TRIBUTO A MONSENHOR SOLON

TRIBUTO A MONSENHOR SOLON

Wilton Porto

Da Academia Parnaibana de Letras

Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba

“Por isso na impaciência

Desta sede de saber,

Como as aves do deserto

As almas buscam beber...

O! bendito o que semeia

Livros... livros à mão-cheia...

E manda o povo pensar!

O livro caindo n’alma

É gérmen – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar”.

(O livro e América – Castro Alves)

“Vendo-o, era forçoso estimá-lo. Estimando-o ninguém podia esquecê-lo.”

É impossível falar de educação em São João do Piauí, sem lembrar nomes como Dr. Joaquim Vaz da Costa, Antônio Cavalcante, Adail Coelho Maia, Genésia Arraz, Laura Arraz, Espedita Alves e tantos outros. Porém, a grande estrela foi Monsenhor Solon. É bem verdade que o poeta inspiradíssimo, Adail Coelho Maia, também imprimiu sua marca na cidade, contudo Monsenhor Solon até os dias de hoje contribui para uma educação de relevância maior na cidade de São João do Piauí.

Em 1953 Solon fundou a “Escola São João”. Em 1956 cria o “Instituto São João Batista”.

Ali, iniciava-se a grande arrancada para o desenvolvimento educacional e cultural, além da assistência social para a juventude sanjoanense.

Escola “São João” e ginásio “Frei Henrique” atingiram uma respeitabilidade tão grande, que ouvi muitas vezes ser essas escolas o “primor” de educação do Piauí.

Ingressar no ginásio “Frei Henrique” não era fácil. Tinha-se que ter preparo. Lembro-me que à minha época de primário, o grande medo do alunado era o exame de admissão – “verdadeiro vestibular!” O exame de admissão era obrigatório.

Quando eu fazia a quarta série do primário, uma das professoras chamou-me a mim e ao Nerinho e disse: “Vocês dois têm condições de fazer exame. Façam”. Eu e Nerinho (Moura Fé) nos olhamos.

Não sei bem se admirados, gratos, assustados... Arregalamos os olhos para a professora. Com as vozes embargadas engolimos cuspe em busca de salvação. A professora nos fez relaxar e afirmou: “Não se intimidam, vocês serão aprovados, tenho certeza”.

A professora Valdinê (assim a chamávamos) falava pela boca de um anjo, ou fora intermediária de um deles. Fomos aprovados. Eu, por exemplo, sem dificuldade.

Vocês podem imaginar a nossa alegria! Não tínhamos apenas sido aprovados no vestibular, digo exame de admissão, mas sem ingressar no quinto ano, sem contar que iríamos participar daqueles desfiles fenomenais, vestir a farda do “Frei Henrique”, estudar numa das escolas mais cobiçadas do Piauí!

Monsenhor Correia de Aragão não era filho de São João. Contudo é como se o fosse. Não só ele se considera como se filho o fosse, nós, filhos daquele maravilhoso torrão, também sabíamos que ele o era.

Em 16 de dezembro de 1968, o então prefeito Claudionor Paes Landim de Oliveira confere ao vigário Pe. Solon, o título de cidadão sanjoanense, fazendo justiça àquele que foi enviado por Deus para servir a Deus servindo aos piauienses, principalmente a São João do Piauí.

Em cinco de janeiro de 1969, o povo sanjoanense mais uma vez reconhece o valor do Monsenhor Solon Aragão. Ele continuava firme, comprometido, competente como vigário de São João do Piauí. Desta feita, a festa que lhe dirigiam era por conta das suas bodas de prata de sacerdócio.

A igreja matriz lotada. Os sinos tocando. Os acordes vibrando distante. Na calçada da igreja, muitos se acotovelam. Alguns jovens aproveitam para namorar. Os anjos nos céus com suas clarinetas tocam “Ave-Maria”.

A missa concelebrada mexe com o coração de cada um. Dos olhos de Deus uma lágrima cristalina rola rosto abaixo. E, com certeza, Deus gritou bem alto: “Este é um dos meus filhos muito amados”!

Monsenhor Solon sempre teve ânsia de servir. Era um servo de Deus: ele encarnou a frase de cristo: “Eu não vim para ser servido, contudo para servir”. Como religioso, estava presente na igreja como Cristo na hóstia sagrada; e como educador, estava presente na escola como o barro entre tijolos.

Em 1970, funda o primeiro estabelecimento de ensino de 2º grau do município de São João do Piauí – a Escola Normal Genésio Arraes.

Uma cidade com tantos atributos, com uma escola-modelo, não podia deixar de ter uma escola para preparar professores – o espírito desbravador do vigário, a visão microscópica do educador tinha que se movimentar, criar, servir... E a escola surge, cheia de luz, para iluminar, com certeza, os cérebros famintos de conhecimentos desejáveis.

As décadas de 60 e 70, segundo quem viveu em São João do Piauí, foram áureas. A efervescência política, educacional, cultural e esportiva foi incomparável. O esporte era espetacular. O Ginásio “Frei Henrique” imbatível. Chegou a emprestar oito craques para a seleção da cidade.

Lembro-me bem, no que diz respeito ao esporte, de nomes como Bibiu, Zé Paulo, Zé do Dequinha, Chico Afonso. Eram capazes de destruir qualquer defesa. Bibiu, meu irmão de sangue, era a estrela maior. O Tuféu era o unha de gato. No gol não passava nada. O David, lá das bandas do Jacaré, era um beque inigualável. Bons craques São João tinha! Pandu, João de Vita e tantos outros moram em nossa memória.

O Ginásio, a educação como um todo, fora decisiva para essa alegria, para essas lembranças.

