ANTICLERICALISMO NO NORDESTE DO BRASIL ENTRE 1862-1907 NA LITERATURA DE CORDEL
ANTICLERICALISMO NO NORDESTE DO BRASIL ENTRE 1862-1907 NA LITERATURA DE CORDEL
Cristina Nóbrega
Rosely Pontes ___________________________________________________________
RESUMO
O Anticlericalismo sempre esteve presente na história do Cristianismo, principalmente no iluminismo, durante o período da Revolução francesa. No Brasil, nossa ênfase está na cidade do Teixeira na Paraíba, chamando a atenção sobre três clérigos importantes, tanto por sua atuação política, educacional, humanitária e pastoral que são: o Padre Antonio Pereira Ibiapina, o Cônego Bernardo Fragoso, e o anticlericalismo presente na literatura de cordel a partir das experiências do poeta Leandro Gomes de Barros com seu tio, o Padre Vicente Xavier de Farias.
PALAVRAS-CHAVE: Anticlericalismo, literatura de cordel, caridade, política, educação.
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INTRODUÇÃO
Esse trabalho é resultado de uma pesquisa de campo em andamento e também bibliográfica sobre as famílias ilustres do Sertão da Paraíba do Século XIX e início do Século XX, suas relações com o clérigo que servia muitas vezes como professor contratado para ensinar, em casa ou na paróquia, os filhos de famílias abastadas, além das funções de pastor, ou ainda como político militante.
Falaremos da literatura de cordel como veículo de transmissão de notícias e conhecimentos a uma gente que em sua maioria era analfabeta, sem escolas ou bibliotecas, mas que ouviam as narrativas rimadas de forma simples. A poesia de cordel serviu como meio de denunciar os desmandos tanto dos párocos das igrejas locais, como dos políticos, das injustiças sociais, dos flagelos da seca, do cotidiano de suas vidas, em fim, da sua história.
Analisaremos alguns poemas de Leandro Gomes de Barros, sua importância para a literatura de cordel no Brasil, sua importância na educação básica e seu ressurgimento no final do século XX e XXI.
1-O ANTICLERICALISMO
O Anticlericalismo se apresenta como um delimitador da influência do poder clerical e interferência sobre aspectos sociais e políticos da vida pública. Percebe-se, claramente, o anticlericalismo no Cristianismo, mas há atitudes anticlericais nas demais religiões. “O Anticlericalismo foi um sentimento presente no iluminismo, revolução francesa, nas revoluções proletárias e/ou socialistas. Há países laicos que barraram ou reduziram a influência do clero em sua política e até mesmo estatizando as propriedades clericais.”
Pode-se encontrar Anticlericalismo em decorrência de uma experiência traumática; no convívio com outras pessoas com a qual tenha existido uma simpatia em dado momento ou uma reação contra indivíduos com as quais se tenha convivido, estabelecendo-se uma relação conflituosa seja com companheiros, amigos, pais e professores.
Atitudes anticlericais têm níveis de identificação social, relacionam-se com certos grupos de referência [...] juventude, classe social, ideal político, afinidades culturais. De certa forma, não existe apenas anticlericalismo, mas xenófobos, fascistas, democratas, etc., senão em grupos de famílias. A extensão da discussão sobre anticlericalismo é ampla. Tanto na irreligiosidade e ateísmo teórico ou prático, gerando tipos confusos [...] Também, o homem religioso e por sê-lo, é sacudido por ventos anticlericais. Este anticlericalismo popular e religioso surge a partir do tipo de clérigo.
Podemos continuar falando sobre famílias anticlericais, unidos por parentesco comum, porém supõe-se que há uma ruptura com as crenças ou com a vida religiosa. Alguns itens apontam para um diagnóstico sobre Anticlericalismo feito por Moraz.
O anticlericalismo, em geral, mantém uma postura de militância ou oposição e crítica contra a igreja de forma sistemática [...] Anticlericalismo interno quando se vê a igreja como instituição visível, mas há uma critica quanto à sua institucionalização. As atitudes, a vida, a ação do clero ou parte do clero. São ódios e lutas dentro da família [...] Anticlericalismo a partir do ateísmo teórico ou prático do homem moderno. O ateísmo é um dos mais complexos. Às vezes, se apresenta como militância fanática de uma “pseudo-religião.” O anticlericalismo e ateísmo dentro da universidade como campo cientifico. Anticlericalismo a partir da militância marxista. A rebelião contra a ‘ditadura de Deus e de sua ordem moral’.
O super-homem e o anticlericalismo de Nietzsche quando afirma que “Deus está morto”, o eterno retorno, a valoração da vida e a vontade frente à razão [...] Nietzsche e o grande profeta da falta de fé moderna [...] o homem autêntico é aquele que aceita a vida, a natureza, a liberdade. (tradução nossa).
1.1 Anticlericalismo na Região Nordeste do Brasil: Pe. Ibiapina, Cônego Bernardo e Pe. Vicente na cidade de Teixeira-PB
No Nordeste surgiu um Catolicismo cheio de tradições pagãs, fruto da miscigenação.
No Século XIX surgiram expoentes máximos desse catolicismo místico e popular como Frein Caetano de Messias em 1843; Pe. Manoel José Fernandes, 1848; Frei Serafim de Catana entre 1849-1853, Pe. Hermenegildo Herculano Vieira, Pe. Jose Antonio Pereira Ibiapina, como “difusores e reprodutores do tecido social.” Falaremos a seguir sobre três padres, cujas atividades marcaram a sociedade de 1846 até o ano de 1907 na cidade do Teixeira na Paraíba.
1.1.1 O Pe. José Antonio Pereira Ibiapina (Pe. Ibiapina)
A história de vida do Pe. José Antonio Pereira Ibiapina mostra dificuldades e reveses vividos por sua família, seus estudos do latim no ensino primário e tentativas frustradas em ingressar no Seminário de Olinda. Diplomou-se em Direito em 1832, na primeira turma da Faculdade de Direito em Olinda e, dois anos após, torna-se juiz de direito e chefe de polícia em Quixeramobim-CE entre 1834-1837.
Quadro 1. Defesa Feita pelo Doutor Ibiapina
Quando o padre Ibiapina
Ainda era doutor
Que depois disso ordenou-se
E foi grande pregador
Se foi bom advogado
Inda foi melhor pastor
[...]
