Epidemia Moderna - Edgard Steffen

ARTIGO - [ 31/10 ]

Notícia publicada na edição de 31/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.

O problema é que muitos pais e familiais costumam confundir crescimento com engorda e amor com alimentação

Esta semana, o Hospital Jardim das Acácias e a Uniso proporcionaram-nos feliz oportunidade cultural com o Simpósio “Qual a Tua Obra?”. No evento, o filósofo e educador Mario Sérgio Cortella deu um passeio pela vida do homem moderno, inclusive em seu descaso com os destinos do planeta e suas preocupações com alimentação.

Também nesta semana, fato relatado pela TV muito me impressionou. Casal de escoceses - marido e mulher com obesidade mórbida - perdeu o pátrio poder, por não estar controlando maus hábitos alimentares de seus sete filhos. A justiça escocesa os considerou incapazes. Se a moda pega, e a incompetência de pais e avós for levada a ferro e a fogo, restaria pouca gente a ser criada no seio da família. Pelo menos no mundo ocidental aculturado pela América do Norte.

Costumamos olhar os EEUU pela distorcida janela do cinema e das séries de televisão. Gente bonita, cheia de glamour, bem vestida, sai de belas casas em belos carros, trabalha em sofisticados escritórios e almoça em restaurantes mais sofisticados ainda. Bravos detetives, masculinos ou femininos, usam métodos ultracientíficos, resolvem crimes, prendem criminosos e voltam para seus apartamentos, sem temer a bandidagem. Em modernos hospitais, médicos discutem diagnósticos de casos dificílimos, e os resolvem com inteligência e equipamentos. Nada parecido com o Brasil.

Será que é assim? As eleições americanas invadiram a TV durante muito tempo. Barack Obama vs. Hillary Clinton e, depois, Obama vs. John McKain. Mais que enormes concentrações partidárias e longas filas de votantes, as silhuetas dos que se postavam nas filas ou vibravam nos comícios chamavam a atenção. Em contraste com o magrão Barack e a elegante Michelle, aquele mundaréu de gente obesa.

“Fries”, “fast”, “bigs”, “maxis”, “doubles”, “pets” (que nem cabem na geladeira) e outros tantos americanismos, já fazem parte da fala de nosso povo. Maximizados por técnicas de marketing e merchandising, os produtos que eles representam trouxeram, para nós, a epidemia de obesidade que assola o mundo ocidental.

Já escrevi sobre isso*. Cinco décadas, cuidando de crianças, e dos problemas de saúde pública na infância, permitem-me juízo crítico sobre competência de famílias na alimentação de seus rebentos. Ganhar peso faz parte da biologia da criança; em processo de crescimento, ela incorpora massa, incorporação que se reflete na balança. O problema é que muitos pais e familiais costumam confundir crescimento com engorda e amor com alimentação. Perguntem a qualquer pediatra as maiores dificuldades encontradas no exercício da Puericultura; entre as cinco primeiras, quase certo, ele incluirá “conseguir manter em aleitamento materno bebês que engordam pouco, ainda que dentro dos parâmetros desejáveis”. A insegurança familiar acaba desembocando no desmame precoce e o alergênico leite de vaca - feito para bezerro e não para o filhote de homem - entra, sob forma de mamadeira, na dieta do futuro obeso.

A criança maiorzinha, bombardeada pela televisão e seus comerciais, acaba condicionada a consumir produtos com muito sal, muita gordura, e flavorizantes que dão sabores àquelas féculas de baixo teor nutricional e alto valor calórico. Como agravante, presa aos videogames ou à enxurrada de desenhos que preenchem seu dia, a criança pouco se movimenta. Como se isso não bastasse, também sugestionadas pela propaganda maciça, muitas famílias esqueceram um objeto comum a todas as casas: a talha de barro com água fresquinha. Vão à geladeira em busca de líquido escuro, muito doce e muito gasoso, que precisa ser consumido bem gelado - o gelo e o gás carbônico anestesiam as papilas gustativas - para que o gosto real do produto não seja sentido. Conheci várias crianças que, a não ser nos primeiros meses, nunca beberam água em sua consumista vida.

Depois de uma semana cheia de fast foods e comidas por quilo, no descanso semanal, famílias procuram comida caseira. O filósofo Cortella** ironiza: Muitas famílias reúnem-se, aos domingos, e saem de casa... para comer “comida caseira”.

(*) “As Gordas do Brasil” - Cruzeiro do Sul - pág. A2 - 18/01/2005.

(**) Cortella, M.S. in “Qual é a tua obra? Ética, vida e esperança” - 3º Simpósio - Rede de Assistência em Saúde Mental - Jardim das Acácias

Edgard Steffen é médico pediatra (edgard.steffen@gmail.com)

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 31/10/2009
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