"CLARISSA - UM AMOR OBSCURO"
“CLARISSA – UM OBSCURO AMOR”
Wilton Porto
Da Academia Parnaibana de Letras
A maioria dos terráqueos ficaria espantada, caso soubesse que uma jovem se casara com o motorista e filho da empregada do pai dela, e que o recém-marido também fora o rapaz que a estuprara quando esta era adolescente.
Foi o que aconteceu com Clarissa, personagem principal do romance “Clarissa – Um Obscuro Amor”, de Rita de Cássia Amorim Andrade.
A autora, na página 13, assim nos apresenta Clarissa: “Clarissa era uma mulher de beleza incomum. Pontilhavam na alvura da face de feições inalteradas pequenas sardas em nuança ao vermelho dos longos cabelos cacheados a compor uma imagem que bem se enquadraria à própria personalidade. O azul brumoso dos olhos emoldurados por escassos cílios ruivos e sobrancelhas ralas enunciava uma mulher de alma sombria. O próprio coração parecia refugiado em si, nunca dado aos caprichos da paixão. Os sentimentos só se intensificavam aos ajudar crianças virem ao mundo. Profissional cuidadosa tinha fama de saber usar a lâmina com destreza para chegar ao órgão materno quando a natureza se recusava a exercer o seu papel. Os pequenos esperneavam em suas mãos e ela se sentia mãe”(sic).
Filha de médico conceituado, Clarissa optou por obstetrícia e ginecologia. Demonstrando amor pela profissão, estudava com afinco e se tornara muito requisitada quando o assunto era botar gente no mundo.
Henrique nasceu em família pobre, de Simplício Mendes, interior do Piauí, tivera que multiplicar esforços para galgar o posto de professor universitário respeitado e exímio conhecedor de direito, tendo defendido doutorado na área com reluzente sucesso.
Enquanto Clarissa contava com o farto salário do pai, pois este era dono de hospital, Henrique se torturava, já que era apenas um jardineiro e, mais tarde, um motorista. Também recebia ajuda da mãe, para quem arrumara emprego de cozinheira na casa dos patrões.
Clarissa, adolescente formosa, despertou paixão ardente em Henrique. Este, sabendo da diferença financeiro-social entre ambos, invadiu o corpo da moiçola, estuprando-a de forma desesperada e cruel.
A partir daí, desenrola, no romance, paixão e amor, ódio e intriga, sofrimento e perdão.
A capacidade de contar histórias da autora é uma particularidade do livro. Lembrando Assis Brasil, ela monta um quebra-cabeça, buscando valorizar o estilo, não seguindo completamente o retilíneo, em que descobrimos certas verdades já no final do livro, como é o caso de certos personagens, que sabemos sua identidade completa só no término do livro.
O estilo de Rita desperta no leitor a vontade de não ficar apenas no primeiro capítulo. Envolve-se com o carisma de Henrique, com a beleza sensual e o espírito elevado de Clarissa.
Muitas vezes, ficamos na dúvida: devemos admirar a astúcia, inteligência de Henrique, que tudo faz para chegar ao amor de Clarissa, sem que ela lembre o passado, ou vemos nele apenas mais um canalha querendo se dar bem na vida?
O pai de Clarissa, que fomenta ódio, que tenta abrir os olhos da filha pelo acontecido, não conta com a simpatia de tantos pais que passaram pelo mesmo problema?! O comum é vê-se moça desflorada arrancando, a qualquer custo, o rebento gerado de forma inconformada.
Mas Clarissa deixa amores confiáveis, homens de conceitos cobiçáveis para se atirar nos braços de Henrique, que ela sabe deixar-lhe o corpo extasiado, porém consciente de um futuro incerto.
Quando Clarissa descobre quem realmente Henrique é, foge. Vê o mundo desabar. Todavia era tarde: corpo e alma dela buscavam – mesmo fugindo – os braços, os afagos daquele homem.
O casamento é inevitável. Contra família, superando dificuldades financeiras, o casal arruma a vida, lapidados, talvez, pela consciência latente de que o Amor é a vibração que a tudo faz desafiar e superar. Meta maior de todos os seres. E, para atingi-lo, devemos nadar no mar da razão, e repousar nossos braços, cansados, na praia do perdão e da gratidão.
Só se consegue chegar a esse estágio, quando a convicção nos bate à porta. Convicção de que aprendemos com os erros; de que, quando alguém labuta para superar-se, para viver o BEM MAIOR, ele está pronto para seguir rumo à Civilização do Amor.
Quanto ensinamento em Clarissa, Um Obscuro Amor! Como me emocionou, Rita! Como precisamos vivenciar no dia a dia essa capacidade de perdoar de Clarissa! Não com o intuito de aceitar que os estupradores montem suas barracas em cada esquina. Pela certeza de que subimos mais um degrau na escala da espiritualização.
A lei Maria da Penha está em plena evidência. Demonstração de que devemos resgatar os nossos erros. E estupro é um erro: forçamos satisfazer um desejo sem que a outra parte esteja em concordância com esse nosso anseio. Porém, não abortar o rebento a lume vindo desse desajeitado acontecimento, é espetacularmente certeza de que a lesada possui os olhos voltados para o alto. É vivenciar esse Bem necessário e nem sempre em voga entre nós.
Enquanto Clarissa faz brilhar uma riqueza espiritual, Dr. Liberato, pai da estuprada, e Gabriel, filho gerado do estupro, que até então se achava irmão de Clarissa, ainda estavam perdidos na raiva, embora o livro termine assim:
“Os olhos ainda lhe pesavam. Aconchegou-se no travesseiro, mas o sono não veio. Sentia-se tranquilo; todas as dores da vida pareciam desaparecidas. Lembrou-se do instante da despedida na casa do sogro. Estava convicto que havia nos olhos de Gabriel uma centelha de ternura quando seus olhos se encontraram” (Henrique).
Confirma-se que cada ser age conforme o seu grau de elevação espiritual. Gabriel, filho de Henrique, não obstante a tristeza e raiva da revelação ouvida, ele mostrou que a ternura despontava de seus olhos.
Obs.: Tanto Clarissa como Karen, de Rita Andrade, encontram-se à venda na Livraria Harmonia – Praça da Graça.