As festas juninas sempre foram marcas registradas da cidade, tendo como dedo propulsor de frente o Monsenhor Solon Aragão.

Arrastava multidões. Aquelas músicas amplificadas atingiam o interior da cidade e de lá, aos montes, vinham se juntar a nós, os interioranos.

Eu, especialmente, sensibilidade de poeta, não tinha como muitas vezes deixar de verter lágrimas ao ouvir aquelas músicas, que penetravam torrencialmente por todos os meus poros.

Monsenhor Solon sabia como nos emocionar. Ele era mensageiro de Deus. Sua inteligência fulgurava de forma incomparável. Tinha domínio do verbo, por isso, sua oratória contagiava. Sem dúvida, um sábio, o que o levou a ser Presidente da Fundação Cultural do Estado do Piauí.

Professor exímio, muitas vezes ele chegava na sala de aula e perguntava: “Em que matéria vocês estão sem aula?” Ali, ele entrava, e dava uma aula inesquecível. Com as aulas dele, eu tirava nota máxima sem estudar. Até ensinando inglês, ele cintilava.

O momento máximo da carreira desse sacerdote foi o centenário da Igreja Matriz de São João Batista, em São João do Piauí.

Os sanjoanenses espalhados pelo Brasil acorreram para São João naquele julho de 1975.

Chorei muito. É que saindo de São Paulo, junto com meu cunhado e irmã, para essa festa, com dez dias de antecedência, cheguei depois dos principais acontecimentos. Alcancei somente o baile, no clube, após muito malabarismo.

O nosso carro quebrou, fundiu o motor em área deserta, porque fizemos trajeto via Brasília e a estrada, à época, estava uma lástima.

Eu fiquei só de ouvir os comentários emocionados dos parentes. Depois, eu fechava os olhos, e lembrava-me das festas juninas, das celebrações, das músicas, dos sermões de Solon, dos passeios pela praça, das namoradas, da escola, do futebol, dos poemas, do grêmio, da efervescência cultural, onde muitas me viam como destaque... E chorava.

Por muito tempo, o sanjoanense cantou uma música daquela comemoração centenária:

“São João, São João, São João.

Meu São João do Piauí...”

Eu me esqueci da letra. Porém essa música por muito me deixou extasiado. Quando eu a cantava, lembrava-me da festa que perdi. É lógico que todo o meu ser entristecia-se.

Dia 20 de janeiro de 2001, quando eu estava em Teresina, no meu curso de Medicina Tradicional Chinesa (MTC), meu irmão Afrânio, que já havia ligado para Parnaíba (eu não estava hospedado na casa dele), informou-medo desencarne de Monsenhor Solon.

Não dava para telegrafar. Resolvi que escreveria algo. Sou admirador de Solon e admirado por ele. Não poderia deixar de me reportar. Como diz Antonie de Saint-Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Cativei Monsenhor Solon. Fitei um dia nos seus olhos vívidos e percebi um homem incomum, uma luz que, com certeza, em outras paragens, melhor estará arregaçando as mangas para que o seu ideal de servir os sanjoanenses seja mais vibrante, e agora com melhores condições, porque está do lado esquerdo (coração de Deus).

Monsenhor Solon foi uma trombeta descida dos céus para alertar os homens da importância da fraternidade. Foi uma chama ardente colocada no alto da Igreja Matriz de São João do Piauí, para que todos pudessem seguir caminho sem se perder na escuridão do sofrimento. Foi o silêncio em oração para que Deus, por meio dele, ouvisse nossos apelos. Fora o advogado daqueles que, em momentos críticos, se perdiam na descrença de que o Pai existe. Revelou-se o político que fez pelo prazer de fazer. Sem dúvida alguma, um pedaço do céu que desceu à terra.

Neste mundo e numa época de tantas atrocidades, tinha que surgir, na terra, homens completamente voltados para os interesses populares. Homens que em milênios de caminhadas conseguiram dominar os ímpetos dos desejos materialistas e penetraram fundo na essência do próprio ser.

Esses homens não negaram a si mesmos em prol dos outros. Compreenderam o seu dever, aprenderam sobre o verdadeiro amor e se realizam no servir.

Monsenhor Solon, o senhor é um desses homens! Aí está o motivo da minha admiração. Houve momentos em que o senhor agiu de maneira enérgica, mas não se pode ser líder, sendo só açucarado. Porém no âmago do seu âmago, nas entranhas da sua alma, vibra uma doçura ímpar.

Ninguém nesta vida se faz respeitado, se dentro de si não desenvolve a pureza divina que nos é latente! Os grandes iluminados deixam transparecer essa pureza em tudo que fazem. E, nós, os menos dotados, nos deixamos guiar, porque sabemos (e muitas vezes sem saber) que o líder nos está levando para o caminho do bem.

Sabemos que o homem não morre. Monsenhor Solon está vivo num plano de vida, numa outra dimensão.

Digo: Mons. Solon. Que bom, você ter descido à terra! Que maravilha que o senhor fora para São João do Piauí! Que ótimo, eu ter vivido em São João, na mesma época em que viveu o enviado de Deus! Que privilégio, eu ter sido seu amigo! Mons. Solon, luz cristalina, fonte indispensável ao sedento, anjo de muitas asas a abrigar o viajor cansado do sol, da dor. Lá dos céus, onde agora habita, ore por nós. De vez em quando, deixe-nos abrigar-nos em suas asas. Porque sabemos que em todo o sem ser, encontramos a paz buscada. Que os nossos laços sejam cada vez mais firmes e salutares. Bom regresso à verdadeira Pátria. Meus aplausos pelos louros da vitória! Do dever cumprido com sabedoria!