Omnibus & bond - Adalberto Nascimento
ARTIGO - [ 11/10 ]
Notícia publicada na edição de 11/10/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 2 do caderno A.
Eu tive o privilégio de andar de bonde. Lembro-me de que, moleque, sentia um certo friozinho na barriga ao passar pela ponte do bonde no rio Sorocaba.
Em 1826, Stanilas Baudry, dono de uma casa de banhos em Nantes, na França, criou um sistema de diligências para transportar seus fregueses. O ponto final das diligências ficava na frente de uma chapelaria, cujo proprietário, chamado Omnes, aproveitou seu nome para compor, em latim, o slogan de sua loja: Omnes Omnibus - um trocadilho para Omni Omnibus, que em português significa tudo para todos. E os usuários, num acerto inconsciente, começaram a chamar aquelas diligências de omnibus, ou seja, para todos -nome ancestral dos nossos ônibus.
Por falar em ônibus, por que dizemos bonde? Essa designação vem da palavra inglesa bond, que, em português, significa bônus. Essa história começou em 1879 no Rio de Janeiro. Naquele ano, o preço do bilhete para o carril de ferro foi estabelecido em 200 réis. Como não existiam cédulas ou moedas nesse valor, os gringos que exploravam o serviço emitiram pequenos cupões, em cartelas de cinco unidades, ao preço de um mil réis. Os bilhetes traziam, entre desenhos sofisticados, a palavra bond impressa - um bônus que permitia circular com o veículo, que, por isso, passou a ser chamado de bonde.
Em nossa cidade, a primeira linha de bondes, Cerrado, foi inaugurada no dia 30 de novembro de 1915, com a corporação musical Santa Cecília ocupando um dos bondes e executando alegres números musicais. A segunda linha, Santa Maria, que ia ao Além-Ponte, foi inaugurada em 10 de setembro de 1928. Para essa linha, uma ponte foi especialmente construída para a transposição do rio Sorocaba.
Em 1950, em razão de situação financeira muito deficitária, a São Paulo Electric, empresa que detinha a concessão, fez a doação de tudo - instalações, rede elétrica, ponte, geradores de corrente contínua e carros elétricos - à Prefeitura de Sorocaba.
O prefeito de então, Gualberto Moreira, ficou com um enorme elefante branco. Um verdadeiro presente de gringo - pior do que de grego. Depois de muitas gestões, o prefeito conseguiu que o governador Lucas Nogueira Garcez autorizasse a reforma dos bondes. E isso foi feito nas nossas gloriosas oficinas da Sorocabana.
Em 25 de janeiro de 1956 foi inaugurada a linha de bondes estendida até a rua Humberto de Campos, cujo terminal era na Praça 9 de Julho, local no qual ainda temos preservada parte substancial da antiga parada do bonde.
Entretanto, o serviço continuou deficitário e, em 28 de fevereiro de 1959, o prefeito José Lozano deu a penada final - assinou o atestado de óbito, acabando com os bondes em nossa cidade.
Eu tive o privilégio de andar de bonde. Lembro-me de que, moleque, sentia um certo friozinho na barriga ao passar pela ponte do bonde no rio Sorocaba. Quem, como eu, andou de bonde é porque está ficando velho, ou já está velho. Todavia, sobra-nos o conforto de que envelhecer é ainda a única maneira de viver mais tempo, conforme um velho ditado italiano.
Por ser filho de ferroviário, com direito a passe livre, utilizei trens nas minhas dolorosas idas para São Paulo e nos alegres retornos de lá, nos saudosos tempos de cursinho e faculdade.
Pena que esses meios, por falta de planejamento integrado com outros modos de transportes, foram abandonados. Infelizmente, em nosso país nunca se pensou de forma planejada. Quase sempre fazemos as coisas a posteriori, nunca a priori e, em geral, a forciori. É o que veremos acontecer na preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. Tudo a forciori, exceto as mutretas que, sem dúvida, já estão sendo planejadas. Para isso nunca faltou planejamento.
É evidente que um dos maiores problemas a ser equacionado será o do transporte público. Nem precisamos entrar em detalhes para nos lembrar daquilo em que as grandes cidades estão se transformando em função do excessivo uso do transporte individual.
Talvez, em função das Olimpíadas, o governo se dê conta da necessidade de uma política consistente para o transporte em nosso país. No caso do transporte público, além de eficaz e bem gerenciado, ele deve ter prioridade total em relação ao transporte privado. A implantação de faixas exclusivas, a proibição de estacionamentos e a adoção de medidas restritivas ao transporte individual quase sempre trazem muita chiadeira - e com muita repercussão, já que as classes privilegiadas têm mais acesso às mídias. São assuntos que, como em todas as áreas de interesse coletivo, não podem ficar adstritos a clientelismos demagógicos. Daí a necessidade de políticos da boa política - os que valorizam a técnica sem tibiezas populistas. No trânsito e no transporte público não cabem demagogias - não dá pra agradar todo mundo.
Enfim, como em qualquer área, as coisas têm de ser feitas com visão de longo prazo. Com visão de quem pensa e trabalha omnibus numa espécie de bonde chamado desejo... de acertar.
Adalberto Nascimento é engenheiro e escreve a cada duas semanas neste espaço, sempre aos domingos (dal@globo.com).