A realidade e a ilusão
A Copa do Mundo terminou; é hora de voltar à realidade. Fora do futebol há, subjacentemente, muitas coisas que podem ser aproveitadas em nosso cotidiano, se olharmos pelo lado social e comportamental.
Atacado pela dureza da realidade e da própria natureza, o ser humano necessita de injeções periódicas de ilusão, para não se revoltar ou enlouquecer. Para isto, o imaginário popular criou os mitos e os super-heróis, que fazem aquela mediação entre a fraqueza humana e o poder das entidades. Historicamente, o homem inventou pessoas, ministros e funções para estabelecer a ligação entre a realidade dura e a ilusão reconfortante.
A Copa do Mundo terminou. Terminou prematuramente, e isto não estava nos planos dos que manipulam os cordões sociais, e algo precisa ser feito, pois a realidade é dura, e poucos podem contemplá-la sem um sobressalto, uma cara torcida ou um esgar de vômito.
Eu não vou dizer que Ronaldo “fofômeno” estava gordo; que Cafu tem um sorriso debochado de quem não se acha ex-atleta; ou que Roberto Carlos é um anão de jardim que pensa que é craque. Não! Poderia dizer, mas não vou dizer. Também poderia relacionar Zagalo como uma arrogante figura caquética; ou que o apático Parreira vale, pelo menos como técnico, muito menos do que ele imagina valer. Ou, quem sabe, que as festas, a vida boa, os rega-bofes e o excesso de comerciais tiram a concentração e o interesse de Ronaldinho Gaúcho. Ou, quem sabe, considerando o que todos eles ganham, por que se esforçar pela Seleção, se eles já têm tudo o que querem? Poderia dizer mas não vou dizer. Nem vou falar na caixa-preta que é a união espúria da CBF, Nike e Rede Globo.
Vendo o Parreira estático, Zagalo apoplético e o time molóide, lembro nossa sociedade. Parreira, Zagalo e jogadores sintetizam a apatia dos poderes nacionais, parados, dando explicações contrárias ao nosso entendimento, fazendo pouco caso dos nossos neurônios.
No terreno sóciopolitico – e esse processo é histórico e endêmico – sempre se viu a preocupação dos tiranos em anestesiar o povo com a ilusão, fazendo-o desviar o olhar da realidade. Os romanos inventaram o “pão e circo” para acalmar as massas. No Brasil, como eles não tem capacidade de fornear pão, dão apenas circo. Muito circo.
Como o circo da Copa acabou prematuramente, duas óperas bufas estão sendo montadas: a questão da Varig e o julgamento de Susane Richtofel. Com isso o povo volta à anestesia, opina, toma partido, e assim esquece que durante a Copa a gasolina subiu, o dólar teve sua maior alta, o pãozinho diminuiu, mas o preço cresceu, as safadezas continuaram, ninguém foi preso ou cassado, não se descobriu nada além do que já se sabia. Na mitologia grega, os tiranos inventaram os mitos e os milhares de deuses. Tudo se atribuía a eles. Como o povo não tem pão para comer, alegra-se com a viagem de Ronaldo ao Egito, uma semana antes da Copa, com a “namorada”, para fazer uma breve lua-de-mel na Grécia. Não tendo casa, vibra com as fotos da mansão de Ronaldinho. Desempregado, consola-se com o alto salário de Parreira. Corroído por doenças, exulta com a saúde dos jogadores da seleção.
Mas não nos assustemos. Já estão erguendo a lona de outro grande circo, que se não vai resolver nada, vai polarizar nossa atenção e fazer com que esqueçamos nossas mazelas. Vem aí a eleição. O povo (realidade) vai apostar em outros super-heróis (ilusão).
Carmen Sílvia Machado Galvão
Socióloga, teóloga leiga e escritora
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