Pitágoras (1)

Pitágoras (1)

“A sala ficava no andar térreo e era cheia de coisas. Estantes com livros, pergaminhos e tábulas para escrita, tábulas de brinquedos matemáticos, cubos, cones, esferas e cilindros. Uma das paredes, pintada de branco, estava cheia de números desenhados, quadrados e triângulos feitos de blocos de números. Em um suporte havia um grande astrolábio. Ele deixou a lira e levantou-se. Compreendi então porque o consideravam louco.

- Raros são aqueles dotados da Visão – disse ele - mas os elos da alma são para todas as criaturas vivas. Posso prever que terá vida longa. Antes mesmo de sua alma deixar a morada atual, uma alma nova aparecerá em seu caminho e você poderá pagar sua dívida, assim como ela pagou também, pode ter certeza, uma bondade antiga. Desse modo elevamos uns aos outros em direção à luz”.

O diálogo acima é de Mary Renault, autora inglesa e contemporânea de Agatha Christie. Apesar de ter sofrido uma ligeira edição para constar nesse artigo, quando Mary incluiu a passagem de Pitágoras no seu romance “O cantor do prazer”, ela deu um colorido próprio ao mago protagonista desse artigo, além de denotar seu esclarecimento sobre o fato de se tratar de um iniciado.

De onde ela tirou isso? A versões enciclopédicas sobre ele sequer resvalam nesse ponto.

Mary Renault, londrina e filha de médico, estudou em Oxford e, depois da Segunda Guerra Mundial, passou anos viajando pela África e pela Grécia. A história grega estava à espera de ser recontada através de sua habilidade com a palavra. Mary publicou vários livros com esse enfoque. Num deles, uma biografia histórica sobre o poeta grego Simônides, ela incluiu um suposto encontro entre o poeta e Pitágoras e, de quebra, ao invés de abordá-lo através da música ou da matemática, ela coloca em seus lábios gotas da doutrina secreta.

“Não é por acaso que os reformadores aparecem ao mesmo tempo em povos tão diversos. Suas diferentes missões concorrem para um fim comum. Elas provam que em certas épocas uma mesma corrente espiritual atravessa misteriosamente toda a humanidade”.

Assim, Pitágoras é visto como um reformador e paradoxalmente como uma figura legendária. Mas tanto no raso da enciclopédia quanto no profundo do germe pesquisador, ele agiu sobre os operários da evolução, fossem eles físicos, legisladores, poetas ou heróis. E a história, longe de ser uma ciência exata, acerta ao realçar sua dimensão, e nos diz que ele nasceu em Samos no inicio do século VI a.C.

Filho de um mercador e de uma mulher chamada Pártenis, a sacerdotisa de Delfos disse ao casal que teriam um filho “que seria útil a todos os homens em todos os tempos”.

Pitágoras foi vislumbrado em Delfos, abençoado em Adonai, num templo no vale do Líbano, cresceu em Samos, e entre o fim da adolescência e o principio da maioridade travava debates e conferências com mestres e sábios, que se por um lado lhe abriam a mente por outro não preenchiam as lacunas das contradições então apresentadas.

O que se atribui a Pitágoras, além de ser o criador da palavra "filósofo"? É também considerado o primeiro matemático puro, incluindo aí a própria criação da palavra “matemática” (mathematike, em grego). Sim, o Teorema de Pitágoras (c²= a²+b²). Os intervalos musicais, como os conhecemos hoje. Uma filosofia própria, a pitagórica. E não nos esqueçamos da Escola Pitagórica, tida como a "primeira Universidade do mundo". Tudo isso, porém, não nasceria na sua cidade natal, Samos, e tampouco fora fruto de exaustivos debates com mentes de gerações anteriores.

“Tudo isso” foi gestado durante no mínimo 34 anos, tendo como semente a inquietação do sábio ao atingir a maioridade e a profecia feita no Líbano, durante a sua infância.

“Oh, mulher da Jônia – dissera o sacerdote de Adonai à mãe de Pitágoras – teu filho será grande em sabedoria, mas lembra-te que, se os gregos possuem ainda a ciência dos deuses, a ciência de Deus só se encontra no Egito”.

