DIA DA CULTURA - WERINTON KERMES
Hoje o dia da Cultura é mais uma data entre tantas existentes. A diferença é que poderíamos estar comemorando a valorização de nossos artistas regionais e populares. Não é que acontece e não devemos ficar calados.
Notícia publicada na edição de 05/11/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A.
Para produzir o livro “Política e ação Cultural. Por uma Gestão das Culturas” percorri caminhos que me levaram a uma constatação que eu insistia em não acreditar: que a cultura no Brasil é vista como um artigo de luxo e não como gênero de primeira necessidade, pelo menos ao que tange o poder público.
Nesse sentido, nega-se a cultura o seu caráter essencial e insubstituível, sua importância significativa no processo de construção da condição humana e no desenrolar da ação coletiva. Estamos impregnados de cultura e por meio dela é possível promover o desenvolvimento humano, estimular a criatividade, o aprendizado e a inovação, trabalhar a autoestima, a cidadania e a atuação social, valorizar a diversidade e o multiculturalismo.
O sentimento de pertencimento propiciado por ela fortalece a comunidade e atua como importante instrumento de combate a violência, além de ser um mecanismo de luta e resistência frente à massificação - que esmaga o indivíduo - e à dominação - que abate a cidadania. Dessa forma, a defesa dos direitos humanos está estritamente ligada ao amparo dos direitos culturais, expressos na diversidade e no pluralismo, no direito a diferença, a visibilidade e a dignidade cultural.
A justiça cultural está relacionada com a quantidade e disponibilidade dos bens culturais a que tenham acesso os cidadãos, possibilitando a equidade e a participação. Sem ela não existe democracia plena, já que o cidadão está ausente. Hoje (5 de novembro) é o dia da cultura, mas, infelizmente, pouco temos a comemorar. Os poderes públicos constituídos pouco se esforçam na promoção da cultura, e, quando o fazem, se utilizam dela apenas como promessa de palanque, para a promoção pessoal e ascensão política.
As políticas vigentes estão, em sua maioria, associadas à concepção do liberalismo cultural que defende que a cultura não é dever do Estado e que ela deve estar sujeita às leis do mercado. Dessa forma, deve ser lucrativa a ponto de bancar a si própria. Neste pensamento, o incentivo à cultura está mais ligado à iniciativa privada, por meio de leis de incentivo fiscal e ligadas à promoção da marca institucional do patrocinador. Essa situação leva a um apoio maior a elementos da cultura de massa e/ou da cultura erudita e não tem preocupação em privilegiar a produção regional, porque estão afinadas a cartilha da globalização.
Uma política cultural frequente em muitos governos é o oferecimento de espetáculos de artistas consagrados porque parte-se do pressuposto que exista uma cultura positiva, mais relevante que as demais e que, por isso, deve ser difundida a todos. O problema é que esta ação não respeita a diversidade cultural e valoriza, principalmente, os produtos culturais da elite, além de ver o público apenas como apreciador e receptor da cultura, desconsiderando seu a papel de produtor cultural. Um exemplo é o show da Vanessa da Matta que ocorrerá em Sorocaba no próximo dia 13 e que, mesmo pago pelo governo federal, ou seja, com dinheiro público (dinheiro que é seu, é meu) não terá ingressos com preços acessíveis.
É mais uma prova de que cultura é tratada como uma mercadoria qualquer, uma mera fonte de lucro para empresas privadas e artistas consagrados. Apesar de toda a sua riqueza, a cultura popular é recorrentemente desvalorizada, identificada ao mau gosto, ao grotesco, ao simplista e ao vulgar, visões limitadas e pejorativas facilmente explicáveis num contexto social no qual o povo está em posição subalterna. Não pode mais existir esta distorção que é a promoção apenas de eventos culturais notadamente elitistas e ignorar a produção genuinamente popular, tudo em nome de interesses eleitoreiros. Uma política cultural democrática deve ser o objetivo primeiro de qualquer gestor cultural que se julgue progressista e sintonizado com os anseios de sua comunidade.
E não é isso o que vivenciamos hoje. Políticos espertos sabem muito bem como abocanhar votos de jovens sedentos por ações culturais e por entretenimento através de discursos nos quais prometem ações das mais diversas, dizem que vão valorizar a cultura popular, que cada jovem e adolescente da periferia vai ter seu espaço para desenvolver Hip Hop e outras ações, vendendo sonhos que não se concretizarão e que só aparecerão novamente no período de eleições. Agora como posso ser tão ácido com a gestão pública da cultura se sou (pelo menos por enquanto) um servidor público a serviço da cultura? Aí é que está, venho percebendo que muito do que se promete sentado não se cumpre em pé, muito se avançou em Votorantim e em Sorocaba, mas as equipes das secretarias de cultura em sua maioria são formadas por servidores descomprometidos, pessoas sem a mínima condição de lidar com artistas das mais diversas esferas, que não são respeitados em sua pluralidade.
Dessa realidade é que parte o meu grito por cultura, que só será prioridade quando for cobrada, quando for exigida, quando eles deixarem de fazer de conta que fazem e nós deixarmos de fazer de conta que acreditamos.
Hoje o dia da Cultura é mais uma data entre tantas existentes. A diferença é que poderíamos estar comemorando a valorização de nossos artistas regionais e populares. Não é que acontece e não devemos ficar calados.
WERINTON KERMES, JORNALISTA E SECRETÁRIO DE CULTURA DE VOTORANTIM