Verdade, paixão e divulgação, de José Reis a Marcelo Roque

Glória Kreinz

De nada adianta homenagear José Reis, agora que ele faleceu, ou mesmo quando vivo, se não se leva em conta a Paixão pela Verdade que alimentou sua vida de divulgador científico, suas ações, seus empreendimentos.O mesmo vale para escritores vivos, se não se importam com aquilo que está em redor deles.Marcelo Roque define isto nesta poesia:

HUMANO

Se queres apenas ser homem,

viva sozinho;

Agora, se pretendes ser humano,

então viva ao lado de outros homens

Marcelo Roque

José Reistambém acreditava nos outros seres humanos. Não agia de forma sorrateira ou oportunista, escrevia sobre suas decisões e as cartas deixadas aos amigos são provas consistentes de suas lutas.

As frustrações no contato com o cotidiano contraditório, onde muitas vezes predominava a inveja e o oportunismo, faziam com que Reis declarasse em cartas à amiga Maria Julieta Ormastroni: "Minha vida, como sempre, é um corre-corre frustrante".

E na mesma carta fala de sua vocação. "Annita, sempre que pode, aproveita as voltas de Marcos e passa fins de semana com os netos, o que lhe faz muito bem; estive, portanto, lendo poesias minhas. Um dia lhe mandarei uma coleção delas. Sabe que nasci para poeta e pintor? Por isso me chamo de boêmio frustrado".

Era senhor de uma disciplina rígida, superou as incertezas de seu temperamento e trabalhou em favor da comunidade, não em grupos fechados, mas procurando discutir com nobreza questões que afetavam a todos como divulgadores científicos e escritores.

Em texto de 1998, diz que "a divulgação científica e tecnológica e sua importância para o desenvolvimento econômico, social e político do país em geral tem sido feita, há muitos anos e, salvo honrosas exceções, por idealistas isolados, muitos dos quais cientistas e jornalistas. E essa tarefa, quando exercida por cientistas, não tem sido fácil porque durante longo período perdurou entre eles o preconceito de que a divulgação diminuía seu prestígio profissional, sendo também impossível explicar a ciência ao grande público sem usar expressões altamente técnicas, que tornariam incompreensível o escrito".

Quando hoje penso em José Reis sei que não adianta inaugurar salas e centros em sua homenagem, e vamos continuar inaugurando, se deixarmos de lado o depoimento e o legado de sua Paixão pela Verdade.

José Reis desenhou o navio em que viajou para a América do Norte, pois mesmo em viagem não ficava parado. Produzia como verdadeiro divulgador científico, não jogava conversa fora. Estava sempre escrevendo, pois era antes de tudo um escritor. E dos ótimos,pois acabou diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo de 1962 a 67.

Pensava sempre na documentação e na comunidade. O navio que desenhou é um símbolo e, como está dito na apresentação do Volume VI da Coleção Divulgação Científica, Reflexões, reafirmamos: "La nave va". Estaremos nesta viagem, com ele, além de mostrarmos seu lado humano.

Tentaremos diferenciar os verdadeiros divulgadores científicos, bons escritores, dos oportunistas ocasionais. Como disse Marcelo Roque sobre o humano," viva ao lado de outros homens" e foi o que José Reis fez. Não lista de discussões, mas consolidação de ações.