Há um tempo para aprender e outro para ensinar

A vida dá voltas e tem-se a sensação de que, às vezes, voltamos ao ponto de partida. E foi exatamente assim que me senti nestes dias passados...
Há uns cinco meses fui procurado pela Professora Sandra Albuquerque Torres de Souza que desejava muito editar um livro. Rotina em minha vida. Marcamos uma reunião e, no dia e horário marcado, lá estava ela para conversar comigo.
Com muito entusiasmo falou do seu projeto, em uma escola pública, que estava desenvolvendo em classe com seus alunos: o de fazer eles escreverem as suas visões sobre as lendas infantis. Dizia-me que foi um projeto tão bem aceito e prazeroso que ela se viu diante de uma material que urgenciava um rumo diferente.
Foi então que surgiu o pensamento de transformar tudo em um livrinho caseiro. E é exatamente neste ponto que eu entro. Expliquei para ela como é a produção de um livro, falamos sobre os custos, lei brasileira do livro, registros necessários, autorizações dos pais dos alunos, uso de imagem e que, na verdade, ela não precisaria fazer um livro caseiro ou artesanal, iríamos produzir um livro de verdade.
Os olhos dela brilharam.
E foi nesse brilho que eu vi os olhos de minha irmã Alessandra e o passado voltou-me à mente...
Quando a Alê estava para concluir sua graduação na USP, ela desenvolveu, junto aos seus alunos da EE Prof. Getúlio Nogueira de Sá, no bairro do Caxambu, em Jundiaí, um projeto semelhante junto aos seus alunos: era a releitura dos contos de fadas escritas pelos seus alunos. Além de darem a sua visão sobre a história, eles também ilustraram os textos.
Isso ocorreu há pelo menos uns 15 anos para mais.
Ao ter em suas mãos o material pronto, adivinha o que a Alê fez? Se você pensou que ela me chamou para que, juntos, montássemos um livro, acertou na mosca! Só que, desta vez, era realmente um livro artesanal. Os recursos de informática que tínhamos eram mais precários; impressora colorida era um luxo, mas, mesmo assim, imprimimos o livro todo colorido. Costuramos a mão o miolo, colamos a capa – que foi feita em papel mais grosso e tcham, tcham, tcham, tcham... o livro ficou pronto! Fizemos dois exemplares. E eles ficaram lindos!
O resultado foi que a Ale ganhou nota máxima; segundo sua orientadora: “imagine desenvolver uma trabalho como esse em escola pública, que coragem!”. Seu trabalho foi muito elogiado e ganhou uma publicação em uma revista científica recheado de congratulações e elogios.
Voltando ao presente...
A situação se repetiu. Quando relatei este caso para Sandra, ela se empolgou ainda mais e combinamos de produzir este livro.
Cinco meses se passaram e nada dela voltar. Pensei que algo tinha dado errado e fiquei na minha, mas sempre que olhava para o meu computador via nele a pasta que tinha dedicado ao trabalho dela.
Na semana passada, meu cunhado Jéferson trouxe-me o espólio dos livros deixados por minha irmã. Acabei herdando-os e fiquei mais do que emocionado. São muitos livros e cada um com a sua história. E, em meio a tantos livros, encontrei o nosso livrinho, com a história dos alunos dela. Como eu chorei ao deparar-me com ele novamente. Foi novamente uma sensação de déjà vu sem tamanho.
E, para completar a emoção, quem é que reapareceu no dia seguinte? A professora Sandra com o material completo dos seus alunos para iniciarmos a produção do livro.
Em minha cabeça ficou a seguinte incógnita: o que tenho de aprender com tudo isso?
A única resposta é que a roda da fortuna continua girando, uma vez estamos no topo, outras em baixo. Mas estamos sempre nela, em movimento, nunca parando.
Estar produzindo este livro é, para mim, prosseguir com os ideais de minha irmã: o de sempre acreditar que com a literatura e a educação podemos mudar o mundo para melhor. E o faço com lágrimas nos olhos. Voltei a ter meus vinte e poucos anos e tenho pela frente um caminho imenso para trilhar.
Com certeza, este livro vai ficar lindo. Tão lindo como o da Alê, a minha grande mestre que me deixou a lição de que educar é a única arma que temos para transformar as pessoas, pois o tempo passa, até a saudade passa um dia (no meu caso acho que não), mas o aprendizado, este sim, é e sempre será eterno.
Obrigado Sandra, por me fazer menino outra vez.
Obrigado AlesSandra, por continuar me indicando o caminho a seguir!

Márcio Martelli
Escritor e editor de livros.
Professor e aluno das mazelas desta vida.