Um soldado disse ao réo
Que mandasse chamar
E disse, aquella sentença
Ainda se pode anular
O doutor Ibiapina
Querendo pode o salvar.
[...]
Inda o jury trabalhava
Ibiapina chgou
Deregiu-se a sala livre
Pediu licença e entrou.
Que deseja o cavalheiro?
O juiz lhe perguntou.
Desejo ver a sentença
De um réo que foi condenado
Disse o juiz de direito
O réu foi sentenciado.
Eu quero ver o processo,
Disse-lhe o advogado. [...]
Disse-lhe Ibiapina
Faz-me o favor de mostrar
Eu quero ver o processo
Preciso o examinar
Eu sou defensor do réo,
Tenho razão de fallar.
[...]
Disse-lhe o Ibiapina
Ora! Illustre promotor
Admira-me bastante
Estas phrases do senho
O réo também é um homem
Como eu e o doutor
[...]
Leitor pode dar por visto
Esse caso assim foi dado
A historia está escrita
No século próximo passado
Deu-se no Brejo de Areia
Resultou que da cadeia
O réo sahiu perdoado.
Recife, 5-7-1917
Cordel de Leandro Gomes de Barros- Publicado no Recife em 05/07/1917-Na tipografia da Rua Motocolombó nº 28 Bairro dos Afogados.
Fora da magistratura, continuou exercendo o cargo político ativo. Posteriormente, transferiu-se para o Recife e viveu da profissão de advogado até 1850, porém nunca se casou e, viveu em comunhão com os clérigos e leigos da igreja em Pernambuco, sendo ordenado padre no mesmo ano. Iniciou sua vida como clérigo entre 1855-1860. “Era a personificação da imagem do homem padre despojada de vaidade e riqueza. Para o homem do sertão ele era “encarnação da santidade”.
Arievaldo Viana citando o poeta Joaquim Batista de Sena, nascido em na fazenda Bananeira, na cidade de Solânea-PB, afirma que o Pe. Ibiapina resolvera abandonar a sua atividade de advogado por uma razão mística. “Certo dia, tarde da noite, tentava atravessar um rio cheio, quando chegou um homem tangendo uma manada de porcos. Os porcos recusaram entrar na água e nada podia demovê-los de sua teimosia”. Então, em certo momento, o homem teria dito: “vamos porcada, entra nesse rio como advogado entra no inferno”. Mal fechou a boca, os porcos se lançaram na água e atravessaram rapidamente o rio. Por esta razão, Ipiabina resolvera deixar de ser advogado”.
Ainda Viana nos informa, sem citar a fonte que o Pe. Ibiapina teria sofrido uma desilusão amorosa em Quixeramobim. Mas, esta merece mais investigações.
Frei Hugo Fragoso, em seu artigo O vigário Bernardo, reflexo da face do povo teixeirense, vê o Pe. Ibiapina como profeta, admirado por sua santidade e pelo poder de sua palavra, mas que “se temia diante da ira de seu verbo. Era uma imagem que se admirava à distância, pois entre a sua imagem de profeta e o povo teixeirense se interpunha “o pó de suas sandálias”, sacudidas em sinal de maldição”.
O Pe. Ibiapina fizera missões na Serra do Teixeira antes da atuação como pároco, o cônego Bernardo. “Logo que este chega, desencadeia-se uma onda de crimes e cangacerismo, enlutando as famílias Teixeirenses e criando um abismo de ódio e vinganças.”
É nesse ambiente que volta o Pe. Ibiapina. A 20 de janeiro de 1864, segundo fonte do jornal O Teixeirense em seus ataques polêmicos dizia: “tivemos também a honrosa visita do Rev. Ibiapina; prestou revenatas serviços. Deixou em começo uma casa de Caridade. Caridade nesta terra, teatro de malversações e de crimes! Procurou conciliar os espíritos, mas uns tais Dantas que aqui temos para nosso flagelo e dos habitantes do lugar, não quiseram conciliar". Diante disso, o Padre Ibiapina lançou o seu “repto profético”. O estado deste termo e' horrível, seu paradeiro será fatal. Por sua devassidão e uma Sodoma. O Reverendo Ibiapina já declarou que o castigo dos céus estava iminente. Sendo convidado para vir de novo aqui missionário, recusou, declarando que em lugar, onde a virtude vive suplantada e aterrada, e o vicio e o crime progredindo e florescendo, não podia assistir sem que primeiro o castigo de Deus se fizesse conhecido certo. (SIC)
José Leudo Farias Alves fala da “terrível maldição do Pe. Ibiapina” dizendo que este teria denunciado entre outras coisas, “a desunião das famílias, recusando-se a pregar as missões na região”, a atitude de revolta do pregador fora contra uma série de assassinatos ocorridos entre 1862-1863. Na saída da cidade em direção a Patos, ele tirou suas sandálias, bateu uma na oura, para não levar se quer, o pó da areia da Serra do Teixeira consigo.
Podemos interpretar que o objetivo da maldição não foi atingir diretamente o povo do Teixeira, mas sim "o vicio do crime", e de sua recusa em “reconciliar-se com o bem”. Fruto de uma “politicagem suja, o banditismo, a desunião das famílias foram sempre visto por muitos Teixeirenses como a verdadeira maldição do Teixeira.” O Pe. Ibiapina só teria denunciado a causa de uma “maldição” já existente.
Andou por todo o Nordeste, angariando fundos e convocando um multirão para a construção de obras beneficentes que incluíram cemitérios públicos, açudes, igrejas e 22 casas de caridade, cuja sede a Casa de Caridade Santa Fé era em Bananeiras - PB, onde faleceu em 1883.
