Gentileza gera gentileza - Estela Casagrande

ELA - [ 30/10 ]

estela.casagrande@jcruzeiro.com.br

Notícia publicada na edição de 30/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 4 do caderno Ela.

Inspirada pela coluna Sabor e Poesia, de Míriam Cris Carlos, que resgata semanalmente minhas próprias memórias culinárias e por um cheiro de alho frito que invadiu a sala de repente, lembrei-me da sopa de pão que minha mãe fazia quando ficávamos doentes. Ela não aceitava nossa inapetência e insistia que pelo menos a ‘sopinha tínhamos que comer. Primeiro fritava alho em pouco óleo, exatamente assim, muito alho, pouco óleo. Depois era adicionar água e quando fervia, derramava sobre ela, os nacos de pão, que podiam ser do dia ou dormidos. Convém colocar pouco sal também. O cheiro de alho frito era de deixar os adoentados com água na boca e engolir aquelas poucas colheradas não era um tormento tão grande até para quem tinha amigdalites recorrentes, como eu. Dependendo da enfermidade, ela jogava um ovo na sopa, que se transformava em grumos cozidos de clara e gema. E bastava. E nos intervalos das refeições muita água. Minha mãe achava que água era um santo remédio. Ainda desejo que todas as doenças pudessem ser curadas com água, alho e repouso, como na infância.

Outros pratos lembram os dias em que estávamos doentes, como purê de batata, de maçã, caldinho de feijão, canja no pós-parto. E tome mais água para ter bastante leite!

Se o dia nos acordava com um clap-clap-clap da batida da colher numa tigelinha de porcelana, já sabíamos: meu pai estava em casa e teria gemada no café da manhã. Gemas de ovos colhidos no quintal, açúcar cristal e dependendo do gosto, canela para um, chocolate para outro, café ou mesmo a gemada pura. A clara, guardada no potinho de vidro, aumentava a omelete do almoço.

Todas essas lembranças vieram com o cheiro de alho frito e da admiração sem tamanho que sinto pelas palavras que jorram gostosas das lembranças de Míriam. E já que a semana que começa é de reverenciar os que já partiram de nossas vidas, fica o convite: vamos fazer uma pausa e revisitar nossas memórias. Os gestos de gentileza, as palavras que viraram bordões, os ‘causos. Deixe que as lágrimas e as gargalhadas venham livres, compartilhe com os mais jovens os episódios que não presenciaram. Que as palavras sejam as verdadeiras flores a se depositar diante dos que partiram.

Seja gentil com você: permita-se sentir saudade.

E hoje ficaremos com saudade de Míriam Cris Carlos e sua coluna Sabor e Poesia, que volta na próxima semana.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 31/10/2009
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