A FILOSOFIA DE OLIVEIRA VIANNA
Muitas vezes já ouvi a observação de que os intelectuais brasileiros não lêem nem valorizam os autores brasileiros. O que fascina os acadêmicos predominantemente é o recurso a sistemas interpretativos e explicativos, provindos de filósofos, sociólogos, psicólogos, juristas e economistas europeus ou norte-americanos. Isto faz com que, praticamente, nos mestrados e doutorados da pós-graduação brasileira, nas áreas das artes e ciências humanas, apenas se valorizem pesquisas sobre autores estrangeiros. Claro, não podemos deixar de estudá-los e utilizá-los metodologicamente para compreendermos a realidade brasileira. Mas estudá-los simplesmente na perspectiva de que os seus escritos sejam capazes de nos fornecer a chave de interpretação da evolução de nossa história social é temerário. Muitos destes intelectuais, de outras terras, não tinham noção alguma, nem fizeram a mínima referência ao desenvolvimento de nosso país e à história da constituição de nosso povo. Como poderiam então ser os mentores e os mediadores da compreensão de nossos problemas, e da solução a lhes dar? Penso que o grande esforço para “descobrir”, compreender e repensar o Brasil deve passar pelo estudo de nossos pensadores, escritores e pesquisadores do passado, que se esforçaram em descrever o Brasil, e compreender o povo que somos. Concordar ou discordar das interpretações feitas será resultado de nossas sínteses rigorosas, fundamentadas em pesquisas mais profundas do que aquelas que foram realizadas pelos intérpretes do passado. Somente se tivermos pesquisado mais do que estes, estamos autorizados a colocá-los no inferno do esquecimento, ou do desprezo, quando descobrirmos a fragilidade de suas teses. Digo isto como preliminar de minhas considerações, que farei sobre Oliveira Vianna. Constata-se que, hoje, em pouquíssimos ambientes universitários brasileiros se lê e analise as idéias deste intelectual brasileiro, outrora considerado professor, escritor, jornalista, jurista, etnólogo, historiador e sociólogo. Desde já podemos dizer que, mesmo querendo, o Brasil não poderá se esquecer de Oliveira Vianna, pois ele se encontra na raiz das leis trabalhistas, e do incentivo à criação dos sindicatos durante o governo de Getúlio Vargas. Mas, antes de falarmos da filosofia de Oliveira Vianna o situemos em seu contexto existencial.
A vida e a obra
Francisco José de Oliveira Vianna nasceu no Rio Seco de Saquarema, localidade fluminense, em 20 de junho de 1883, e faleceu em Niterói, RJ, em 28 de março de 1951. A sua origem é burguesa. Por isto, estudou em bons colégios, e bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Desde cedo começou a escrever. A primeira obra, que o consagrou como escritor, sociólogo e historiador, foi publicada em 1920, com o título Populações Meridionais do Brasil(v. 1). O segundo volume, com o mesmo título, somente foi publicado postumamente em 1952. Populações Meridionais teve um grande êxito, e se tornou, durante muito tempo, referencial necessário para a interpretação da cultura brasileira. Depois deste primeiro livro, Oliveira Vianna não parou mais de escrever. A sua obra completa encontra-se na “Casa de Oliveira Vianna” em Niterói, no Rio de Janeiro. Esta Casa hoje é um centro de estudos, visitada por pesquisadores do pensamento brasileiro. Os principais livros de Oliveira Vianna são: Populações Meridionais do Brasil, v.1 (1920), v.2(1952- publicação póstuma); Pequenos estudos de psicologia social (1921); O idealismo na evolução política do império e da república(1922); Evolução do povo brasileiro (1923); O acaso do império(1925); O idealismo da constituição (1927); Problemas de política objetiva(1930); Raça e assimilação (1932); Formation ethnique du Brasil coloniel (1932); Problemas do direito corporativo (1938); As novas diretrizes da política social (1939); Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras(1940); Os grandes problemas sociais (1942); Problemas de direito sindical(1943) Instituições políticas brasileiras, 2 vols.(1949); Direito do Trabalho e democracia social(1951); Introdução à história social da economia pré-capitalista no Brasil (1958- publicação póstuma).