Quadro 01. A defesa do Doutor Ibiapina
Levante-se, disse o doutor
Não tem que me agradecer
Quem dar-lhe a vida è Deus
O mesmo que o fez viver
Eu apenas fiz ali
O que Deus manda fazer
A todos bens do seu sogro
Você hoje tem direito
Doutor está herança dou-lhe
Doutor esta herança dou-lhe
E não fico satisfeito
O Ibiapina disse:
Dê de esmola eu não aceito
Forre os escravos que tem
Pois o cativeiro arde
Faça o que fiz com você
Ponha todos em liberdade
Um daqueles miseráveis
Pode servi-lo mais tarde
Ele forrou os escravos
Deu a eles o que havia
Vendeu toda a herança
Quando foi no outro dia
Mudou-se para um lugar
Que ninguém o conhecia
Leitor pode dar por visto
Como caso assim foi dado
A história está escrita
No seculo próximo passado
Resultou que da cadeia
O réu saiu perdoado
Fim-Juzeiro, 27.11.59 Cr 10,00
1.1.2 O Cônego Bernardo de Carvalho Andrade
O Pe. Bernardo de Carvalho Andrade nasceu na fazenda de Maturéia, próximo a Canudos (futura Teixeira) em 20.07.1833 filho de Bernardo de Carvalho Andrade Cunha e Ana Guedes Alcoforado. Filho único ao lado de quatro irmãs. Ordenou-se sacerdote em 1860, após concluir os cursos de Filosofia e Teologia no Seminário de Olinda-PE. Seu primeiro campo de trabalho foi na capelania de Santa Luzia do Sabugi - PB. Em 07.07.1861 foi empossado na igreja de Santa Maria Madalena em Teixeira-PB.
O Cônego Bernardo viveu o desafio de ser “profeta” em sua própria terra. Foi atuante, construiu o açude de poços na cidade do Teixeira entre 1878 a 1879, sob sua supervisão, em substituição ao antigo após a grande seca de 1844-1846. Sendo considerado como “uma das obras de maior vulto da província”, segundo o presidente da província da Paraíba de então e, “sem ônus extraordinários aos cofres públicos”.
Na visão de José Leudo Farias o “vigário Bernardo depois de toda uma atividade quase sobre-humana em socorrer os flagelados da seca,” foi injustiçado, e sofreu a ingratidão. Era considerado o bom samaritano dos flagelados da seca. “A inveja diante do prestígio por ele adquirido e conflito criado entre Herculano Dantas Correia de Góis e seu cunhado Major Claudino Cavalcante de Albuquerque, acusando-o vergonhosamente”. Deu-se em decorrência do assassinato do seu primo e chefe de polícia da comarca Delfino Batista de Melo, pelos Guabirabas. Os anos seguintes foram marcados por banditismo, lutas, perseguições a muitos membros de sua família. Percebe-se que os Dantas não gostavam dos que usavam batina.
O vigário Bernardo introduziu o plantio de trigo no Teixeira. Não somente ele, mas o Pe.Vicente também plantou trigo em suas terras, que na época era considerado melhor trigo do que vinha de Portugal, mas o projeto falhou por causa da seca e porque beneficiava os médios e grandes fazendeiros.
Como político, o Cônego Bernardo assumiu duas vezes como representante do Teixeira-PB na Assembléia da Monarquia nos períodos de 22ª Legislatura entre 1878 a 1879 e 1880 a 1881. Exerceu suas funções como pároco até o ano de 1888, quando foi transferido para Vitória de Santo Antão - PE, aonde veio a falecer em 1908 no exercício de suas funções paroquiais.
No trecho do jornal O Teixeirense faz um comentário mordaz sobre as ações do Cônego Bernardo, que é simplesmente acusado de “indigno”, segundo observações de Frei Hugo Fragoso.
O vigário padre Bernardo foi encontrado de joelho com uma imagem do Senhor, como se os rogos dum sacerdote indigno fossem ouvidos, pedindo que não o consentissem morrer sem pedir perdão ao Tertuliano do atestado falso que passara!....
O Dr. Franklin Dantas Correia de Góis em 1894, quando o Cônego Bernardo já se encontrava em Vitória de Santo Antão, remoendo os atritos do passado disse que “o Pe. Bernardo é um desses homens que a sociedade devia eliminar do seu seio, como um elemento deletério e altamente perigosos á moral e ao decoro”.
Ainda, outra acusação foi feita por Delmiro Dantas em 1891 dizendo que o vigário Bernardo “era um esqueleto moral, coberto de sedas, um cadáver tão pútrido que não podendo mais sustentar-se em pé em seu torrão natal, retirara-se para Vitória de Santo Antão”. No entanto, o poeta popular Germano Alves de Araújo Leitão escreveu versos, rebatendo as acusações.
Quadro nº 2 –Versos de Germano Alves
Não deve ser maltratado
Quem tem bom procedimento.
Quem desde o seu nascimento
É do povo apreciado.
Abandona essa carreira,
Pois tu mesmo compreendes,
Que é malvado quem ofende
O vigário de Teixeira..
Raça de animal anfíbio
Conhecido cangaceiro
Assassino desordeiro
Coração perverso e tíbio,
Fala de um de teu calibio
Que tenha a tua maneira;
Tua língua traiçoeira
Até aos santos maltrata
Somente tu achas falta
No vigário de Teixeira
Caçando nos quatro ventos
Que compreendem o Brasil,
Não há animal tão vil
Que tenha os teus pensamentos,
Que são mais sanguinolentos
Do que a cobra mordedeira;
Aranha caranguejeira,
Coração de iniqüidade,
Abusaste da bondade
Do Vigário de Teixeira
1.1.3 O Pe.Vicente Xavier de Farias
O Pe.Vicente Xavier de Farias nasceu na fazenda Melancia em Pombal na Paraíba no ano de 1822. Era um dos filhos de Manuel Xavier de Farias e Dona Antonia Xavier de Farias. Estudou no Seminário de Olinda em Pernambuco e ordenou-se sacerdote aos 24 anos de idade, quando mudou-se para a cidade do Teixeira em 1846 e ali permaneceu por 61 anos. Seus pais já muito idosos venderam a fazenda, mudaram-se para o Teixeira em 1880, vindo em sua companhia o poeta Leandro Gomes de Barros, e lá faleceram. O Pe.Vicente faleceu em 13 de Dezembro de 1907, aos 85 anos de idade, sendo sepultado ao lado dos pais.
Há diversos olhares sobre a figura do Pe. Vicente Xavier de Farias, dentre elas, a visão do Vigário Bernardo em 1882 que escreveu o seguinte:Desde o ano de 1846 que o Pe.Vicente reside neta paróquia, onde o seu zelo e dedicação ao serviço da Igreja têm sido constantemente provados [...] tem dado exuberantes provas de zelo, que o põe a par dos bons trabalhadores da grande Seara. Afrontou por duas vezes o terror do cholera morbus na Paróquia de Santa Luzia do Sabugi, que jazia em abandono e nunca o vi trepidar diante das epidemias.
