HISTÓRIA E MEMÓRIA DE BACABAL: do sáculo XIX ao séc.XX
HISTÓRIA E MEMÓRIA DE BACABAL: do sáculo XIX ao séc.XX
HISTÓRIA E MEMÓRIA DE BACABAL: do sáculo XIX ao séc.XX
Telma Bonifacio dos Santos Reinaldo
1 INTRODUÇÃO
Para se conhecer uma região é necessário fazer uma radiografia do funcionamento de seu sistema de produção, das relações de produção existentes, dos conflitos entre os diferentes ramos da produção e no interior de cada um deles.
Para fazer uma radiografia da região é necessário conhecer um pouco da História da região, da memória do seu povo, no sentido de identificar suas tendências de desenvolvimento, por exemplo, como surgiu o povoamento, motivado por quais interesses se reuniram as pessoas para conviverem e estabelecerem um conjunto de relações sociais em determinada região.
Essa análise histórica é, na maioria das vezes, indispensável para o entendimento do presente, não bastando a mera manipulação de dados estatísticos ou o acúmulo de informações e dados colhidos empiricamente no presente, pois os mesmos, isoladamente podem obscurecer as tendências de desenvolvimento, chave para a compreensão dos fenômenos sociais.
Após este esforço de compreensão histórica, podemos analisar o presente para saber, primeiro do que se ocupa a população da região, quais as atividades que ali se desenvolvem e como se distribui a força de trabalho.
Pra isso é preciso observar a estrutura ocupacional e o valor da produção de cada setor, o que nos dará um quadro inicial das hierarquias existentes entre os diferentes ramos da produção, como eles se interrelacionam e como se realiza o fluxo da produção e comercialização dos seus produtos.
Somente a partir daí podemos estudar a estrutura da propriedade ou seja as relações de produção dentro de cada setor produtivo, comparadas com análises das hierarquias estabelecidas entre os diferentes setores da produção que a luz das análises históricas previamente feitas, certamente nos fornecerá elementos para a compreensão das relações de poder existentes, das ideologias e dos conflitos ali estabelecidos.
As dificuldades atuais para desenvolver trabalhos de cunho regional são inúmeras, na medida em que quase toda a produção historiográfica atual contempla de forma um tanto quanto generalizada as questões nacionais e não o regional com suas diversidades.
A partir da década de 1970 tem crescido o numero de pesquisas e estudos regionais, tal fato se explica pela atenção que recentemente os geógrafos vem dando ao conceito de região, a partir da chamada Geografia Critica, capaz de compreender as diferenças e as contradições geradas pela ação o homem ao longo da História, em determinado espaço.
Pra essa corrente de pensadores a organização do espaço se constitui em uma categoria espacial, fruto do trabalho humano e da forma como os homens se relacionam entre si e com a natureza, provando que o termo “região” como categoria espacial expressa uma especificidade, uma singularidade, dentro de uma totalidade (Wilson Cano, 1970:55). Assim a região se configura como um espaço particular dentro de uma organização social mais ampla com quem se articula.
A história do Maranhão apesar das significativas contribuições trazidas pelos trabalhos clássicos de João Francisco Lisboa, Jerônimo de Viveiros, Mario Meireles e das pesquisas acadêmicas de cunho interpretativo ou narrativo que ultimamente vem surgindo, ainda aguarda um esforço de síntese sobretudo no que tange a apreensão de aspectos relevantes como o que se refere ao movimento povoador que marcou profundamente a sociedade colonial brasileira e maranhense.
Francisco de Oliveira diz que para justificar a tendência homogeneizadora típica dos historiadores, de igualar os espaços historicamente constituídos, a partir da referencia do capital monopolista, acabam subordinando todas as formas de produção ao capital agrário ou mercantil. (1978).
Entretanto a historiografia maranhense tem privilegiado apenas o estudo das regiões de ocupação mais antiga e os temas desenvolvidos sobre o período colonial como invasão francesa e holandesa, fortificações, conflitos entre colonos e missionários, trabalhos das Companhias de Comercio, revolta de Bequimão, reformas pombalina entre outros, quase nada esclarecendo sobre a região do Médio Mearim, cuja colonização apresenta alguns aspectos “sui-generis” em relação as demais regiões maranhenses.