Toda esta produção literária mereceu a Oliveira Vianna ser eleito para a cadeira de n. 8 da Academia Brasileira de Letras, na qual foi recebido em 1940, com um discurso do acadêmico Afonso Taunay.
Até a revolução de 1930, Oliveira Vianna se dedicou principalmente ao magistério e ao estudo da realidade brasileira. Disto lhe nasceu o profundo desejo de fazer do Brasil um país moderno, como era o caso de tantos outros intelectuais da época. Basta recordar A Semana Modernista, realizada em São Paulo em 1922, e o Manifesto Antropofágico, publicado por Oswald de Andrade em 1928. Oliveira Vianna não concordava com muitas idéias destes movimentos, mas o seu engajamento era o mesmo: fazer com que o Brasil conhecesse a sua realidade, e desenvolvesse suas potencialidades.
Oliveira Vianna não participou diretamente da revolução de 1930. Mas, logo após a revolução, o interventor do Estado do Rio de Janeiro lhe pede pareceres e quer nomeá-lo prefeito de Saquarema. Ele recusa. Contudo, simpático às idéias getulistas, em 1932 é nomeado para a consultoria jurídica no Ministério do Trabalho, onde se tornou o principal formulador da política sindical e social do Governo de Getúlio Vargas, até 1940. Getúlio quis nomeá-lo Ministro do Supremo Tribunal Federal, mas Oliveira Vianna recusou, alegando que não conhecia suficientemente o direito civil, além de impedi-lo de continuar a sua dedicação às pesquisas sociológicas. No entanto, em 1940 aceitou a nomeação de ministro do Tribunal de Contas da União, pois considerou que este cargo lhe permitiria continuar as suas pesquisas.
Oliveira Vianna era de índole retraída. Por isto aceitava poucas conferências e viajava pouco. A sua vida se restringiu ao ambiente do Rio de Janeiro, fora algumas curtas viagens a São Paulo, a São José dos Campos e às Estâncias hidrominerais de Minas Gerais para tratamento de saúde. Disto, naturalmente, segue que Oliveira Vianna foi um observador literário abstrato da história que interpretou e da psicologia social brasileira que tentou entender. Quando fala, por exemplo, de Pernambuco, ou de outras regiões do Brasil, o faz apenas pelo que seus livros lhe relatam. Nunca esteve em tais terras, para melhor entender sua geografia e a índole de seu povo de forma realística. É claro que isto, de certa forma, interfere científico de suas interpretações. Embora, sejamos justos, interprete com muita acuidade e veracidade aspectos significativos da realidade brasileira. Isto nos dá a convicção de que Oliveira Vianna, ainda hoje, deve ser visitado por todos aqueles que se propõem a conhecer a evolução e a situação atual de características psicológicas e sociais do povo brasileiro, concordemos ou não com suas intuições.
2. Os Inspiradores de Oliveira Vianna
Oliveira Vianna não aparece como um iluminado genial e solitário no mundo intelectual brasileiro. O seu modo de pensar, agir e interpretar está engrenado em elos de pensamento anterior. Analisando os mestres que teve, e os autores que leu não é difícil situá-lo em relação às suas dependências intelectuais. Não é plagiador, e o mérito de suas sínteses é seu. Mas, afirmar que houve antecessores que se articularam numa linha de pensamento análoga a dele, não é demérito. Ele mesmo nos dá algumas dicas sobre quem mais o influenciou. Nem será muito difícil identificar estas dependências específicas. Por outro lado, a própria época em que Vianna viveu nos oferece uma chave de interpretação do seu pensamento. Num primeiro momento, vejamos quem terá influenciado Oliveira Vianna.