Num encontro com Frei Hugo Fragoso tivemos acesso ao que ele chamou de visão da vida e da obra do Pe. Vicente Xavier de Farias no contexto familiar, como pastor, como formador e como político.
Como pastor, conforme nos transmite o Cônego Bernardo, ele foi um grande operário da vinha do Senhor, que nunca hesitou em expor sua própria vida para ir atender nos matos os doentes de cólera mórbus. De forma que seu perfil sacerdotal não pode reduzir-se a um simples rótulo, a partir de inobservâncias do Direito canônico no tocante ao celibato.
Como "formador", ele faz parte daquela classe de "padres-mestres", que deram a formação inicial a muitos dos futuros doutores em Direito ou Medicina. Sobretudo, ministrando-lhes o ensino, então indispensável do latim.
Como político, ele foi deputado provincial, e nessa área há todo um campo a pesquisar. Creio que em João Pessoa, você poderá encontrar documentação da época em que ele exerceu o cargo de deputado. Seria interessante procurar quais foram seus projetos políticos. O Pe. Vicente foi representante do Teixeira-PB na Assembléia da Monarquia na 15ª Legislatura, entre o período de 1864 a 1865.
Quanto à vida pessoal, sabemos que ele era neto e filho de fazendeiro e tinha muitas propriedades no Teixeira, incluindo a Fazenda São Paulo, que depois passou às mãos da família Dantas. Sabemos também que o Pe. Vicente Xavier de Farias teve um envolvimento com a filha de um dos importantes moradores da cidade do Teixeira, resultando no nascimento de dois filhos.
Ubaldina Camila Seixas e Manoel Batista Guedes teve uma filha por nome Maria Batista Guedes, que antes do casamento com Manoel José Firmino, teve dois filhos com o Pe.Vicente. A primeira, uma filha, morreu pouco tempo depois, sendo retirada do Teixeira, logo após o nascimento. Teve um filho de nome Antonio Xavier de Farias, sendo criado no Teixeira por ter mais condições. Tornou-se advogado. Teve seus estudos pagos pelo padre, na Faculdade de Direito do Recife. Antonio não foi registrado como filho, mas recebeu seu sobrenome. Foi sepultado em Souza-PB. Essa pesquisa foi feita por Palmira Nunes da Costa Rego.
No ano de 1862 houve vários acontecimentos na cidade do Teixeira, dentre eles, o assassinato do delegado Delfino Batista de Melo, trisavô de Frei Hugo e Dom Fragoso. O Pe. Vicente tentou impedir o assassinato interpondo-se entre os Guabirabas e Delfino Batista com um crucifixo na mão, mas os cangaceiros ameaçaram quebrar aquele “calunga”, se o padre não se retirasse do meio.
Quadro º 3. Texto de Leandro Gomes de Barros
Deixo agora os cangaceiros
Da nossa atualidade,
Para vos contar a história
De outros da antiguidade:
Quatro cabras destemidos
Assombro da humanidade.
Os Guabirabas, um grupo
De três irmãos e um cunhado,
Tudo assassino por índole,
Cada qual o mais malvado!
Aquele sertão inculto
Tinha essas feras criado.
Disseram a ele: - Seu padre
Mande o sacristão ao sino
E pode escutar os tiros
Que vamos dar no Delfino!
Nessa conversa que estavam
Disse-lhes o padre Vicente
Que o Delfino Batista
Dessa morte era inocente.
O culpado disso tudo
Foi Liberato somente.
Mas eles nem escutaram
O que o padre dizia,
Cortaram em pequenas postas
Com a maior tirania
Uma das melhores almas
Que naquela terra havia!
Segundo Arievaldo Viana, parte deste poema encontra-se no livro Ao som da viola, de Gustavo Barroso, publicado em 1921.
O Pe. Vicente “Velho”, como era conhecido, pois posteriormente foi pároco da igreja, o Pe. Vicente Rodas, pertencia ao partido do Dantas e o articulista do “O Teixeirense” era de outro partido. Talvez por esta razão, os comentários nada cortês sobre o Pe. Vicente, segundo observações do Frei Hugo.
O mundo é dos espertos, e os que arrotão probidade são os mais traficantes velhacos. O nosso professor, padre Vicente, mesmo que o publico o chrismou por veneno, é o peior dos professores, e o exemplo vivo da prostituição e immoralidade [...] A aula vive em abandono, sua vida é varejar os defunctos, chorar na cabeceira para poder manter um serralho que aqui tem à sua disposição, sendo quasi todo d’orphãos a quem deflorou e prostituiu [...] Avalia por ahi o estado desta Villa, e que cidadãos com taes exemplos se preparão para o futuro.
Há muito que não recebo jornais. O padre agente não tem ubi certo. As orgias e devassidões em que vive o desvião de sua occupação. Já nem tempo lhe resta para castrar os bacorinhos, em que é insigne[...] Mais feliz seria se achasse quem lhe fizesse a mesma operação para contê-lo em seus deboches. A velha rusilha ou serpente, como chamam outros, foi encontrada pelas oito horas do dia vestida em uma alva e com um cordão preto, conjuntamente com uma outra feiticeira a rezar ante duas velas acesas! Ignora-se o fim desta feitiçaria. Ou são maluquices da velha, ou plano de perversidade, o que for saberemos. Esta velha é o veneno da terra. Ella e o tal padre agente são os demônios, que flagelão, dois gênios sempre propensos ao mal e à perversidade. Agora mesmo acabo de saber, que é chegado o digno juiz de direito da comarca. Os nossos sofrimentos hão de melhorar.
O Pe. Vicente Xavier de Farias conhecido pelo Veneno anda, agora, muito murcho por que forão ao pelo do cunhado, e derão-lhe os soldados uma surra. Obs. O padre Vicente é o agente de Correio..
O padre Vicente Xavier de Farias, conhecido pelo Veneno anda agora murcho porque fora ao pelo do cunhado, e derão–lhe os soldados uma surra, que o deixarão como genipapo [...] Os soldados andarão mal avisados. O padre é que precisava dessa sova, para melhorar de costumes e pôr termos às suas vigílias e devassidões. É tal, que aceitou aqui o lugar de agente do correio com o que lucra ora 120$000 ou 200$000 réis mensais somente para dar como se diz extravio às cartas.”
