A aula: um ato criativo - Dulcina Guimarães Rolim
ARTIGO - [ 13/10 ]
Notícia publicada na edição de 13/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
´No esforço reflexivo que me faço para descobrir quem é esse aluno real da minha sala de aula, devo admitir, como premissa básica, a afirmação de que não existe tão somente o aluno real, existe também o professor real´
A sala de aula como espaço físico, social, interrelacional, impregnada de símbolos socioculturais, evidencia a complexidade multiplural e multidiversa de crenças, comportamentos, posturas, expectativas, interesses. Sendo um espaço de conflitos e contradições, expressa, por isso mesmo, a epistemologia dos professores, as expectativas da sociedade civil, os interesses das elites político-econômicas, os desejos latentes e manifestos dos alunos.
Como prática social, o ato de educar/ensinar nas sociedades primitivas e pré-capitalistas configurava-se como relativamente simples porque se concretizava na inserção dos jovens nos meandros da sociedade adulta pela aquisição exemplar de conhecimentos, habilidades e hábitos. Porém, na complexidade da sociedade ocidental moderna, na sua extensão política, econômica e ética e, principalmente, ideológica, vemo-nos tributários de um legado educacional extremamente complexo na concretização de espaços específicos institucionais, aos quais denominamos escola.
A despeito de todas as regulamentações expressas pela Constituição, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pelas Diretrizes do MEC e das Secretarias de Educação dos Estados, que organizam e normatizam a instituição escolar e, apesar de todas as pesquisas e da literatura pedagógica e específica que embasam as teorias, as ações e os currículos, somos nós, docentes, na nossa sala de aula, num tempo e num espaço determinados, que devemos dar conta da explosão multifacetada do desafio que nos aguarda rotineiramente.
Perguntamos-nos, então, qual é o limite entre o ritual cotidiano que devemos empreender em sala, como chamada, exercícios, avaliações, orientação de leituras, seminários etc. e as possibilidades de invenção/criação que o nosso conhecimento, experiência e sensibilidade docentes admitem como necessárias e bem vindas, ainda que subvertam a ortodoxia das práticas pedagógicas? Constitui-se, certamente, em um limite muito tênue porque ensinar é, sobretudo, a criação de possibilidades para o aprender. Então, não existem modelos e receitas. Sair-se melhor- ou pior- vai depender da nossa formação docente, da nossa história de vida, do prazer que sentimos em estar naquela sala, naquele momento, com aqueles alunos, em tempo real.
No esforço reflexivo que me faço para descobrir quem é esse aluno real da minha sala de aula, devo admitir, como premissa básica, a afirmação de que não existe tão somente o aluno real, existe também o professor real. Essa aparente antinomia parece ousada, mas não o é na medida em que suponho que professor e aluno são dialeticamente co-partícipes, cúmplices mesmo, no processo do ensinar e aprender.
Na verdade, construímos com nossos alunos uma didática possível, uma forma de ensinar e aprender, ou seja, um ato educativo/criativo plausível naquele tempo e naquele espaço determinados. Isso significa que ao adentrarmos na sala de aula, iniciamos uma viagem sui generis, porque consideramos a personalidade do aluno: sua idade, seus interesse, suas motivações, seus sonhos, seu patrimônio acadêmico e experiencial; as regulamentações das políticas educacionais dominantes expressas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as diretrizes do MEC; os projetos pedagógicos da escola; as expectativas da sociedade civil; a natureza do trabalho docente que exige, sobretudo, que tenhamos nos apropriado não tão somente de conhecimentos didático-pedagógicos como, também, da especificidade do conhecimento humano a ser ensinado.
Tais condições, ou seja, a personalidade do aluno, as regulamentações das políticas educacionais, as expectativas da sociedade, a natureza do trabalho docente e a especificidade do componente curricular se dispõem, de tal forma, que engendram relações didático-pedagógicas e humanas, muito peculiares, de interação e convivência, que nos conferem identidade enquanto docentes/discentes. Portanto, partícipes, mestre e aluno, transubstanciamos a aula em ato criativo.
Dulcina Guimarães Rolim, professora de Didática da Uniso e mestre em Educação. Trecho da palestra proferida no VIII Fórum de Graduação-Uniso, Junho/2009. (dulcina.rolim@prof.uniso.br)