Já em seu primeiro livro, Populações Meridionais, percebe-se a presença da escola sociológica de Le Play, da psicologia coletiva de Le Bon e Tarde, da antropo-sociologia e do racismo de Lapouge, e de Gobineau. Eventualmente encontramos referências que nos podem sugerir que ele leu Marx e Weber. Nada mais marxiano do que sua convicção de que a insociabilidade do povo brasileiro se deve à falta de luta de classes em nossa história. Com certeza, esta convicção o leva a participar da estruturação dos sindicatos na era getulista. Assim pensava superar o espírito de clã e aumentar o compromisso social na sociedade brasileira. Há também indicativos do evolucionismo e do positivismo em sua obra. A presença destas ideologias, talvez, se deva mais a seus mentores do que a leituras diretas de Darwin, Haeckel, Comte, etc. Não poderíamos aqui deixar de mencionar, que a base de informação para a interpretação da vida e dos costumes, do período colonial e da época imperial, Vianna busca nos relatos dos viajantes, que visitaram o Brasil nestes tempos, ou nos escritos dos missionários, que, em quase sua totalidade, também eram estrangeiros.
Além destas influências de autores estrangeiros no pensamento de Vianna, ele mesmo declara sua concordância com a doutrina social católica, expressa nas encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno. Afirma, explicitamente, que a doutrina social da Igreja Católica é, em todos os sentidos, correta.
Quando se trata da interpretação da evolução política do Brasil, Oliveira Vianna critica o deslumbramento de nossas elites políticas com as idéias estrangeiras, que considera inadequadas para explicar o decurso de nossa história, e a formação da mentalidade de nossas elites e do povo-massa. De alguns autores, muito citados por aqui, Oliveira Vianna se distancia conscientemente. Distancia-se dos seguidores americanos do panculturalismo. Dentre eles, de Boas e seus seguidores, pois, segundo Vianna, estes querem explicar todo o sistema social através da cultura, até os fenômenos fisiológicos, sem considerar a relevância dos fatores biológicos. Aqui está, provavelmente, um dos motivos porque Gilberto Freyre, discípulo de Boas, se referiu, em diversas ocasiões, com agressividade a Oliveira Vianna. Claro, Freyre não citou este motivo e justificou sua discordância em relação ao “arianismo” de Vianna.
No que se refere às influências sofridas por Oliveira Vianna, por parte de pensadores brasileiros, deve-se destacar, sem dúvida, em primeiro lugar, o Visconde do Uruguai (Paulino José Soares de Souza). De fato, há uma grande sintonia entre o pensamento de Uruguai e de Vianna, principalmente quando se trata de estudar e explicar o Brasil. Desta forma, quem ler Vianna, e conhecer os escritos de Uruguai, reencontrará este naquele. No entanto, Vianna não se declara diretamente influenciado por Uruguai. Alguns intérpretes identificam Alberto Torres como o grande mentor de Vianna. Mas, o próprio Oliveira Vianna declara que foi Sílvio Romero quem o despertou para o caminho metodológico e nacionalista que seguiu. Embora Monteiro Lobato, em muito, se distinga de Oliveira Vianna, contudo foi ele que publicou diversos livros e escritos dele, e lhe dispensou longa amizade.
Não temos aqui a pretensão de fazer um inventário completo dos que supostamente condicionaram a filosofia de Oliveira Vianna. Alguns intérpretes o querem situar, simplesmente, na lista dos conservadores, saudosos do regime imperial, interpretando a história a partir dos vitoriosos, dentre os quais Varnhagen (Visconde de Porto Seguro) é considerado um protótipo, quando narra a história do Brasil. Esta forma de narrar a história estaria de acordo com a expressão do imperador romano César: “vae victis”( Ai dos vencidos!).