1.2 O Pe. Vicente Xavier de Farias versus Leandro Gomes de Barros
Segundo a história oral de família Nóbrega, três jovens foram estudar no Seminário de Olinda e no último ano, no período das férias, dois deles não retornaram e casaram-se com duas primas. Retornou ao seminário apenas Vicente Xavier de Farias que se ordenou padre em 1846, aos 24 anos de idade e iniciou suas atividades como pároco na cidade de Teixeira-PB e lá findou seu ministério.
A história de Leandro Gomes de Barros cruza-se com a do Pe. Vicente por este ser seu tio, irmão de sua mãe Adelaide. Os dois primos que não voltaram para o seminário, morreram cedo, ficando o Pe. Vicente por tutor das duas famílias. Nos versos escritos por Leandro em A vida de Cancão de Fogo e o seu testamento a seguir, podemos confirmar essa tutoria e denunciam as ações do padre, a forma como o criou, e finalmente acusa-o de deixá-los na miséria em favor da outra família.
Após o falecimento do pai de Leandro, o Pe. Vicente criou-o a partir dos seus nove aos quinze anos de idade e deu-lhe uma educação condizente com sua profissão de padre-mestre, versado em Latim e humanidades. Leandro teve acesso a grandes escritores; para tanto, basta entrar em contato com suas poesias. No entanto, o padre exercia uma rigorosa disciplina, provocando em Leandro uma rejeição ao seu tio-tutor. Viana chama-nos atenção para o fato de que Pe. Vicente era “alvo de críticas”, em face a sua não observância do celibato, e “apego aos bens materiais”, além dos castigos físicos que impunha em particular a Leandro Gomes. Não sabemos se isso era pratica corrente com os outros alunos.
Quadro nº 04. Versos de Leandro Gomes de Barros
O pai de Cancão de Fogo
Foi um homem preparado
De muitos bons sentimentos
E muito bem arranjado
Mas a sorte, neste mundo
Dá e tira, como um danado
Cancão de Fogo já tinha
Nove ou dez anos de idade
Quando o pai dele morreu...
Deixou-os em orfandade;
Cancão quando soube disse:
- Isso não é novidade!
- Mamãe está sem marido,
Por isso não vá chorar;
Eu também fiquei sem pai
Porém, sempre hei de passar.
Ela pode achar marido –
Pai é que eu não posso achar!”
[...]
E é irmão d mãe dele,
Esse fera inconsciente,
Só odiava o Cancão
Por ser mais inteligente
E os filhos de monstro
Brutos desgraçadamente.
Ref; Versos de A vida de Cancão de Fogo e seu testamento-vol.1 p.03-04
Convém lembrar que a própria narrativa de Leandro em A vida de Cancão de Fogo e o seu testamento mostra claramente sua natureza irrequieta, indisciplinada e rebelde.
Além dessa situação de animosidade no relacionamento entre tio e sobrinho, o fato do padre ter deserdado sua família em favor da outra família, aumentou ainda mais a revolta de Leandro. Com raiva, mudou seu nome para Barros. Esse fato aconteceu provavelmente
Entre 1880 e 1890, pois por ocasião de seu casamento, ele já assinava Gomes de Barros.
Para Arievaldo Viana, Leandro apenas omitiu o nome dos Xavier de Farias. Sabemos que era comum os pais colocarem no nome do primeiro filho com o nome do avô paterno, e da primeira filha com o nome da avó paterna, o segundo filho e filha recebiam o nome dos avós maternos e assim sucessivamente. Uma das irmãs de Leandro, cujo nome de solteira era Hermínia Xavier de Farias, outro irmão chamava-se Daniel Gomes da Nóbrega. Mas, este mistério só será plenamente esclarecido com a descoberta da certidão de batismo de
Leandro, de Daniel e de Hermínia.
Em 1905, o Pe. Vicente fez seu testamento sem mencionar a família de Leandro, falecendo dois anos depois, em 1907 no Teixeira-PB, mas os bens só foram distribuídos, conforme registra o Tabelião de Teixeira José Xavier da Silva, em 28 de Agosto de 1915, ficando a cargo do seu filho, nessa época Juiz, Dr. Antonio Xavier de Farias.
Leandro foi cobrar a parte que lhe cabia e ouviu do padre a seguinte frase: “na cabaça ainda cabe orelhas” que foi uma história real, acontecida no final do século XVIII e início do século XIX, e um artifício usado pelos índios da região, conforme fala Pedro Nunes
Filho em sua versão da história quando comparamos a mesma história da família.
Sabemos que o avô do Pe. Vicente ao caminhar pelo interior da Paraíba, capturou uma índia com idade de doze anos que ao tornar-se apta ao convívio no meio dos brancos, tornou-se sua esposa, conforme correspondência com o escritor Pedro Nunes Filho.
2-A LITERATURA DE CORDEL
O termo “literatura de cordel” chegou até nós, vindo de Portugal a partir do século XVII. Tomou este nome porque os folhetos eram pendurados num barbante, chamado cordel, com folhas “volantes”, expostos nas casas onde eram vendidos. Na frança era chamado de “litteratue de colportage”, mais difundido no meio rural; na Espanha era chamada de “pliegos suletos”. Era difundido na Holanda e Alemanha desde os séculos XV e XVI.
A produção de folhetos no Nordeste surge quando a região deixou de ser o pólo economia de exportação do país, a partir de catástrofes naturais, secas, causando assim “transformações econômicas, sociais e políticas”. Herdeiros da história oral e das cantorias que ocorriam desde meados do século XIX . Salientando que há controvérsia quanto do seu surgimento no Nordeste. Para Orígenes Lessa o primeiro poema surgiu em 1835, para Ariano Suassuna a data é 1836 e para Ruth Terra em 1893, Sendo que, os pioneiros no Brasil foram Hugolino do Sabugi, Silvino Pirauá de Lima e Leandro Gomes de Barros, sendo este último o primeiro a imprimir seus folhetos, em papel pardo, considerado de má qualidade e vendido nas feiras livres, sobre uma lona. Geralmente compunha-se de até 17 páginas. A partir de 1917 passou a variar entre 16, 32, 48 páginas.
