A MANIA DE SE NIVELAR POR BAIXO!

Quebro o silêncio para abordar excepcionalmente um assunto sobre o qual, não mais e apenas que por ética e respeito ao próximo, nunca discorri antes. Refiro-me às manchetes falando sobre o projeto a ser encaminhado ao Congresso, de aumento de salários para o Judiciário.

Pela repercussão negativa unânime com que reiteradamente vem à tona na imprensa, conheço a questão de si explosiva, polêmica. Afinal, distorcem intencionalmente informações, realidades que só quem conhece com inteireza de detalhes é quem priva das particularidades dos serviços da Justiça; mentem salários avultados que nem chegam perto das somas da maioria esmagadora dos seus servidores! Mas há coisas a ser ditas sobre isto que, como disse, muitos servidores do judiciário, como eu sou, não ousam expor, por respeito. Respeito pela realidade sabidamente injusta e revoltante na qual a maioria das categorias de trabalhadores do Brasil se encontra. Isto é uma coisa, e nós, servidores do Judiciário, conhecemos tão bem quanto qualquer trabalhador que paga contas. Outra coisa, contudo - e aqui usemos de lisura para admitir! - é a mania de muita gente querer nivelar a situação salarial de todo mundo por baixo. Sob o lema incompreensível do se eu estou me ferrando, então todo mundo também tem que afundar!

Caros, sei porque digo isto! Também fui servidora do Poder Executivo - de um dos ministérios cujo nome, aqui, agora, não vem ao caso - mas que sei por experiência de vários anos de sofrimentos ser o mais sucateado do país! Em tudo: em recursos humanos e materiais disponíveis; no número massivo de funcionários, alegado eternamente para justificar salários surreais. Costumávamos dizer na época - e olha que isto já vai para quase quinze anos! - que era indigno chamar o que ganhávamos de salário. Deveria ser gorjeta! Porque é piada, até aos dias de hoje, intitular o chamado salário mínimo do Brasil de salário. Sempre me perguntei como quem ganha o tal "salário mínimo" se vira para sobreviver. Pagando contas, vestindo, alimentando, morando, pagando estudos e saúde?! Com um "salário mínimo"?!

Me poupem!

Todavia, amigos, também presenciei, estatelada de indignação, na época em que corri atrás de cursos e de jornadas diárias sacrificadas para prestar um concurso para o Judiciário que me proporcionasse melhorar minha vida, - foi mais de um ano de preparo e de canseira! - o efeito mania de nivelar por baixo da parte dos próprios colegas!

Ficaram indignados com o fato de ter sido bem sucedida nos meus esforços, passando no concurso para o Judiciário Federal e me situando nas vagas disponíveis. Não foi só de ouvir contar de pessoas que, lá, eram amigos leais, não! Presenciei reações estranhas. Despeito flagrante na reação de alguns. Comentários tortos, que punham em dúvida, inclusive, a integridade da minha nomeação, questionando a idoneidade do próprio concurso, em si! Aquilo foi um choque, me encheu! Deu vontade de dizer: olha, sinto muito se isto os faz sofrer! Passei! Corram atrás! Reclamar da vida entra dia sai dia não os levará a nada!...

Porque, caros, numa hora daquelas, aprendi mais um pouco sobre o ser humano. E, com base naquilo, e no que observo com o passar dos anos, é facilmente diagnosticado o mesmo mal com novas caras e roupas!
 
Toda a classe trabalhadora, seja lá onde for  - professores, funcionários públicos, de empresas ou na iniciativa privada, bancários, garis, domésticas, policiais, o que for! - todos, todos são mal remunerados, desvalorizados, mal preparados nas suas funções! Contam com falta de recursos aliada a salários baixos. Há algum tempo atrás, presenciei numa praia de Maceió um afogamento e o desabafo desesperado do capitão dos bombeiros que reclamava o descaso da rede hoteleira daquela famosa orla turística, que só lhes oferecia pés de pato para trabalhar. O rapaz morreu em vão! - ele esbravejava - Só nos dão pés de pato! Mas não somos patos para trabalhar somente com pés de pato! Não nos oferecem o mínimo de recursos!...
 
Todos, portanto, merecem qualidade de vida, melhorias salariais e a devida valorização profissional. Não conseguem porque não trabalham, ou trabalham mal?! Não! Brasileiro é trabalhador! Não conseguem por causa do sistema injusto que prevalece no país como ave de rapina! Mas deve se culpar alguém por isto; e um trabalho massivo é desencadeado de caso pensado para se desviar a culpa por este estado de coisas dos principais responsáveis, jogando trabalhadores contra outros trabalhadores!