4. Idéias em destaque
Oliveira Vianna, de certa forma, ainda é filho da mentalidade imperial. Esta mentalidade não se extinguiu imediatamente com a proclamação da República. E, nas primeiras décadas da República, encontramos diversos intelectuais com certo saudosismo do período de Dom Pedro II. Este saudosismo permaneceu também, com certeza, porque a 1ª. República manifestou impressionantes fraquezas, deixando o Brasil numa situação de estagnação. Mas, aos poucos, foi crescendo o desejo de modernizar o país. Para modernizá-lo seria necessário conhecê-lo. Era isto que faltava. O Brasil não estava apenas de costas para a América Latina, mas também de costas para si mesmo. A intelectualidade brasileira não tinha um pensamento próprio, era simplesmente caudatária do pensamento francês e alemão. Já no prefácio de seu primeiro livro Populações Meridionais do Brasil Oliveira Vianna declara:
O sentimento de nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães-
generais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes; há um
século vivemos politicamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e
práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram
inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois de sua
independência. O grande movimento democrático da revolução francesa; as
agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que
regem a República Americana, tudo isto exerceu e exerce sobre os nossos
dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação
magnética, que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos
problemas. Sob este fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil
real e criam para uso deles um Brasil artificial e peregrino, um Brasil de
manifesto aduaneiro, made in Europe – sorte do cosmorama extravagante,
sobre cujo fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar,
passam e repassam cenas e figuras tipicamente européias.
Neste texto reflete-se claramente a crítica de Oliveira Vianna relativa à alienação dos intelectuais e dirigentes do Brasil, interessados em implantar no país sistemas estrangeiros. Estes sistemas surgiram e se enraizaram numa realidade diferente da nossa: a Europa. Sistemas copiados da Europa não servem para interpretar e organizar a realidade brasileira. A população brasileira, a geografia brasileira é muito diferente da européia. O Brasil possui especificidades que precisam ser estudadas, para se criar organizações adequadas à psicologia do nosso povo, para que se consiga transformar este povo-massa numa nação. Inclusive, a idéia de Brasil na mente de muitos dos nossos dirigentes não corresponde à realidade, pois, segundo Vianna, é costume entre nós falar do povo brasileiro como se fosse uma massa homogênea e única, distensa, com perfeita igualdade, através de uma vastíssima superfície de oito milhões de quilômetros quadrados, e guardando por toda ela a mesma densidade social e a mesma unidade de composição e de estrutura( cf. Populações Meridionais). Para Vianna, os brasileiros têm uma imagem distorcida de seu país. O que, naturalmente, tem como conseqüência propostas políticas inadequadas para a solução de nossos problemas. E, para se conhecer o país a fim de formular políticas condizentes, a primeira exigência é estudar a evolução de sua história e a composição de seu povo. Com este pressuposto, Oliveira Vianna vai em busca das fontes que lhe possam revelar o Brasil real. Assim recorre aos escritos dos viajantes que visitaram o país durante o período colonial e imperial, os relatos dos missionários e as crônicas literárias deste período. Começa citando O Valeroso Lucideno de Frei Manoel Callado; as Narrativas Epistolares de Fernão Cardim; a Nobiliarquia Paulistana de Pedro Tacques; as narrações de Saint-Hilaire, e de tantos outros que lhe servem de apoio para as suas teses. Interessante é que Vianna se confessa rigorosamente científico em suas conclusões. No entanto, quando usa suas fontes históricas, para fundamentar seus argumentos, não receia em reunir em seu favor afirmações de autores muito distantes entre si. Assim, um texto do séc.XVI ou XVII pode aparecer ao lado de outro do séc.XIX, como se entre estes não existissem séculos de história. Mas, a partir desta síntese de textos, Vianna constrói a sua compreensão da história da formação do povo brasileiro, de sua psicologia social e de sua genética.Como Vianna nasceu e viveu no Rio de Janeiro, visitou algumas vezes São Paulo e Minas Gerais, o seu conhecimento do Brasil como um todo foi praticamente livresco. Por isto, quando fala, por exemplo, de Pernambuco suas informações são exclusivamente literárias ou orais. Diretamente não conhecia nem a geografia, nem o povo de Pernambuco. Isto, naturalmente, levanta sérias questões quanto à validade das afirmações globais que muitas vezes faz do Brasil como um todo. Mas, quais são, então, as principais características do Brasil real, como Oliveira Vianna o entende? Vejamos.