Houve controvérsias entre pesquisadores com respeito ao termo “cordel”, pois “a nossa poesia, embora sofra influência dos contos medievais da Península Ibérica, tem um
formato originalmente brasileiro e peculiar, moldado pela escola de poetas do Teixeira e difundido a partir da publicação sistemática da obra de Leandro” e, que não se aplicava ao que era difundido no Nordeste do Brasil, sendo posteriormente aceito por todos.
Convém salientar que o termo Nordeste foi usado pela primeira vez em 1970, pelo IBGE. Pernambuco era chamado O Leão do Norte, “apesar de se verificar que já na década de 1950, há músicas de Luiz Gonzaga falando em “Nordeste”, como é o caso da composição Nordeste Sangrento, cuja influencia vem dos filmes de cangaço, em voga na época.
Arievaldo Viana Lima, um dos estudiosos da literatura de cordel no Brasil e um dos biógrafos do poeta Leandro Gomes de Barros e suas poesias há aproximadamente 10 anos, afirma: “Câmara Cascudo afirmou que os primeiros folhetos de cordel foram no Brasil por volta de 1873”. Nestes versos seguir, de Zé Maria de Fortaleza e Arievaldo Viana contam o que é o cordel e como chegou ao Brasil.
Quadro nº 5. Didática do cordel
O QUE É O CORDEL
É uma literatura
Cujos temas hoje são
Aproveitados na música
Cinema e televisão
O seu valor literário
É de uma grande expansão
Vai da história real
Até as lendas e mitos
E com essa acepção
Escritores eruditos
Com essa literatura
Enriquecem seus escritos
O cordel no mundo inteiro
Está chamando atenção
Em teses de doutorado
E de pós-graduação
É, nos Estados Unidos
Na Rússia e, França e Japão.
Do humilde chão de feira
E do simplório barbante
O cordel evoluiu
Segue rota triunfante
Estudar esse fenômeno
É um caso interessante.
COMO CHEGOU AO BRASIL
O cordel viajou sempre
Nessa marcha cultural,
Conduzindo a influência
Da cultura oriental
Embora o seu nome seja
De origem provençal.
Menestréis da Idade Média
Narravam grandes contendas
Batalhas de Carlos Magno
E traços de velhas lendas
Trazidas das arábias
Em originais parlendas.
O cordel sempre cresceu
Numa dimensão tamanha
Espalhou-se pela França
Em Portugal e Espanha
A existência dos fatos
Lhe servindo de campanha
A viagem que Américo Vespúcio,
fez ao Brasil
Foi decantada em cordel
Trazendo alegrias mil
Narrando todos os fatos
Sem faltar vírgula nem til
A literatura de cordel destaca-se por sua rima, métrica e oração. A rima corresponde aos sons, com palavras diferentes; a métrica é a medida das sílabas de cada verso e a oração trabalha a coerência, o encadeamento, a coordenação, precisão, objetividade e fidelidade do tema .
Posteriormente, segundo Viana, surgiu o termo cordelista, para nomear aqueles que faziam poesia de cordel. Antes desta período, o termo inexista.
2.1 A Literatura de “Cordel” no Nordeste: Leandro Gomes de Barros
Leandro Gomes de Barros foi educado pelo Padre Vicente Xavier de Farias, que era professor público e ensinava Latim e Humanidades, cujo título, na época, era padre-mestre. Era o professor da região. Vários ilustres personagens da época no Sertão da Paraíba foram seus alunos. Logo, Leandro Gomes teve acesso aos livros de grandes historiadores, e leituras como as Escrituras Sagradas e a História de Carlos Magno e os Doze Pares de França. Para tanto, basta um leitura mais atenta a alguns de seus folhetos e podemos verificar a “transliteração” para o leitor popular que não tinha acesso aos livros.
Provavelmente, Leandro teve acesso aos poetas eruditos como Castro Alves, Gonçalves Dias, Camões ou Álvares de Azevedo, etc. Leandro conviveu com homens cultos e era um homem do seu tempo. Seu estilo “é inconfundível. Ele teve fôlego para transitar em todos os gêneros e modalidades correntes: Peleja, Romance, Gracejo, Crítica Social...”
Escreveu fazendo uma critica sobre política, sobre a história, sobre a mulher, sobre religiosos, principalmente atacou a figura dos clérigos e “dos nova-seitas”. Textos como Genoveva e Jorge e Carolina são versões literárias. Leandro escreve frases de Castro Alves e Gonçalves Dias. Tinha domínio da ortografia e escrevia bem, conforme afirma Marco Haurélio. Considerava-se um poeta, escritor, humorista.
Em outro artigo publicado pelo Acorda Cordel, Viana citando o jornalista Lorenzo Aldé da Revista de história da Biblioteca Nacional que Leandro “foi o Machado de Assis da Literatura Popular, é patrono da cadeira de nº 1 da Academia de Literatura de Cordel –ABLC, ocupado por Manoel D’almeida Filho, atualmente vaga, e onde se encontra parte de seu acervo”. Ainda afirma Viana que Leandro nunca ocupou uma cadeira em Academia alguma, pois ABLC não existia em sua época.
Parte do acervo de Leandro Gomes esta na Academia de Literatura de Cordel –ABLC e outra parte encontra-se na Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro. Leandro Gomes de Barros escreveu e publicou entre 1893 a 1918 mais de mil títulos, distribuídos em quinhentos folhetos e em torno de dez mil reedições. Outros escritores afirmam que seu acervo de obras ultrapassa os seiscentos títulos, publicados em mais de dez mil edições. Embora, que não há consenso sobre isto. Segundo José Tavares de Araújo Neto, em texto publicado na internet, Leandro foi, inegavelmente, o maior poeta popular brasileiro.
Vários escritores, críticos literários e poetas têm escrito sobre Leandro. Dentre eles, Horácio de Almeida (Crítico literário) comentando a variedade dos temas abordados por Leandro e a maneira como deixava inacabada um poema para iniciar e lançava uma nova obra e publicava outra já conhecida.
Ruth Terra afirma que Leandro começou a escrever poemas a partir de 1889, que está indicado na conclusão de “A mulher roubada, publicada em 1907”.