Então, pretextando as falhas críticas existentes no Judiciário - e existem, e nós, os servidores, sabemos, e não compactuamos com as mesmas, mas conscientes de que existem não apenas no Judiciário, mas em todo e qualquer setor do trabalho humano! - induz-se o povo, ao invés de a criar consciência crítica para lutar pela própria valorização em todos os sentidos, nivelando-se por cima com quem, trabalhando, alcança melhorias, a cair antes de sarrafo em funcionários que também pagam contas, que também pugnam por valorização profissional; a julgar, sob uma ótica míope e mal refletida, que, ao invés de se correr atrás das conquistas salariais adequadas à sua melhoria de vida, deve-se, antes, sucatear os salários do Judiciário!...

...para transformá-lo nalguma coisa semelhante ao existente noutros setores dos serviços públicos, dos quais tanto se reclama!?

No mínimo contraditório! Porque, uma vez que se alega morosidade na Justiça, sem se apurar as causas reais, como que se ataca as condições salariais desta mesma Justiça pretendendo-se melhorias na qualidade de serviço ao público? Como se quer exigir excelência do trabalho da Justiça sucateando-se seus padrões ao nível precário das demais instâncias do país?!

Sei que muitos podem ler isto alegando o estigma do servidor público que ganha para prestar um desserviço, ou um serviço sofrível. Vamos exorcizar, então, este fantasma: porque trabalho há quase vinte e dois anos no serviço público, entre o tempo no Executivo  e no Judiciário. E, caros, o que vi, foi a maior parte das pessoas com quem convivi - gente como eu ou você! - trabalhando!

Trabalhando!
Dando de seis a oito horas diárias de jornada e o melhor de si, em condições profissionais no mais das vezes exaustivas, ingratas! E os tais ociosos que ganham para não fazer nada, ou ainda, os "funcionários palitós"? Ah, sim... Deixe ver.. Não nego, devo ter esbarrado com alguns... Mas, asseguro-lhes - poucos! Muito poucos! Na verdade, em número insignificante; o bastante para justificar a conclusão óbvia de que se trata a coisa toda não mais do que da circunscrita àquela área do comportamento humano facilmente observável em qualquer esfera de serviço existente!

Porque, caros, como em tudo, o que faz a qualidade do trabalho é o ser humano, que imprime nele a sua alcunha, toda pessoal! E, assim como não se justifica o servidor do Judiciário prestar um mal serviço ganhando mais, também não se justifica a falta de profissionalismo de um outro qualquer que, em condições salariais piores, usa este pretexto para prestar má qualidade de serviços!

Mas - e que isto fique assentado! - é preciso acabar com esta mentalidade do se nivelar por baixo! Pois países melhores do que o nosso, amigos, países que cresceram e evoluíram, sem nenhuma sombra de dúvidas construíram esta história se valorizando! E, certamente, cobrando dignidade o suficiente para não se contentarem com pouco, e exigirem o direito puro e simples da boa qualidade de vida - e não depreciando, puxando o tapete, nem atacando o progresso de ninguém! 

Que se pense, portanto, com maior largueza de vistas e bom senso que nos isentem de julgamentos injustos. Que se entenda de uma vez por todas que se o Judiciário pleiteia melhores salários para os seus servidores, então que todos os que, de seu lado, também o merecem, exijam o mesmo!

Que corram atrás! Com mobilização maciça, com articulação e organização! E não com queixumes inúteis e mágoas das conquistas alheias, ou se vendendo para as alternativas tentadoras da corrupção! Não atacando trabalhadores que, acuados, presenciam todo este entrechoque orquestrado pelos poderes estabelecidos e interessados em se eximir de culpas; que não concordam, em verdade, com toda a desigualdade que está aí! E que reconhecem em todos os mesmos direitos pelos quais lutamos, entra ano e sai ano, com vistas a uma vida melhor para nós mesmos, para os nossos filhos!

É certo: no dia em que este novo padrão de pensar grande prevalecer nas mentalidades, acima do impacto das manchetes do dia produzidas de molde a desviar a população das razões verdadeiras, do modus operandi real do problema, grande passo será dado em direção ao resgate devido da dignidade de uma sociedade que saberá se impor e se valorizar, e, por conseguinte, avançar na direção de uma qualidade de vida mais justa para todo o país!

Um abraço!

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 10/10/2009
Código do texto: T1858353
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