De acordo com outros contemporâneos seus, Oliveira Vianna está convicto de que os problemas do Brasil só seriam corretamente equacionados se sua história fosse bem analisada desde os primórdios da colonização. Por isto se propôs como tarefa aprofundar-se no conhecimento desta história e interpretá-la. O tempo presente nada mais é do que o resultado objetivo dos séculos passados desde os inícios da colonização. E o que havia ocorrido no Brasil nestes mais de 400 anos de sua história? Os portugueses encontraram aqui indígenas, habitantes das selvas; importaram milhões de escravos africanos e, nos inícios do período imperial, começaram a chegar ao Brasil os imigrantes europeus. Destas populações originárias descende o atual povo brasileiro, que, em sua maioria, é um povo miscigenado pelo caldeamento entre a raça branca européia, a raça negra e os indígenas. Na maioria de seus escritos de interpretação histórico-social, Oliveira Vianna se serve do preconceito racista de que o sangue europeu-ariano é sangue bom e o sangue dos negros africanos e dos indígenas é sangue ruim. Vianna pouco se preocupa com as sobras indígenas na cultura brasileira. Mais o preocupa o resultado do intercâmbio dos brancos com os negros, que povoou o Brasil mulatos. Não é que esta miscigenação condene o Brasil a um status de inferioridade em relação a outros países com raça ariana predominante. Mas, de acordo com a ideologia de Gobineau e Lapouge, para que as qualidades do sangue bom se imponham, é preciso que a raça negra case com a raça branca. Pois, nestes sucessivos casamentos, a população vai se embranquecendo cada vez mais. Desta forma, as raças inferiores dos negros e dos indígenas, e em quem seu sangue ruim for predominante, vão sendo subsumidas, fazendo com que suas qualidades sejam enobrecidas pelas qualidades da raça superior. Assim, o Brasil, aos poucos terá condições de se tornar um país moderno de cara mais branca (limpa!). Mais para o fim de sua vida, Vianna vai rever esta sua valoração racial, e atribuir-lhe menos importância na interpretação do Brasil. Mas os livros “históricos” de Vianna estão repletos de conceitos negativos em relação a grandes parcelas da população brasileira. Pertencem às raças inferiores os mestiços, os mamelucos, os cafusos, os mulatos, os jeca-tatus , os matutos, etc...
Por causa de sua linguagem em categorias raciais, pela qual classifica as pessoas como pertencentes a raças superiores e raças inferiores, Oliveira Vianna já foi xingado de “simpático ao nazismo”. A mentalidade de sua época estava impregnada pelas idéias do embranquecimento do Brasil. E muitos destes intelectuais e diplomatas, que assim pensavam, são menos criticados do que Vianna. Já a política imperial de somente permitir a entrada de imigrantes brancos no Brasil se fundava na idéia de embranquecer a população.