Luis Câmara Cascudo escreveu a célebre frase: “um dia, quando se fizer a colheita do folclore poético, reaparecerá o humilde Leandro Gomes de Barros, vivendo de fazer versos, espalhando uma onda sonora de entusiasmo e de alacridade na face triste do sertão. Em outro momento escreve que conheceu Leandro na Paraíba e diz que sua aparência era mais para “um fazendeiro do que um poeta, pleno de alegria, de graça e de oportunidade”.
Carlos Drummond de Andrade (Poeta): “Não foi príncipe de poetas do asfalto, mas foi, no julgamento do povo, rei da poesia do sertão, e do Brasil em estado puro.”
Ariano Suassuna (Teatrólogo): "Os cordelistas me influenciaram tanto quanto Lorca, que tem um mundo de cavalo, boi, cigano e romanceiro popular parecido com o meu, ou Calderón de La Barca. Pedro Calderón de La Barca (17 de janeiro de 1600 – 25 de maio de 1681) foi um dramatugo e poeta espanhol. Seu texto mais famoso foi Life is a dream, uma alegoria filosófica que fala sobre a situação humana e os mistérios da vida, ou liberdade e predestinação. “Para mim o príncipe dos poetas brasileiros é Leandro Gomes de Barros, autor de dois dos três folhetos em que me inspirei para escrever o Auto da Compadecida, O Enterro do Cachorro e A História do Cavalo Que Defecava Dinheiro”.
Belarmino de França, um poeta popular, escreveu versos que fala de Pombal, sua terra natal e de Leandro.
Para Viana “Leandro foi o veículo de transição entre a poesia oral “matuta” e a poesia popular urbana no Brasil!”
2.2 O Anticlericalismo na obra de Leandro Gomes de Barros
A partir da leitura anterior, onde falamos sobre a vida de Leandro com o Pe. Vicente, encontramos versos que falam da atuação do clérigo de forma pejorativa e sua clara rejeição em seus textos tais como A vida de Cancão de Fogo e seu testamento, O padre jogador, A história completa de João Leso e O dinheiro- O testamento do cachorro, A confissão de Antonio Silvino e Antonio Silvino - o rei do cangaço,
Os versos escritos a seguir como A confissão de Antonio Silvino e Antonio Silvino -o rei do cangaço, cujos versos falam do encontro com o padre, este se chamava Cônego José Paulino Duarte da Silva e outro padre de nome Pe.Custódio, mas não nos deteremos neles.
Sabemos através de Viana entrevistando Joaquim Batista de Sena que o Pe. José Paulino convidou “Antonio Silvino para entrar no convento e depois de passar por corredores e labirintos infindáveis, o cangaceiro considerou-se perdido e teria implorado para sair com vida dali, já que seus companheiros estavam do lado de fora”. No entanto, Arievaldo Viana não tem certeza da veracidade da história ou se é uma lenda criada pelo pelos católicos da região.
Quadro 6. O Padre Jogador
Conheci muito essa alma
Um padre velho baiano,
Se fingia muito humilde,
Caritativo e humano,
[...]
Gordo como um suíno,
Preguiçosos em demasia,
Pidão como retirante,
Contava tudo o que via,
E para jogar dinheiro,
Não tinha noite nem dia.
Quadro 7. A vida de Cancão de Fogo e seu testamento
[...]
Enquanto isso Cancão
Junto com o seu secretário
Sorria bem satisfeito
Dizendo:_que padre otário!
Desta vez, nós ensinamos
Padre nosso ao vigário.
Pode ser que aquele padre
Venha nos incomodar
E, nós, estando distantes
É fácil dele escapar.
[...]
Chegou um frade e lhe disse:
Venho ajudá-lo a morrer
Disse o Cancão de Fogo
Tenho que agradecer
Deite-se aí para um canto,
Cuide logo em se torcer
Torcer como, disse o frade
Disse Cancão:_meu amigo;
O senhor não vem morrer
Para ir junto comigo?
O padre respondeu:_Vote!
Um burro é quem vai contigo
O Cancão de fogo disse
Se eu não estivesse prostrado
Você tinha que sair
Cortez e civilizado e
Só entraria em casa
Depois que fosse chamado
Meu irmão, lhe diz o frade
Eu vim aqui exortá-lo
O inferno está aberto
E o diabo a esperá-lo...
Disse-lhe canção de fogo
Frade, quero que me dê
Explicações do inferno
Lhe peço como mercê
No inferno inda haverá
Um diabo como você?
Eu não mandei-o chamar
Nós não temos amizade
Eu nunca quis relações com
Ciganos nem com frades
Apena tenho a dizer-lhe
Dane-se por caridade?
[...]
Disse Cancão:_meu amigo
Não fazem falta a ninguém Padre, juiz, escrivão
A mulher disse:_doutor,
Meu marido não roubava
Mas, com algum escrivão,
Que ele se comunicava
Sendo pouco inteligente
Muitas coisas decorava
Ele chamou os senhores
Quando estava aqui prostrado
Porque queria imitar
O Cristo crucificado...
Queria morrer também
Com um ladrão de cada lado!
Como sabe as pessoas
Estando perto de morrer
Sentem, às vezes, remorso
E temem de se perder
Dizem que, no outro mundo
A pessoa há de sofrer
O doutor não viu o frade
Vir também por sua vez?
E não viu o meu marido
Que barulho logo fez?
Disse: “eu chamei dois ladrões,
Pois não preciso de três...
Quadro 8. A confissão de Antonio Silvino
O padre disse: - Meu filho,
Talvez hoje eu lhe dê cabo -
Dentro da igreja sou padre,
Mas fora sou um diabo!
Você diz que não tem fim,
Porém, se partir pra mim,
Vem mole que só quiabo!
(...)
Antônio Silvino disse:
Pois vamos ver, padre-mestre!
Custoso é ver sogra boa
E nova-seita que preste,
Bode por gosto lavar-se,
Jumento no mar criar-se,
Nascer baleia no agreste!
O padre disse: - Eu não acho
Nada no mundo custoso -
Custoso é você sair
Comigo vitorioso,
Eu, no tempo que brigava,
Todos os dias guardava
Orelhas de criminoso!
(...)
E a Escritura nos diz:
Dimas foi um quadrilheiro,
Madalena namorava,
São Paulo foi cangaceiro...