Pitágoras (2)

Vinte e dois anos no Egito. Chegou pela porta da frente, com uma carta de apresentação ao faraó Amasis, que por sua vez o introduziu aos sacerdotes de Menfis. Era só o começo. Os gregos eram considerados volúveis e superficiais aos olhos dos teurgos de Ísis. Sob o pontificado do sacerdote Sonchis, testaram sua paciência e sua coragem durante duas décadas, até reconhecerem nele uma força e um desejo extraordinários pela sabedoria, que por fim lhe revelaram os segredos da doutrina secreta. “A ciência dos números e a arte da vontade são as duas chaves da magia. Elas abrem todas as portas do Universo.”

Com a magia da palavra, um historiador descreve o insight de Pitágoras: “Ele viu os mundos se moverem segundo o ritmo e a harmonia dos números sagrados. Viu o equilíbrio da terra e do céu, de que a liberdade humana segura o pêndulo. Os três mundos, - natural, Divino e humano – se sustentando, determinando-se um ao outro e representando o drama universal com um duplo movimento ascendente e descendente. Adivinhou as esferas do mundo invisível envolvendo o visível e animando-o sem cessar. A lei ternária que rege a constituição dos seres e a do setenário que preside sua evolução.”

Estava tudo em ordem no reino das pirâmides e Pitágoras chegara ao cume do sacerdócio egípcio.

Quando Edson Arantes do Nascimento pendurou as chuteiras, um jornalista lhe perguntou se ele sabia tudo sobre futebol. Edson respondeu que nem de longe, que nunca havia ganhado uma partida no Uruguai, e etc., etc., etc. Para que a Escola Pitagórica fosse fundada, o cume do sacerdócio egípcio não bastava. Pitágoras contava com aproximadamente 44 anos quando ponderou sobre sua volta a Samos. “E eis que vem a roda viva, carregando o destino pra lá”. Um sujeito chamado Cambises, que sabia tudo sobre assassinato, chegou com seus exércitos saqueando e destruindo os templos de Tebas, Menfis e Amon. Para se dizer o mínimo. Como o manto da lenda envolve a existência do Matemático, é nas suas filigranas que se lê, e se interpreta, que ele teria assistido o fim do faraonato e o sacrifício de dois mil jovens, amordaçados e decapitados. Para quem pensa que barbárie é um privilegio atual e para quem duvida que a história se repete, quando o Exército Vermelho chegou em Berlim, em 1945, por maior que fosse a sua sede por mais vermelho, os sábios foram poupados. Cambises levou Pitágoras intacto para a Babilônia, pois sua instrução ainda carecia de acréscimos.

O que ele pensava que já sabia, fora alargado pelas três correntes de crenças existentes na cidade que tinha 85 km de muros em seu redor. Nos seus doze anos de Babilônia, Pitágoras se debruçou sobre os cultos dos caldeus, as práticas do magismo persa e a síntese da elite judaica.

Os formulários trazidos das mais antigas línguas da terra e invocados em caldaico, Zoroastro e o Deus de Moisés conviviam como que numa espécie de resistência à tirania babilônica, tidos mesmo como um grupo de intrépidos defensores de sua ciência, sua fé, e “tanto quanto podiam, a justiça”.

Nesse quesito, mais tarde ele formularia que um ato justo seria chamado de justiça aritmética - cada indivíduo recebe uma punição ou ganho quantitativamente igual ao ato cometido. (Aristóteles discordou desse ponto de vista).

A saída da Babilônia foi similar a sua entrada no Egito. Era necessário uma ordem do chefe. Nesse caso, o rei dos persas.

A data de nascimento de Pitágoras é estimada em torno de 570 a.C. e 571 a.C. pelo saber enciclopédico. O que contradiz Jâmblico, em “A Vida de Pitágoras”, estimando o que foi relatado no artigo 1, ou seja, início do século VI. De qualquer forma, ele consegue sua liberdade e volta para Samos 34 anos depois de sua partida. O que ali encontra se resume em escolas e templos às moscas, sábios e poetas em fuga. Não irá se demorar muito por lá.

No rol de frases atribuídas a ele, “a vida é como uma sala de espetáculos: entra-se, vê-se e sai-se.”.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 10/10/2009
Reeditado em 22/02/2013
Código do texto: T1858996
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