Ficha limpa

FICHA LIMPA

Antônio Mesquita Galvão

Depois do caso Sarney, da casa da governadora e outros acontecimentos, eu evito comentar sobre política, tamanho o enojamento que me assalta. Mas um fato não é possível deixar passar, pois mais do que político, inflete no terreno da cidadania. Trata-se do registro de candidaturas de indivíduos que têm ocorrências policiais ou jurídicas, dependentes de sentença. É a chamada “ficha suja”, mais conhecida como “pau de galinheiro”.

Para trabalhar em um banco, dar aulas numa universidade, a pessoa tem que ter a ficha limpa. Com maus antecedentes não entra! O cara para conseguir um emprego de motorista de uma empresa ou vigilante particular tem que comprovar a inexistência de processos e fatos afins. E para o Congresso? E para as Assembléias, Câmaras, Governos Estaduais e Prefeituras? Sabem que não precisa comprovar nada? O pior é que os antecedentes revelam os conseqüentes.

O pior é que muitos indivíduos não buscam a eleição para exercer um serviço cívico, pelo bem-comum, mas para “se arrumar”, entrar no “jabaculê”, fazendo acordos de campanha, conchavos e negociatas.

Só para citar apenas um caso grotesco, recordo que na década de 90, um deputado federal nortista (com ficha suja) ficou famoso nacionalmente. Na época, ele esmurrou uma deputada em plena Câmara, porque ela o acusou de lenocínio e tráfico de cocaína. Ela (com uma vida pregressa diferente de Madre Tereza) foi cassada em 1994 pela CPI dos “anões do orçamento”. Esses dois, entre tantos, não podiam ter sido diplomados. Uma turma dessas, depois de eleita vai postular os interesses de quem?

O pior é que depois de eleito o meliante, as im(p)unidades e o corporativismo existentes na política não deixam mais cassá-lo. O esprit de corps fala mais alto. A solidariedade das bancadas e a conivência dos partidos tudo ajuda a trazer o descrédito sem precedentes que se abate sobre a política nacional.

Esperar pelo braço cego e sonolento da justiça não adianta. Os processos se arrastam por décadas, enquanto o pessoal da mão-ligeira vai avançando nas fichas. No Rio Grande do Sul a justiça apregoa, pelo rádio, a formação de uma “força-tarefa” para agilizar processos estagnados desde 2004. Ora se está levando 4 a 5 anos para julgar, deve ser o mesmo tempo em que o indiciado se elege, dá trambiques, forma a quadrilha e depois ninguém mais bota a mão nele, não pode mais ser punido, pois assume todas as imunidades regimentais.

É preciso que se faça uma campanha nacional pela obrigatoriedade da “ficha limpa”. Se quem não tem antecedentes, já se corrompe na campanha aceitando propinas, imóveis, carros, caixa 2, imaginem quem já é do ramo! O danado é que essas leis são feitas pelo mesmo Congresso que é o favorecido direto pelas facilidades.

Filósofo e Escritor. Doutor em teologia moral

Artigo publicado no jornal “Zero Hora” (Porto Alegre, 11/10/2009).