Desse modo podemos afirmar que a identidade histórica maranhense foi construída a partir de um referencial que contempla apenas as áreas com origem no litoral, constituindo-se numa visão homogeneizadora da história do Maranhão. O discurso historiográfico, ao generalizar apenas determinadas regiões, tendeu a uniformizar os diferentes espaços historicamente construídos no Maranhão.
Nosso objetivo é justamente questionar essa visão, quando pretendemos investigar sobre um Maranhão que não é precisamente das fortificações, invasões, açúcar, algodão, mas que se identifica particularmente com as diferentes formas de povoamento vinculada a grande produção mercantil agro-exportadora, a formação do pequeno campesinato e ao desenvolvimento a pecuária. Queremos indagar sobre essas correntes povoadoras que contribuíram para a construção do rico patrimônio cultural que fez de São Luis do Maranhão a “Atenas Maranhense”.
A região do Médio Mearim apresentou em sua evolução histórica aspectos bastante peculiares , sua ocupação processou-se tardiamente se comparada com as demais regiões maranhenses pois foi somente a partir dos meados do século XVIII que ali chegaram os primeiros povoadores, disputando com tribos indígenas terras para se estabelecerem. A ocupação foi motivada pela expansão da economia algodoeira, que dependendo do gado como alimento básico da população livre e escrava e também como transporte, estimulou a multiplicação de currais e a sua interiorização.
A história de Bacabal começa no final do século XIX, quando o Coronel Lourenço Silva se estabeleceu na região do Médio Mearim, para desenvolver atividades agrícolas com a utilização da mão de obra escravizada indígena e negra, substituindo mais tarde pelo desenvolvimento da criação de gado.
Desmembrado dos municípios de São Luis Gonzaga (Ipixuna) e Pedreiras, Bacabal alcançou a categoria de vila em 1920, tornando-se cidade em 1938. Ocupa uma área de 1.609 Km quadrados distanciando-se de São Luis 263 Km, tendo como municípios limítrofes Coroatá, Lago da Pedra, Lago do Junco, Lago Verde, Olho D’água das Cunhas e Vitorino Freire.
Os primeiros povoadores dessa região foram os nordestinos provenientes do Estado do Ceará e Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte, proprietários de terras e escravos que migraram para essa região em busca de terras férteis e invernos regulares, pois por cá as extensões de terras eram abundantes, permitindo aos ex escravos também a posse de pequenas extensões de terras , pois com a abolição da escravatura, a situação de antigos proprietários de escravos e ex escravos eram muito semelhantes, assim a região do Médio Mearim tornou-se o paraíso da pequena e media propriedade.
Na medida que as secas nordestinas foram se apresentando de forma mais freqüente, as migrações para a região do Médio Mearim se aceleraram, através de grandes, médios e pequenos proprietários rurais que depositavam suas esperanças nas terras do Mearim. O processo de arregimentação da propriedade rural obedecia a Lei de Usucapião provocando a regularização da propriedade rural em bem pouco tempo(Lei de Terras de 1850).
Pela Lei de Terras de 1850, “todos os proprietários que possuíssem mais de 20 anos na exploração da terra teriam títulos de propriedade concedidos pelas autoridades constituídas, sendo que os mais favorecidos eram os exproprietarios de escravos e os mais prejudicados eram os ex escravos, pois embora moradores não fossem vistos como estabelecidos na terra, na medida em que foram incorporados na área como mercadorias para o trato da terra, trazidos pelos verdadeiros donos.
Assim a mão de obra negra encontrou-se, a partir da Lei de Usucapião, em um processo permanente de expulsão de seus territórios e em Bacabal segundo relato de pessoas da região e conhecedoras da historia latifundiária do município, no momento da aplicação dessa lei a maioria da população negra foi expropriada, embora fossem habitantes primitivos da região e seus descendentes transformados em trabalhadores agrícolas, com difícil reconhecimento de proprietários de títulos de terras na região.
Na medida em que as expropriações eram realizadas e a expulsão de grandes contingentes da população negra consolidada, estes procuraram se e agrupar em outras plagas, estabelecendo uma nova modalidade de organização social e econômicas mais distantes da região de Bacabal, dando origem a povoados quilombolas como os de Piratininga e Santo Antonio.
Enquanto isso, a ocupação das terras se dava através do crescente processo de interiorização, desmatando as matas virgens que constituíam o cenário dessa região gradativamente queimadas e transformadas em plantações de arroz, feijão, milho e mandioca combinada com a criação de gado e pequenos animais.
