O FENÔMENO RELIGIOSO NA PÓS-MODERNIDADE
Abordar o fenômeno religioso na pós-modernidade é tocar numa questão complexa e que se reveste de maior complexidade à medida que enfocamos os aspectos mais subjetivos dessa nova religiosidade. Diante da enorme diversidade verificada no fenômeno religioso atual, e das constantes transformações ocorridas em seu interior, uma vez que promove uma troca constante de idéias, ritos, símbolos e doutrinas, levadas de um lado para outro pela mídia, o que torna quase impossível atualmente se dizer com segurança quais elementos pertencem originariamente ou não a determinados grupos religiosos. O que temos como marca desse fenômeno é a diversidade, a heterogeneidade e a metamorfose. Além do misticismo, do hibridismo religioso e do pragmatismo (as coisas valem enquanto funcionam).
Quando falamos de fenômeno religioso na pós-modernidade, precisamos ter em mente que estamos tratando com uma realidade absolutamente diferente de tudo que já se viu até o momento em termos de experiência com o sagrado. Obviamente que não se pode falar de religiosidade no contexto pós-moderno dentro de uma visão absoluta, uma vez que uma das marcas da pós-modernidade é a ausência de absolutos. Entendemos, portanto, que todas as verdades sobre o fenômeno encontram limite na própria idéia da relatividade: os fenômenos são e não são ao mesmo tempo, a liquidez e a volatilidade também é um sinal desse tempo e se reflete da mesma forma na religião.
Mesmo assim, podemos destacar algumas marcas dessa manifestação religiosa, enfocando obviamente a religiosidade expressa no catolicismo popular e a que se manifesta no contexto protestante.
Uma das marcas desse fenômeno é o misticismo, a valorização excessiva do emocional e o abandono da razão. Parece contraditório que vivamos hoje um retorno aos períodos mais primitivos da raça humana. Elementos das crendices religiosas mais elementares ganham espaço na religiosidade atual. O esoterismo, o neo-paganismo, crença em Duendes, Gnomos, anjos cabalísticos, tarôs, horóscopos, cartomancia, quiromancia, etc.(sem qualquer juízo de valor sobre sua validade) ganham espaço na espiritualidade do homem moderno e se manifesta em harmonia com as crenças mais ortodoxas de grupos tradicionais.
Por outro lado, se verifica a banalização da fé e a mercantilização da graça; que já não é concedida de forma gratuita e desinteressada, ela é conquistada por um baixo preço através da manipulação de jejuns, “correntes de orações,” “cultos de descarrego”, “cultos da conquista” de “novenas”, etc. Tem sempre uma “noite” para cada necessidade. O que você quiser é só freqüentar o culto certo, e Deus não tem escolha, tem que atender às reivindicações ali depositadas. A igreja já não é o lugar “aonde você vai para servir” ela se tornou a prateleira onde se vende bênçãos, milagres, curas, CDs, DVDs, livros de todo tipo, objetos ungidos e sagrados e todo tipo de bugigangas que alimentam a volúpia de alguns que enriquecem enquanto prometem prosperidade para os outros, assim ela “deixa de ser o caminho para se tornar o pedágio” (Áureo Marins).
O sagrado passou a ser mercadoria comercializada como qualquer produto nas prateleiras do “mercado religioso”. Na contemporaneidade a idéia é a facilidade, a virtualidade e o imediatismo. A mídia trouxe o “delivery” para a igreja, para a qual você liga, faz o seu pedido, (e a pergunta é essa mesma, qual o seu pedido?), feito o pedido, o guru de plantão entra em contato com Deus que envia a resposta para o problema, seja ele qual for.(normalmente, financeiro, de saúde e sentimental).
Vivemos atualmente o fenômeno da virtualidade eclesiástica, formada por pessoas sem rostos, sem manifestação de afeto, que se conhecem apenas pela voz e pelo numero da conta bancária onde os clientes depositam os recursos para manter programas de rádio e televisão (usados para pedir mais dinheiro).
Atualmente, a religião e até mesmo Deus já não é aquele a quem se busca para estabelecer relacionamentos, ele, está a serviço do homem e serve enquanto possa atender aos desejos e caprichos do cristão.
Mais do que nunca, se verifica uma grande confusão nas crenças religiosas especialmente aquelas de matriz protestante; vivemos em uma verdadeira babel religiosa. Encontramos atualmente, dentro das crenças e das práticas protestantes elementos oriundos do xangô, do espiritismo, da magia, das religiões africanas, da teosofia, da valorização dos sonhos; o uso de fórmulas mágicas, palavras que funcionam no estilo abracadabra, dentre outros, e o mesmo se verifica na direção contrária, idéias do catolicismo e do protestantismo também estão impregnadas na religiosidade desses grupos. Na verdade, já não se pode falar daquilo que sejam sinais distintivos de determinada manifestação religiosa. Vivemos atualmente um tempo de antropomorfização do sagrado (Deus concebido em termos humanos) e da divinização do humano (o culto voltado para agradar o homem). É o fim da religião e o começo da pós-religiosidade, (para cunhar mais um termo novo). Nesse contexto prevalece a privatização do divino, qualquer pessoa cria a qualquer momento uma nova religião, uma nova crença, forjada com retalhos de crenças outras, oriundas de diversas matrizes. Temos poucas opções para esse tempo: abandonar a religião ou nos preparar para viver esse novo tempo numa perspectiva a-religiosa.