Outra questão fundamental nas conjeturas de Oliveira Vianna é sua crítica a um governo liberal para o Brasil. Para Vianna, o povo-massa do Brasil não se desenvolverá com o laissez- faire liberal. Claro, o povo deve ter liberdade para se organizar, mas por si só nunca fará isto. A história brasileira criou um povo insocial, o que impede a formação de uma consciência nacional. Sem a consciência de nação, o Brasil não passava de um conjunto de republiquetas análogas ao “Sítio do Pica-pau-amarelo”. Quem deveria induzir o povo-massa a superar sua insociabilidade é o Governo. Um Governo centralizado e autoritário. Este autoritarismo não seria totalitário, mas instrumental. A centralização e o autoritarismo do Governo lhe dariam força para demolir o poder fragmentado dos clãs familiares, do coronelismo, dos clãs políticos, origem das corrupções dos políticos e dos juízes, de todo tipo de abusos, do nepotismo, do não cumprimento das leis, dos currais eleitorais, enfim do atraso do Brasil. Um governo centralizado e autoritário poderia criar e induzir a criação de instituições sólidas e duradouras, e zelar por elas. Estas preocupações de Oliveira Vianna com a inexistência de um Brasil-nação devem ter sido um dos motivos de sua simpatia por Getúlio Vargas e a adesão a seu Governo, centralizador e autoritário. Esta simpatia por Getúlio não foi apenas de Vianna. O próprio Getúlio se cercou de modernistas, que, por sua vez, ao menos até o surgimento do Estado Novo, corresponderam aos apelos do Presidente. Vianna teve participação ativa na criação dos sindicatos dos trabalhadores da indústria, na elaboração das Leis Trabalhistas, e, de forma indireta, contribuiu para a Constituição de 1937. Estranho é que Vianna, embora entendesse o Brasil como um país rural, não tivesse sugerido a Getúlio a elaboração de Leis Trabalhistas também para os trabalhadores rurais.
Para Oliveira Vianna um dos grandes males da situação de atraso no Brasil, da falta de consciência nacional, da insocialibilidade do povo-massa era a carência de organizações classistas. Para ele, foi a luta das diferentes classes por reconhecimento e direitos que fez com que a situação dos trabalhadores nos países mais avançados melhorou. No Brasil não existia uma história da luta de classes.
Poderia-se aqui entender que Vianna tivesse lido Marx. Mas, ao que tudo indica, estas suas idéias sociais provinham muito mais da influência de comunitaristas católicos, do que dos utopismos socialistas. Por causa destas suas idéias de organização da população em classes, os liberais o acusam de corporativista, que, na mentalidade de hoje, é um termo pejorativo. Por outro lado, por causa de sua proposta de um Governo Autoritário e centralizador, idéia assumida pelos militares de 1964, Vianna foi “condenado ao inferno” também pelos esquerdistas. Por isto, no mundo acadêmico, hoje, poucos se propõem a visitar Oliveira Vianna, pois o teriam que visitar no inferno. Nesta comunicação, propus-me a visitá-lo brevemente. No entanto, sem a pretensão de tirá-lo deste “inferno” do esquecimento. Após a visita, penso que em breve Oliveira Vianna novamente será mais lembrado, pois até hoje ele vagueia entre nós, quando criticamos a situação do Brasil e quando procuramos entender melhor a história de nosso país.
Conclusão
Para Oliveira Vianna, para entendermos a psicologia social de um povo, é fundamental conhecer a sua evolução histórica. O mérito de Vianna é o exemplo de seu esforço por pesquisar o que realmente ocorreu nos séculos de gestação do que somos hoje. À base deste conhecimento ele tirou conseqüências e se engajou em encaminhamentos que julgou adequados. Com uma série de considerações, que fez, hoje, não concordamos mais. Mas, em seu tempo ele foi criativo, inovador, por assim dizer, o pai da psicologia social no Brasil. Não basta aderirmos aos críticos de suas idéias, sem ler a obra de Oliveira Vianna. Muitos colocam em sua boca, ou em suas idéias, o que ele nunca disse nem pensou, nem quis. Após o termos lido e estudado teremos condições em retirá-lo, ou deixá-lo no “inferno”. Assim como nós, sob diversos aspectos, somos frutos de nossa época, assim Oliveira Vianna pagou tributo à sua época. Mas, sem dúvida, foi honesto e rigoroso no que disse e fez, destacando-se entre os muitos de seu tempo.
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