A combinação destas atividades garantia a subsistência do trabalhador rural que ali chegava tangido pela seca e falta de terras cultiváveis tanto em outras regiões do estado como de outros estados brasileiros, assim a partir do século XIX, após a Abolição da escravidão e a conseqüente Proclamação da Republica, os chamados “coronéis” que naquelas paragens se instalaram começaram a desfazer-se da grande propriedade formando pouco a pouco um pequeno campesinato e contribuindo para o estabelecimento de pequenos comércios na região.
A integração da região do Médio Mearim a capital do estado foi um processo lento, marcado por tensões e só consolidado quando da abertura de estradas, ferrovias e serviços de radio difusão, telefone, telegrafo, televisão, entre outros meios de comunicação. Nas ultimas décadas do século XX a região do Médio Mearim passou por grandes alterações estruturais, visto que de uma região essencialmente agrícola de velhos costumes e tradições arraigadas foi consolidando novas formas de viver atrelada a novas relações sociais e econômicas desenvolvidas através da atividade assalariada e agricultura mecanizada.
A política do governo federal particularmente a partir de Juscelino Kubitschek (1955-1960), de estimulo a construção de estradas, não só aumentou o contingente de imigrantes, como também facilitou a penetração do capital comercial que estimulava o lavrador a produzir uma quantidade de alimentos além da necessária para o consumo e sobrevivência da população.
Este excedente produzido encontrava nas atividades do comerciante nas vias de comercialização e de escoamento para outros centros de consumo a transferência de um excedente cada vez maior para os centro consumidores do nordeste e do centro sul do país, embora tenham também sido responsáveis pelo abastecimento local e pela renda gerada pela execução dessas atividades.
No entanto há uma lacuna na produção historiográfica maranhense que não contempla o município de Bacabal, o qual possuiu uma produção de excedentes comerciáveis bastante promissor e uma das alternativas desse trabalho seria a tentativa de superar este “silencio” existente , talvez pela escassez de fontes disponíveis e catalogadas que favorecessem a elaboração de uma boa produção nesse sentido.
Na verdade a maior parte da documentação sobre o Maranhão colonial e imperial encontra-se nos diversos arquivos e centros de documentação em Portugal, notadamente no Arquivo Ultramarino, nos Arquivos da Biblioteca do Palácio da Ajuda , na Biblioteca Nacional de Lisboa e na Biblioteca Municipal de Évora, notadamente no Rio de Janeiro existe no Arquivo Nacional um acervo bastante substancial dos séculos XVIII e XIX, além de material arquivistico no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
No Maranhão as fontes estão dispersas nas arquidioceses das Igrejas da capital e dos municípios, no Arquivo Publico do Estado (APEM), material só recentemente catalogado e disponibilizado para consulta.São manuscritos, correspondências de época particulares e oficiais principalmente do período compreendido entre 1800 a 1889, com preciosas informações a respeito do devassamento do território maranhense, dos conflitos com os índios e da preocupação do estado com a expansão e povoamento da fronteira agrícola.
A coleção de jornais de época (séculos XIX e XX), existente na Biblioteca Benedito Leite são outra fonte de consulta que poderá nos informar sobre o cenário político e econômico do Maranhão , além de recentes contribuições de trabalhos acadêmicos objetivando resgatar o passado de nosso estado, os relatos de cronistas e viajantes preocupados com a diversidade regional da nossa terra, além de teses e dissertações de mestrado e doutorado que trazem contribuições a esse passado glorioso , principalmente sobre o gerenciamento da grande lavoura de exportação que se desenvolveu no Maranhão, vale ressaltar o trabalho de Leonarda Mussumeci quando discute a relação do camponês com a terra e o processo de colonização espontânea das áreas devolutas e do movimento posterior de titulação e parcelamento jurídico das mesmas áreas, trabalho esse desenvolvido na década de 1980.
Mais recentemente , temos o trabalho de Maria do Socorro Cabral resultante da tese de doutorado na USP, onde autora desenvolve a problemática da dupla colonização no sul do Maranhão, mais precisamente no sertão de Pastos Bons, para a autora a conquista e o povoamento dessa área apresentou algumas peculiaridades quando comparadas com o processo colonizador que se desenvolveu em outras áreas maranhenses ocupadas a partir de correntes migratórias originadas no litoral.