Todos foram perdoados -
São hoje santificados
Graças ao manso Cordeiro!"
Perdoou ao Bom Ladrão!
Silvino perguntou: - Como
Eu posso alcançar perdão?
Disse o padre: - Se entregando -
Primeiro se confessando,
Se recolhendo à prisão!
Entregando-me o dinheiro,
Que dos outros tem roubado;
Me entregando esse armamento
Assim será perdoado!
Vôte! Respondeu Silvino.
Você tem o quengo fino
Mas o meu é refinado.
Quadro 9. Antonio Silvino – o rei dos cangaceiros
O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez
O padre Jose paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha
Depois não se meta em pau.
Eu já encontrei um padre,
Recommendado pelo papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquella garapa.
Quando o rechunchudo viu,
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu braço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.
Eu gritei: padre-mestre,
Me ouça de confissão,
Elle respondeu-me damne-se,
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.
Eu inda o deixei correr,
Por elle ser sacerdote,
Para cobra só faltava,
Enroscar-se e dar o bóte,
Aonde elle foi vigário,
Quatro levaram chicote.
Foi tanto qu’ eu disse a elle:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos
Veja que está illudido,
Eu lhe respeito a coroa
Porém não o pé do ouvido.
(...)
O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro
Amaldiçoava quem desse,
Rancho a qualquer cangaceiro
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!...
Então fui na casa delle,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui!...
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente,
Para o senhor me ensinar.
Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócios do Estado?...
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado
O padre fez uma cara,
Que só um touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre-mestre,
Eu cá também sou passado
(...)
O padre ficou chorando
Eu disse a elle afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal
(...)
Em vez de estudar o meio,
Para nos aconselhar
Só quer saber com acerto
Armar rifle e atirar
Lá onde elle ordenou-se
Só lhe ensinaram a brigar.
(...)
O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.
CONCLUSÃO
O anticlericalismo arraigado em Leandro Gomes de Barros advém de uma profunda decepção com figura clerical. O pároco era e é, em alguns lugares no Nordeste, uma figura de grande importância. Nas pequenas cidades do Brasil, as principais figuras são o padre, o pastor, o prefeito, o juiz e o promotor e o delegado. Espera-se, portanto, uma postura de bom caráter nesses indivíduos como ícones nas pequenas cidades, onde errar não é permitido.
Na aparente contradição do anticlericalismo de Leandro ao atacar padres, bispos, como na historia de João Leso e Os três quengos finos, ele defende a moral cristã na maioria de seus romances. É o caso de João da Cruz e a História de Pedro Cem. Sua poesia demonstrava uma criatividade em produzir poesia cantada para desmascarar o comportamento impróprio desses clérigos envolvidos na vida social e política de suas cidades.
O comportamento de alguns clérigos colocava em xeque sua credibilidade, provocando transtornos na vida daqueles que os acompanhavam, como foi o caso de Leandro. E, portanto, a reação do povo da cidade do Teixeira frente ao comportamento do Pe. Vicente Xavier de Farias, cujas atribuições de professor, padre, político, agente dos correios, fazendeiro e dono de metade da cidade causavam repúdio em seus habitantes, principalmente seu comportamento como clérigo, cuja vida de castidade inexistia, ao ponto, do seu filho quando criança ser chamado de “Tonho do Pe.Vicente”.
Por outro lado, havia pessoas que apreciavam o Pe. Vicente, bem como o Cônego Bernardo, sendo chamado para benzer e abençoar a colheita, a instalação de uma máquina a vapor para beneficiar a produção de cana-de-açúcar, entre outras coisas, como também sua importância como formador. No entanto, os que mais o acusavam eram seus inimigos políticos.
Quanto a figura do Pe. Ibiapina que, ao contrário dos seus companheiros de ministério, bateu o pó da areia da Serra do Teixeira por considera-la uma Sodoma por causa do banditismo, da politicagem e do cangacerismo impune na região.
Em nossa releitura da história de vida desses párocos encontramos aspectos positivos, que não podem ser deixados de lado, como bem afirmou Frei Hugo Fragoso; precisamos ver a figura do padre como aquele que precisa envolver-se nas coisas de sua paróquia, na comunidade onde residem seus fiéis, e mais ainda, não colocar os clérigos como se todos tivessem o mesmo procedimento indigno, incoerente com seu chamado, que é apascentar as ovelhas do rebanho do Senhor.
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___________________________________________________________
NORTH-EASTERN ANTICLERICALISM OF BRAZIL BETWEEM 1862-1907 IN THE TWINE LITERATURE
ABSTRACT
The Anticlericalism always was present in the history of the Christianity, mainly in the period of the French Revolution, in the Iluminism. In Brazil, our emphasis is in the Teixeira city of the Paraíba State, calling the attention on three important clergymen, as much for its performance politics, educational, humanitarian and pastoral that is the Priest Antonio Pereira Ibiapina, Bernardo Fragoso, and the present anticlericalism in the twine literature from the experiences of the Leandro Gomes de Barros poet with his uncle, the Priest Vicente Xavier de Farias.
Key-words: Twine anticlericalism, literature, charity, politics, education.
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CURRÍCULOS
CRISTINA NÓBREGA
-Pesquisa Historiográfica
Formação
Licenciatura em Filosofia-Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP -PE.
Pós-Graduação-Implantação e Gestão Educacional-Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe-FANESE – Aracajú-SE.
Bacharel em Teologia-Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil – STBNB - Recife PE.
Licenciatura em Teologia –Seminário de Formação Acadêmico Teológico do Recife- SFATER,
Pós-graduação em Teologia-Seminário de Formação Acadêmico Teológico do Recife-SFATER.
Mestranda em Ciências da Religião-LUSÓFONA/FATIN.
Área de Atuação: Professora FATIN, STEMM, FAEME
ROSELY PONTES
Revisão Literária
Formação
Bacharel em Teologia - Seminário Teológico do Nordeste-Recife PE
Bacharel e Licenciatura em Letras-Universidade Federal de Pernambuco- UFPE,
Pós-graduação: Teoria da Literatura- Faculdade de Vitória- FACOL,
Mestranda em Ciências da Religião-LUSÓFONA/FATIN.
Área de atuação: Professora da FATIN, STEMM, HOKEMAH, Colégio Americano Batista-CAB.