiro, que esse terreno não esteja ainda habitado por ninguém; segundo, que dele só se ocupe a porção de que se tem necessidade para subsistir; terceiro, que dele se tome posse não por uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e pela cultura, únicos sinais de propriedade que devem ser respeitados pelos outros, na ausência de títulos jurídicos (p. 38).

A liberdade e a igualdade civil estão asseguradas devido às leis advindas da vontade geral que soberanamente garante à propriedade um caráter de inviolabilidade na nova associação civil. Desse modo, Rousseau parece garantir a liberdade e a igualdade na nova ordem civil preservando a propriedade mediante um novo direito de propriedade.

Conclusão

Vimos como Rousseau apresenta a relação entre homem, trabalho e terra no estado de natureza. Essa relação é apresentada de forma favorável por garantir dois princípios básicos: a liberdade e a igualdade. A propriedade vai se inserir no processo como último termo do estado de natureza, ou seja, como a passagem entre dois mundos: o natural e o civilizado. É com base na noção de propriedade que um homem vai afirmar “Isto é meu”, iniciando efetivamente a sua degeneração. O início da civilização é corrupto, e não menos corrupto é o seu desenvolvimento dentro dessa complexidade de relações. Cada vez mais os ricos e poderosos encontraram meios para manter seus domínios desde a força bruta pelo direito do mais forte, até o domínio mais sutil e bem mais perigoso que é o surgimento do governo e das leis que vieram legitimar tal dominação.

Denunciando a pretensa ordem civil Rousseau elabora, no Contrato Social, uma nova tese pela qual se garantem os princípios inalienáveis da liberdade e da igualdade. Deparando-se necessariamente com a questão da propriedade dentro da ordem civil, Rousseau vê como necessárias novas cláusulas e leis que re-desenham o uso da propriedade suprimindo a força e elevando o Direito. A liberdade civil fica assim garantida.

O direito ao trabalho e o direito à propriedade são de todos. A concentração de renda anda de braços dados com a concentração de terras. Ambas aviltam a liberdade e a igualdade na proporção que seus domínios geram exclusão e violência. Que a reforma agrária possa ser feita para que todos tenham acesso à vida, liberdade e igualdade. Assim, quem sabe, poderíamos nesse final almejar a propriedade como um bem a ser preservado e partilhado, desde que a terra produtiva não seja invadida e o grande latifúndio ocioso seja partilhado. O MST e os ruralistas poderiam aprender lições como essas antes de optarem por caminhos tão intransigentes.

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Bibliografia

BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varriale et al. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992 (L-Z). Verb. Propriedade.

DERATHÉ, Robert. Jean-Jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: Libraire Philosophique J. Vrin, 1988.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores).

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1983a. (Os Pensadores).

______. Do Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1983b. (Os Pensadores).

______. Emílio ou Da Educação. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

Fernanda S Santos
Enviado por Fernanda S Santos em 06/11/2009
Código do texto: T1908297