Em nome da lei e da ordem - Ives Gandra da Silva Martins

ARTIGO - [ 29/10 ]

Notícia publicada na edição de 29/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.

A formatação da nossa lei maior tem sido para um sistema parlamentar de governo, ideal frustrado nas discussões finais do texto, em plenário da Constituinte

A Constituição Brasileira, com 250 artigos de disposições permanentes, 95 de disposições transitórias e 62 emendas - das quais 56 originárias de processo ordinário e 6 da revisão de 1993 - tem sido considerada uma Constituição demasiadamente pormenorizada, com inúmeros artigos que não mereceriam encontrar-se num texto supremo - como, por exemplo, o artigo 242 parágrafo 2º, que impõe a permanência do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro, na órbita federal.

Apesar de prenhe de defeitos, seu mérito maior, todavia, em face da absoluta liberdade que os constituintes tiveram para a discussão de um modelo de lei fundamental, foi o de ter criado um sistema em que o equilíbrio de Poderes é inequívoco. Em nenhum texto anterior (1824, 1831, 1934, 1937, 1946 e 1967, com suas emendas) tal realidade revelou-se de maneira tão nítida como no de 1998. Nem mesmo Estados Unidos, pátria do presidencialismo, segue a teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu, - que a própria França não hospeda - com separação tão nítida como no Brasil, nada obstante o instituto das medidas provisórias ofertar impressão diversa.

Deve-se tal equilíbrio ao fato de que toda a formatação da nossa lei maior tem sido para um sistema parlamentar de governo, ideal frustrado nas discussões finais do texto, em plenário da Constituinte, com o que alguns dos mecanismos de controle dos poderes, próprios do parlamentarismo, remanesceram no texto brasileiro. A própria medida provisória, cujo teor foi, quase por inteiro, cópia da Constituição de um país parlamentarista (a italiana), demonstra que a mudança do “rumo dos ventos”, no plenário da Constituinte, não foi capaz de alterar o espírito que norteara as discussões nas Comissões, até então. Creio que a solução não foi ruim.

Criou-se um Poder Judiciário, como guardião da Constituição (artigo 102), que tem exercido com plenitude tal função, evitando distorções exegéticas que poderiam pôr em risco a democracia no País; um Poder Legislativo, com poderes reais de legislar, não poucas vezes tendo rejeitado medidas provisórias do Executivo; e um Poder Executivo, organizado dentro de parâmetros constitucionais, que lhe permitem adotar as medidas administrativas necessárias para que o País cresça e viva plenamente o regime democrático, sem tentações caudilhescas por parte de seus presidentes.

Por esta razão, nestes vinte anos, O Brasil conheceu um “impeachment” presidencial, superinflação não hiperinflação, que sempre desorganiza as economias- escândalos como dos anões do Congresso e do “mensalão”, alternância do poder e jamais, aqui, se falou em ruptura institucional, numa demonstração de que as instituições funcionam bem. Os três Poderes, nos termos do art. 2º da lei suprema, são “independentes e harmônicos”.

Este equilíbrio inexiste em nossos vizinhos. A Constituição Venezuelana, com seus 350 artigos e 18 disposições transitórias, além de uma disposição final, de rigor, apesar de mencionar 5 Poderes, hospeda um apenas, visto que o poder judiciário, o ministério público e o poder legislativo são poderes acólitos do Executivo e o quinto poder, o povo, manipulável pelo Executivo.

Assim é que, no seu artigo 236, admite, pelo inciso 22, que não só pode o presidente convocar “referenduns”, como, pelo inciso 21, dissolver a Assembléia Nacional, sobre ter, pelo inciso 8, o direito de governar, sem a Assembléia Nacional, por meio de leis habilitantes.

No Brasil, o plebiscito e o referendo são convocados pelo congresso nacional (art. 14 incisos II e III) e o presidente de República, não tem, entre suas competências (art. 84), o poder de dissolver o congresso.

Ao contrário, o presidente da república pode sofrer o “impeachment” (arts. 85 e 86) do Congresso Nacional, sendo, neste particular, uma Constituição em que o Legislativo tem força para afastar o presidente da República, mas o presidente não tem forças para dissolver o congresso.

Como se percebe, o modelo venezuelano é de um poder só, o presidencial, o que tem levado o caudilho Hugo Chávez a abusos crescentes, mediante cerceamento da liberdade de expressão, com fechamento de emissoras de TV e redes da oposição, convocações de referendos, que manipula a ponto de não permitir, nos mesmos lugares em que faz comícios para defender seus pontos de vista, que a oposição se utilize daqueles mesmos espaços para expor as suas idéias.

Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, Unifieo, Unip, CIEE-O Estado de São Paulo e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-Eceme e Superior de Guerra-ESG, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio e do Centro de Extensão Universitária - CEU.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 30/10/2009
Código do texto: T1895086