A Neide Esterci também desenvolveu pesquisa nessa área onde buscou verificar as estratégias postas em pratica pelo campesinato maranhense numa situação de expropriação, a partir da reconstrução histórica da ocupação e das transformações do regime de terras na área ocupada pelo município de Pedreiras (Ma), com o intuito de compreender a emergência do campesinato do século XIX e dos obstáculos que nas ultimas décadas do século posterior se opuseram a sua reprodução.
Carvalho Lago, por sua vez, informa em sua obra Pedreiras: elementos para sua história, que as primeiras incursões a essa região devam ter sido impulsionadas com o objetivo de aldear índios e não a tomada de posse das terras existentes, além da apropriação do trabalho escravo desses nativos, na medida que os mesmos foram escravizados antes da mão de obra negra africana, pratica que contribuiu para um vantajoso comercio animal e vegetal advindos do extrativismo feito pelos índios aldeados e escravizados.
Segundo Raimundo José de Sousa Gaioso, senhor de lavouras no Maranhão no inicio do século XIX, aquelas áreas embora cobiçadas para o cultivo do arroz e algodão, produtos de revenda na Província do Maranhão, eram dificultadas pela resistência efetiva das populações indígenas, de acordo com esse autor “as matas virgens que faltavam a lavoura existiam em abundancia as margens do Rio Mearim”, embora os índios Canela e Timbiras dificultassem o estabelecimento agrícola.
Somente com o envio de missionários católicos, tais como Frei Inácio Xavier em 1847, sob a proteção de poderosa armada é que foi vencida a resistência dos silvícolas e feita a ocupação desses territórios, conforme nos relata o Relatório de Província de 1853. Estas indicações seriam relativamente suficientes para demonstrar que a ocupação dessas áreas ocorreram com esfacelamento das tribos indígenas e a crescente ocupação por parte dos grandes proprietários que vão redistribuindo as referidas terras aos pequenos produtores, fato que mais tarde viria gerar o interesse de novos “bandeirantes” a região bem como o acirramento das lutas tanto com índios como com antigos senhores de escravos.
Por todos estes fatos aqui contingenciados, vê-se que o século XVIII, XIX e inicio do século XX o controle das terras nativas, ditas devolutas, vivenciaram uma situação conflituosa, impossível de ser barrada em virtude da escassez de terras em outras plagas tais como as margens do rio Itapecuru , já ocupadas e exploradas pela pequena e media propriedade.
Este debate historiográfico foi iniciado nos idos de 1995, quando da necessidade de uma monografia de pós-graduação lato-sensu e hoje retornando a ele vejo-o ainda bastante recente na medida em que discutir a historia do Maranhão no que tange a expansão das fronteiras agrícolas e suas características ainda necessita de um esforço metodológico e acadêmico de grande valor para as novas gerações, assim estamos retornando a esse contexto regional do Médio Mearim para revisitá-lo na tentativa de contribuir para o conhecimento de peculiaridades, continuidades e descontinuidades desse processo histórico.
Decidimos narrar em forma de capítulos a partir dessa introdução a saga da ocupação da região do Médio-Mearim, com a preocupação de descortinar a ocupação, o povoamento e desenvolvimento do município de Bacabal desde as suas origens na Colônia Leopoldina até os dias atuais, assim o capitulo seguinte será sobre a localização e importância dessa região no contexto histórico e geográfico maranhense.
REFERENCIAS
Almeida, Alfredo Wagner de. Ideologia da decadência: leitura antropológica a uma historia da agricultura do Maranhão. São Luis:IPES,1982.
Andrade, Manuel Correa de. Ensaios sobre a realidade maranhense. São Luis:IPES,1984.
Cabral, Maria do Socorro Coelho. O caminho do gado. São Luis:SIOGE,1992.
Esterci,Neide. A formação do campesinato no município de Pedreiras, Maranhão. Rio de Jneiro:Museu Nacional (Mimeo).
Gaioso, Raimundo José de Sousa. Compendio Histórico-Politico dos Princípios da lavoura do Maranhão. Rio de Janeiro: Editor Mundo Inteiro, 1970.
MUSUMECI, Leonarda. Omito da terra liberta. São Paulo: Vértice, 1988.
SOARES, Luis Alberto Soares. Campesinato, Ideologia e Política. São Paulo: Zahar Editores, 1981.
WAGNER, Alfredo. Questões agrárias no Maranhão contemporâneo. Brasília: UNB,1978.