A MORTE COMO ESPETÁCULO. E A VIDA, COMO FICA?

Alerta geral: e a vida?

Glória Kreinz

Caixões envoltos em plumas e paetês. E a vida, riachos cristalinos, cheiro de mato,laranjas silvestres, vento verde, como fica? É difícil fazer divulgação científica em um cenário onde não se sabe onde acaba a ficção e começa a realidade, ou onde uma vida humana perde o seu sentido e passa a fazer parte apenas de um cenário.

Quando Michael Jackson morreu este ano, o espetáculo foi grande. Lembrou o caso de Anna Nicole Smith, ex-dançarina topless, ex-coelhinha da Playboy, ex-protagonista de reality show, garota propaganda de produto para emagrecer, casada e rapidamente viúva de um milionário nonagenário, também de overdose. Morreu no dia 08 de fevereiro de 2007 e em duas semanas passou a ser o assunto mais comentado no rádio e televisão nos Estados Unidos, ocupando 22% do tempo total, segundo as várias pesquisas de mídia americana.

Foi grande o interesse do público por esta olimpiana e sua morte estranha, voltado de uma forma quase mórbida para ela, desde que o enterro foi exibido em tempo real com caixão enfeitado com plumas e paetês. O túmulo virou ponto turístico e a divulgação da autópsia, publicada já em abril, foi manchete em importantes veículos de comunicação. Afinal, aonde chegamos ou aonde queremos chegar?

A autópsia encontrou no corpo de Anna Nicole traços de nove produtos entre remédios e substâncias outras, sendo que três médicos eram responsáveis por fornecer receitas. Até aí tudo normal e lógico. A lógica desaparece quando surge o abuso. O abuso deste corpo já morto por overdose de remédios e envolto em plumas e paetês para afrontar até aqueles que tinham prescrito corretamente dosagens certas dos remédios que apareceram na autópsia.

Se o espetáculo dantesco está montado e o público parece gostar desta dança lúgubre diante do corpo em putrefação, isto não justifica que a ciência e a tecnologia se calem diante dos olimpianos e daquilo que pretendam fazer até depois de mortos, nos seus sonhos de alcançar sempre e sempre mais a visibilidade. Há outras formas de aparecer, e o teatro não precisa ser tão grotesco, nem a vida atingida em sua maravilhosa naturalidade...Há muitos temas para abordarmos ligados à vida e seu movimento. Ainda precisamos da morte como espetáculo para nos lembrar que estamos vivos? Ou será que já não reagimos a quase nada?

Nota: por olimpiano – originalmente o habitante do Olimpo – entenda-se todo personagem transformado em celebridade pela mídia.