A maçã e o cristal

Nos idos tempos de sagaz ser maçã era muito difícil, a escolha tinha critérios apurados, e os aprovados para a macieira eram envoltos em grande mistério. Não era qualquer um que podia ser maça não. Os mitos e lendas sobre isso folgavam nas mentes dos seres “desprezíveis” que não podiam ou não queriam ser maçã. Nesses mesmos tempos antigos, havia os cristais, ser cristal era complicado, não pela dificuldade em se adentrar em uma cristaleira, mas pelo desprezo com que se olhava para os tais. Ser cristal era desprezível. Então poucos queriam ser. E muitos dos que queriam, tinham vergonha de demonstrar isso. Já naquela época havia clara distinção entre esses. Um não tinha a ver com outro, muito pelo contrário. Naqueles tempos, sabia-se que existiam macieiras, mas não se reconhecia uma maçã aí dando “sopa” facilmente não. Só uma maçã reconhecia outra maçã. Do lado dos cristais, tão combatidos, pareciam que dificilmente iriam progredir. O jeito de se vestir, falar e defender seus ideais, afastava qualquer possível “empolgado” ao ideal deles. Tanto entre colunas dos pés de macieiras, quanto entre as paredes das cristaleiras havia homens, e dentro desses homens havia corações, e coração é terra que ninguém pisa, além de ser enganoso que só. Como o controle nas macieiras quanto nas cristaleiras era por demais de firme, pouquíssimos saiam da linha de seus ideais. Mas, chegando nos tempos atuais, percebe-se que muita coisa mudou. É maçã pra todo lado, e fazem questão de serem notados como maçã. Virou moda, status. Não dá nem graça, se é que havia alguma. Há várias macieiras repletas de maçãs. Se antes se perguntava quem era maçã, hoje a pergunta é quem não é? Um grande pomar. E o que dizer das cristaleiras, essas então, se multiplicaram a termo de progressão geométrica. Até assusta. Virou moda e fazer parte desses é chique, uau... eu sou cristal. Estamos nos conformando com esse século bem mais fácil e rápido do que parecia. Quem te viu e quem te vê. As instituições não mudaram, os fundamentos estão lá, quem mudou foram as pessoas dentro dessas organizações. Pessoas que se adequam fácil ao sistema do comum. Pessoas com corações suscetíveis a todo tipo de interferências, entre elas, a vaidade. A má e velha vaidade continua a fazer estragos por onde passa. Sentimento que tira o foco e embaça o bom entendimento, afetando diretamente nas escolhas. A vida é feita de escolhas. É preciso discernir para escolher. Escolhas têm um preço a ser pago. Tudo tem o seu preço. E a vida vai cobrar o preço, sempre alto. Não vai deixar barato nunca essa dívida, que será cobrada ao longo da sua existência. Dívida só sua, conseqüência de suas escolhas. Se o motivo de ser maçã ou cristal for a vaidade, estar no pomar ou nas cristaleiras é um meio de satisfazer esse sentimento. Então o coração lhe enganou mais uma vez. Tome tento. Al Pacino, ao final do filme O Advogado do Diabo, no qual interpretava o demo, bem frisou, quando disse: - “A vaidade é, com certeza, o meu pecado predileto”. Assista, valerá a pena.