Escritor formaliza doação de restos mortais através de versos - José Antônio Rosa
MAIS CRUZEIRO - [ 20/10 ] - Notícia publicada na edição de 20/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 5 do caderno.
lNos últimos dez anos, conforme levantamento da instituição, duas pessoas doaram os corpos para fins de estudo à Faculdade de Medicina da PUC Sorocaba. Estranho e curioso para alguns, o procedimento tem amparo legal. É possível, sim, a qualquer pessoa, atendidas determinadas condições, como estar lúcida, decidir o destino do próprio corpo depois de ter morrido.
Dispor dos próprios restos mortais não é, mesmo, prática das mais recorrentes. Principalmente quando o doador formaliza a vontade em testamento, por meio de versos. Foi exatamente isso o que fez o professor e historiador Nelson Malheiros. Em 2003, ele registrou em cartório um documento no qual expressou esse desejo.
E o fez relatando, num poema de construção parnasiana, entre outras coisas, que espera que “seus órgãos, se dando à ciência, ajudem-na a desatar alguns nós”. Malheiros, de 83 anos, conversou com o Mais Cruzeiro para falar de “Em Busca das Raízes”, livro no qual, junto com Daniel Crepaldi, narra a história de Conchas, sua cidade natal.
Em dado momento da entrevista, mostrou ao repórter o seu “testamento”. Optou pela doação por considerar que, a partir da morte, seu corpo não teria outra utilidade, que não a de cumprir objetivos científicos.
Malheiros encara o assunto com naturalidade. “Não posso mais, a esta altura da vida, me dar ao luxo de ter receio”, justificou. No poema ele conta que pensou, a princípio, em ser cremado “sem demora”.
Mais adiante, porém, anuncia que mudou de ideia. “Pensei melhor! Meus restos bem estejam/A fazer não sendo só cremados/ (...) Pelos que médicos já ser almejam/Possam na mesa ser lá recortados”.
Especialistas dizem que decisões como a do poeta Nelson Malheiros revelam um desprendimento em relação ao assunto que, para muitos, ainda é tabu. A morte, comentam, pode ser encarada de várias maneiras. “Aceitá-la, a ponto de doar o próprio corpo é agir conscientemente, dar a ela a importância que se deve, sem supervalorizá-la, ou desmerecê-la”, comenta a psicóloga Raquel Penteado.
O livro
“Em Busca das Raízes”, obra editada pela Ottoni, é o resultado de seis anos de pesquisas nos livros dos Cartórios locais e dos municípios vizinhos de Tietê, Porto Feliz, Sorocaba, Bofete, Pereiras e outras.
O livro repassa curiosidades, como a origem do nome da cidade que tem a ver com as conchas que eram avistadas às margens do rio que por ali passa. Conta, ainda, que o Município se desenvolveu a partir da instalação da ferrovia.
Além de historiador, Nelson Malheiros dedicado-se à poesia, mais precisamente aos sonetos. Amigo de Paulo Tortello, fez parte do projeto “Poesia em Debate”, ponto de encontro dos que gostavam do gênero. “Foi um grande mestre e amigo”, lembrou.
Desde que se mudou para Sorocaba, Malheiros tem produzido bastante. Pretende, no ano que vem, reunir as poesias num novo livro. Nele, incluirá, principalmente, sonetilhos (nome da forma reduzida desse estilo), muitos deles dedicados ao bairro do Éden, onde se fixou.